Por: Ana Paula Abranoski | 28 Outubro 2020
"No meu jardim, há décadas não cultivo o ódio. Aprendi uma dura lição que a vida me impôs. O ódio acaba deixando as pessoas estúpidas. Passei por tudo nessa vida, fiquei seis meses atado por um arame, com as mãos nas costas, fiquei dois anos sem ser levado para tomar banho e tive que me banhar com um copo. Já passei por tudo, mas não tenho ódio de ninguém e quero dizer aos jovens que triunfar na vida não é ganhar, mas sim se levantar toda vez que cair”. Pepe Mujica
Foi com a citação dessa grande liderança política que iniciamos o encontro [online] Hip Hop: cultura e resistência das juventudes periféricas, pela série de vivências debates Juventudes, Democracia e Direitos Humanos, promovido pelo CEPAT, em parceria com os Colégios Estaduais Santos Dumont e Vitor do Amaral, de Curitiba, Paraná, e apoio do Núcleo de Direitos Humanos da PUCPR, Instituto Humanitas Unisinos – IHU e Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida – OLMA.
Ana Paula Abranoski e Viviane Aparecida Ferreira de Lara Matos, ambas do Cepat.
Para este momento de debate, reflexão e denúncia, contamos com a participação de um trio de peso: DJ Jabutaya, Lua D’avilla e Mano Cappu, artistas da periferia de Curitiba, que contaram sobre suas trajetórias dentro da música, suas dificuldades no meio musical e sua visão do racismo estrutural na música.
Lua D'avila é uma mulher, mãe, preta, lutadora, executiva de contas e cantora. Sua primeira participação autoral foi no single GRITO, em parceria com Mano Cappu, mas já participou também de outros projetos na cena musical curitibana. Está no começo de sua jornada musical como cantora solo e seu maior objetivo e sonho, atualmente, é lançar seu primeiro EP até o fim desse ano.
Lua conta que em sua trajetória de vida viveu na periferia com seus pais e resolveu querer ganhar a vida a partir dos estudos, mas teve as portas das oportunidades fechadas em sua cara por uma sociedade que discriminava mulheres e pretos. Foi um momento de perceber qual o motivo pelo qual pessoas brancas tinham acesso a direitos que para as pessoas negras eram negados. Lua é Luana D’Avila, uma mulher preta que batalha diariamente para receber o reconhecimento que merece em meio a uma sociedade que ainda fecha os olhos para a realidade e desigualdade que marca o cotidiano das pessoas negras.
Para abrilhantar ainda mais esse momento, também contamos com a participação de Mayara Melo, 21 anos, conhecida artisticamente como DJ Jabutaya, produtora cultural, DJ e modelo curitibana. Aos 17 anos já estava envolvida na cena cultural e não parou desde então. Atualmente, tem alguns projetos em andamento como a agência e selo chamada AMAPÔ, um coletivo chamado Envenena, atividades de DJ com Mano Cappu e de modelo com a TUTTAN.
Como pano de fundo desta tarde de reflexão, Mano Cappu cantou sobre questões do passado e do presente com o seu single “GRITO”, composto em parceria com a cantora Lua D’Avila. Para Cappu, a letra deste single não traz uma superação, mas sim uma denúncia.
Rodrigo Pinheiro, o Mano Cappu, é um curitibano de 32 anos. Nascido e criado na Cidade Industrial de Curitiba (CIC), o artista transita entre música e cinema: tem single, EP, já escreveu roteiro, atuou em série para streaming. Seu maior projeto é o lançamento do single “GRITO”, composto em parceria com a cantora Lua D’Avila.
Lua D’avilla, Mano Cappu e DJ Jabutaya.
Cantando sobre o racismo, em o GRITO, Cappu e Lua abordam o racismo atual, velado, do que se diz não racista por viver com negros, ou por não ter escravizado ninguém. “Se a pessoa não comete atos racistas, isso não significa que ela acabou com o racismo. A subjetividade dessa pessoa não resolve o problema do racismo”, diz Cappu ao falar das provocações de sua música.
O GRITO é cantada e escrita a partir do ponto de vista de uma mulher e um homem negros em uma sociedade racista, é uma denúncia em forma de arte, uma maneira de tentar alcançar as pessoas. O problema, para Cappu, está na forma como estamos estruturados como sociedade, não nas atitudes individuais de cada um.
“Acorrentaram minhas mãos, mas o meu grito vão ouvir”, canta Lua. A letra fala também de amor, dependência química e sobre o tempo que Cappu passou preso injustamente. Cappu reforça que a música antecede esse tempo dos protestos que estamos vivenciando, mas acredita que a vida imita a arte que também é uma forma de mostrar como este tema é falado há tanto tempo. O movimento negro, o rap, sempre se falou sobre essas questões. Se essas pessoas hoje estão fazendo esse protesto é porque de alguma forma algum rapper, algum pensador negro, qualquer ação antirracista conseguiu ser uma semente dentro dessas pessoas e fizeram com que elas eclodissem nesse momento de protestos de Vidas Negras Importam.
O tema instigou muitas questões, uma delas foi a de como as expressões culturais como o Rap podem ajudar as juventudes na atual conjuntura política do país. O trio enalteceu as iniciativas de jovens que agem na realidade de seus territórios, por exemplo, com as manifestações culturais, mas também deixou um recado específico para as eleições municipais. Para Jabutaya, enquanto não priorizarem e darem acesso aos negros na política, não teremos mudanças.
Vale destacar que somente nas três capitais da região Sul não haverá candidaturas negras para o executivo. Somada, a população de Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre é de cerca de 3,5 milhões de pessoas. Ao todo, os três municípios da região terão 37 candidatos às prefeituras nas eleições deste ano. Todos brancos. Se formos falar em candidaturas indígenas, este número é ainda menor.
Estamos diante de uma real e necessária reforma do sistema político, pois novos(as) candidatos(as) enfrentarão um sistema eleitoral que continua jogando contra a democratização dos espaços de poder. Em 2014, por exemplo, dos 30% de candidatas, somente 10% foram eleitas para o Parlamento. Destas, menos de 4% eram negras (pretas e pardas). Elas enfrentam o machismo e o racismo nas campanhas e são as candidatas com menos recursos para divulgar suas propostas aos eleitores. E não podemos deixar de ressaltar, entre esses dados, a cruel execução da vereadora negra Marielle Franco (PSOL), no Rio de Janeiro.
Cappu reforça que tenhamos um olhar para a Câmara de Vereadores do Município de Curitiba para vermos quantas mulheres, negros, indígenas e LGBTQI+ temos ocupando estes espaços de poder. E finaliza sua fala com a seguinte frase de Nelson Mandela: “Eu nunca perco. Ou eu ganho, ou aprendo! Que nunca, nunca, nunca mais esta bela terra experimente novamente a opressão de um pelo outro e sofra a indignidade de ser a escória do mundo. Que a liberdade reine! ”.
Jabutaya se posiciona ressaltando que quando o povo negro fala em leis, está cansado de homens brancos decidirem sobre o corpo de crianças, mulheres e principalmente sobre o corpo de pessoas pretas porque nunca passarão pelo que nós passamos.
Lua lembra que a cidade de Curitiba é uma cidade que foi colonizada por europeus e nós das periferias temos que olhar para os nossos bairros, temos que ser resistência e dar voz a estas periferias.
Vivemos em um mundo de disputa. Nossa sociedade tem profundas marcas das desigualdades que foram escritas ao longo da história. Mas o povo negro precisa de mais! Que possam narrar suas próprias histórias, ter direito à fala, ter o sentimento de pertencimento!
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Denúncia em forma de arte para não ceder ao racismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU