Por: Ana Paula Abranoski | 01 Outubro 2020
Diante da realidade que estamos vivendo nesses últimos meses, com a exacerbação das desigualdades sofridas por adolescentes e jovens na periferia, faz-se necessário promover ações que desencadeiem dinâmicas de reconhecimento de direitos, na perspectiva da luta pela justiça social. E a escola, como espaço democrático e de promoção dos direitos humanos, tem o compromisso de ser um lugar de aprendizagem para este exercício.
Sendo assim, no dia 23 de setembro, com o tema “Arte e Cultura: as vozes das juventudes periféricas”, adolescentes e jovens, educadoras(es) e militantes participaram do terceiro encontro [online] do ciclo de debates e vivências “Juventudes, Direitos Humanos e Democracia”. Esta iniciativa é promovida pelo CEPAT, em parceira com o Colégio Estadual Santos Dumont, Colégio Estadual Vitor do Amaral, Instituto Humanitas Unisinos - IHU e Núcleo de Direitos Humanos da PUCPR.
Para facilitar o debate nessa direção, convidamos Kenni Rogers, que há mais de dez anos trocou a cidade de Marechal Cândido Rondon pela capital do estado do Paraná e, desde então, vem se envolvendo em uma série de trabalhos como gestor cultural, ator profissional, mediador de leitura e voluntário em ações sociais.
Viviane Aparecida Ferreira de Lara Matos, do Cepat e Kenni Rogers, da Trupe Periferia.
Kenni reforçou que na cidade de Curitiba os equipamentos culturais normalmente se concentram na região central, marginalizando os bairros da promoção de atividades culturais. Em sua avaliação, a cidade precisa garantir as mesmas oportunidades e os mesmos direitos para todos, mas infelizmente não é o que acontece.
Vivemos um tempo de anseio por mudanças sociais e as juventudes possuem essa força e resistência. Para Kenni, o que nos anima é que Curitiba tem protagonismo no Rap e Hip Hop, tendo os jovens à frente, como é o caso do Slam, um movimento internacional presente também no Brasil, que busca ser um espaço de resistência e protesto, um meio de dar voz a todos oprimidos e oprimidas, através da poesia.
Com seus trabalhos, Kenni já conseguiu aprovar um projeto de ações de leitura que passou por todas as regiões da cidade e foi muito positivo. Questiona o rótulo de que o brasileiro lê muito pouco, buscando os motivos como, por exemplo, a distribuição desigual de renda, o analfabetismo, inclusive funcional, que atinge quase 30 milhões de pessoas, a falta de estímulo em casa e na escola, a carência de pontos de venda e de bibliotecas públicas e o fato de que 2,8 milhões de crianças e adolescentes, entre 4 e 17 anos, estão fora da escola, segundo o IBGE.
A Constituição Federal de 1988, além do direito à educação, assegura a todos os cidadãos o acesso a fontes de cultura nacional, garantindo, assim, acesso igualitário aos bens culturais. Contudo, 91% dos municípios brasileiros não possuem salas de cinema, por exemplo, e 60% dos jovens nunca foram ao cinema, também de acordo com o IBGE.
Mas é aí que, segundo Kenni, aparecem as vozes das juventudes das periferias, que visibilizam essa realidade com a denúncia presente em expressões culturais como o Hip Hop e o Slam, que dão espaço ao lugar de luta e de fala dos jovens e das jovens. Comprometido com esses protagonistas das periferias, Kenni citou uma frase que marcou sua caminhada: “Não existe revolucionário que não tenha passado fome”. Esses jovens retratam os desafios e conquistas daqueles que vivem com pouco, mas que, ao mesmo tempo, transformam a escassez em combustível para lutar por um novo mundo, uma nova sociedade, baseada em outros valores.
Igor Sulaiman Said Felicio Borck, do Cepat, Ana Paula Abranoski, do Cepat, Kenni Rogers, da Trupe Periferia, Carol Lobo, do Colégio Estadual Santos Dumont, Handal (Renan Brandão), da da Trupe Periferia e Viviane Aparecida Ferreira de Lara Matos, do Cepat.
Vale lembrar que, nos últimos anos, esses jovens também protagonizaram várias mobilizações sociais marcantes, tais como a reivindicação pelo passe livre e a ocupação das escolas, que despertaram a participação cidadã.
Durante o debate online, criticou-se a aprovação do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, apresentado pelo governo Bolsonaro e que se apoia na crença de que sob a gestão dos militares, as escolas conseguirão resolver a questão da violência, motivo pelo qual o plano considera aplicar a militarização em territórios mais vulneráveis e ainda produzir melhores resultados educacionais, a partir de mais regras e disciplinas no ambiente escolar. Na verdade, esta iniciativa, além de retrógrada e conservadora, desconsidera a dinâmica da vida nas periferias e criminaliza muitos jovens de antemão, quando o verdadeiro desafio é o de estimular suas potencialidades como cidadãos de direitos, no livre exercício da democracia.
Para uma das professoras que participou do debate online, a gestão democrática da escola deve considerar a cultura e a arte ferramentas para dar voz aos estudantes, professores, funcionários e familiares. Na mesma linha, Kenni reforça que precisamos dar voz à juventude, incentivando a criação de grêmios estudantis como forma de resistência, sendo a força jovem. Precisamos dar oportunidades para que a(o) jovem da periferia se manifeste frente aos desmontes de direitos. As expressões culturais da periferia não podem ser anuladas, mas visibilizadas.
Em 2019, Kenni fundou a Trupe Periferia, com jovens de várias comunidades. Seu orgulho é ver “a periferia na plateia, consumindo arte. Muda o jovem, muda a família, muda a comunidade. Muda a cidade”, aponta. A música, o teatro, a dança, a literatura e as artes visuais são um movimento pulsante, crítico e desafiador. As juventudes da periferia ajudam a construir uma sociedade mais justa. É preciso promover o desenvolvimento dos(as) adolescentes e jovens, fortalecendo o seu protagonismo, que é uma questão social urgente.
Urge aproveitar a potencialidade, o talento e a criatividade das juventudes como um meio de transformação da sociedade. Nosso papel deve ser o de apoiar esse dinamismo juvenil, construindo possibilidades juntos. O momento é de incertezas, mas é certo que há um conjunto de experiências culturais juvenis fervilhando, muito diferentes entre si, mas que fazem um importante contraponto ao modelo dominante, com sua atual crise de representatividade.
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As expressões culturais juvenis fervilham nas periferias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU