Por: Patricia Fachin | Edição: João Vitor Santos | 08 Novembro 2018
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, José Eustáquio Diniz Alves aponta que as maiores ameaças (do governo eleito) estão nos campos de direitos humanos e ambiental. “A agenda ambiental do presidente eleito é prejudicial não só ao Brasil, mas é uma ameaça ao planeta”, aponta. E completa: “o governo Bolsonaro, tudo indica, deve reforçar o setor produtivo do agronegócio e da mineração, podendo, também, de uma forma ou de outra, favorecer as atividades dos grileiros, dos bandidos que se apossam das terras públicas e dos garimpeiros ilegais”.
José Eustáquio ainda chama atenção para o que denomina “efeito bumerangue” que pode se voltar contra o Brasil ao negar acordos climáticos e apostar nas commodities agrícolas e minerais. “Perder os próximos quatro anos pode significar perder uma oportunidade histórica para tentar salvar o equilíbrio homeostático do clima e garantir um futuro”, resume.
Especificamente sobre mineração, destaca a volta de alguns mitos, como o de fazer o Brasil rico através da extração de nióbio, mineral usado principalmente em ligas de aço para a produção de tubos condutores de fluidos. “A dita salvação pelo nióbio é a atualização do mito do Eldorado”, dispara. Isso porque acredita que “os ciclos de exploração mineral e natural podem enriquecer alguns, mas não sustentam um projeto de nação”. “Os países ricos são aqueles que contam com uma ampla rede de trabalho produtivo e uma população educada e com alto investimento em ciência e tecnologia”, completa.
José Eustáquio | Foto: Juliana Chalita - GN
José Eustáquio Diniz Alves é doutor em Demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - Ence/IBGE.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual sua avaliação do resultado das eleições presidenciais?
José Eustáquio Diniz Alves – O resultado foi surpreendente em muitos aspectos. Mesmo sabendo das dificuldades econômicas do país, não imaginava, até poucos meses atrás, que a extrema direita (com propostas liberais na economia e conservadoras nos costumes) pudesse chegar ao Palácio do Planalto pela via do voto popular. Muito menos imaginava que um candidato com discurso de caráter racista, misógino, xenófobo, homofóbico, autoritário e antiambiental pudesse vencer uma eleição presidencial no Brasil.
O quadro político foi reconfigurado já no primeiro turno, pois o centro político foi desidratado e as candidaturas de Geraldo Alckmin (PSDB), Henrique Meirelles (MDB), Marina Silva (Rede) e Álvaro Dias (Podemos) foram esvaziadas e obtiveram, juntas, menos de 8% dos votos válidos. A candidatura de centro-esquerda de Ciro Gomes (PDT) foi prejudicada por uma manobra de Lula e do PT que, ao impedir uma aliança PDT-PSB, gerou uma fratura na esquerda, que teve um alto custo na segunda rodada das eleições. Assim, a maioria dos votos foi para os extremos do espectro político, com grande vantagem para o radicalismo de direita.
Não considero que a população brasileira seja consistentemente e ideologicamente reacionária e direitista. A maioria das propostas explicitamente conservadoras foram derrotadas em seis eleições presidenciais sucessivas, entre 1994 e 2014. As propostas de esquerda tiveram apoio de mais de 60% da população em 2002. O que favoreceu a eleição de Jair Bolsonaro em 2018 foi o descontentamento com o sistema político e a generalização do sentimento antilulista e antipetista, sentimentos potencializados pelos erros de Lula e do PT. Vejamos os principais:
1) O lema “O Brasil feliz de novo” foi uma forma de hipostasiar o desempenho do governo Lula, quando na verdade o Brasil tem 37 anos de uma trajetória submergente. O país melhorou em vários aspectos sociais, mas comparativamente com a média mundial, com os países do leste asiático e até com vizinhos latino-americanos, tem diminuído de tamanho, em termos relativos. Estamos vivendo a segunda década perdida e passamos pela mais longa e mais profunda recessão da história republicana, e o PT subestimou a mágoa e o ódio que a população sente pelas promessas não cumpridas e os sonhos que se transformaram em pesadelo;
2) As autocríticas do PT foram tímidas e vieram tarde, sendo que, depois de tantos escândalos de corrupção, o partido perdeu definitivamente a posse da bandeira da ética na política, que foi tão importante para a primeira vitória em 2002. Também, ao não rever o apoio à ditadura sanguinária e incompetente de Nicolas Maduro, na Venezuela, o PT perdeu legitimidade na defesa da democracia;
3) As alianças partidárias e sociais foram estreitas, pois ao contrário do primeiro turno das eleições de 2002, quando Lula convidou um vice (José Alencar) que era empresário e evangélico para ampliar a base social do partido, a aliança PT-PCdoB-PROS, em 2018, foi limitada e a vice Manuela D’Ávila não agregou praticamente nada a uma aliança mais ampla (pois o PCdoB é um aliado natural) e o PT deixou de conquistar outras bases, sendo que a derrota no eleitorado evangélico foi decisiva;
4) A demora em lançar Fernando Haddad como candidato, em nome do mito Lula, possibilitou a transferência de votos no primeiro turno, mas o lema “Lula é Haddad e Haddad é Lula” passou a ideia de um candidato teleguiado e controlado desde o cárcere. A ideia do “poste dois” foi interpretada como uma ofensa ao eleitorado e a candidatura Haddad não teve nem tempo e nem liberdade o suficiente para mostrar a que veio;
5) O PT não conseguiu construir uma frente democrática para unir as forças progressistas no segundo turno e nem deixou de lado a sua inerente tendência ao hegemonismo de esquerda.
Todos esses erros possibilitaram a eleição do capitão Jair Messias Bolsonaro e deixaram o país à mercê de um programa econômico vago e de propostas de cunho antidemocráticas e antiambientalistas.
IHU On-Line – A equipe do presidente eleito Jair Bolsonaro, apesar de recuos, tem manifestado a intenção de unir os Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. A proposta gerou polêmica e a própria bancada ruralista se dividiu em relação a isso. Como o senhor vê essa proposta? Quais são seus aspectos negativos e positivos?
José Eustáquio Diniz Alves – Unir os Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, sob a liderança do primeiro, é unir o “Ministério da Raposa” com o “Ministério do Galinheiro”, como disse o jornal humorístico Sensacionalista. Poderia até haver ganhos de curto prazo para o agronegócio, mas o meio ambiente sairia derrotado e, desta forma, no médio e longo prazos, todos perderiam, pois sem ECOlogia não há ECOnomia.
O Brasil, ao longo de sua história, destruiu, a ferro e fogo, aproximadamente 90% da Mata Atlântica. O Relatório Planeta Vivo 2018, lançado pela WWF, no final de outubro, mostrou que após 1970 o país destruiu 20% da Amazônia e 50% do Cerrado e este processo de desmatamento e destruição da vegetação natural pode atingir um ponto de não retorno, com consequências dramáticas sobre a população brasileira e mundial.
As ações de fiscalização do Ministério do Meio Ambiente sempre foram fundamentais para evitar o desmatamento e o avanço descontrolado da fronteira agrícola para abrir espaço para a ocupação das pastagens, das monoculturas e, também, da mineração. A implantação do Código Florestal não é incompatível com o aumento da produtividade nas áreas já disponíveis. O Brasil pode aumentar a produção de alimentos sem a necessidade de mais desmatamento e de mais emissões de dióxido de carbono.
IHU On-Line – Durante seu discurso de campanha, Bolsonaro defendeu “acabar com a indústria das multas”, propôs a venda das terras indígenas, retirar o Brasil do Acordo de Paris e, ainda, que o licenciamento ambiental seja feito em três meses. No setor de energia, propôs que cada região explore suas potencialidades, de modo que no Nordeste se invista em fontes renováveis como a solar e a eólica. Diante desse quadro, o que se pode esperar de um governo Bolsonaro acerca da agenda ambiental?
José Eustáquio Diniz Alves – A agenda ambiental do presidente eleito é prejudicial não só ao Brasil, mas é uma ameaça ao planeta. Reforçar a produção desregrada de commodities agrícolas e minerais pode transformar o país em grande emissor de gases de efeito estufa (GEE), agravando os efeitos do aquecimento global, que deve se voltar como um bumerangue contra o próprio Brasil. O governo Bolsonaro, tudo indica, deve reforçar o setor produtivo do agronegócio e da mineração, podendo, também, de uma forma ou de outra, favorecer as atividades dos grileiros, dos bandidos que se apossam das terras públicas e dos garimpeiros ilegais. As eleições de 2018 foram péssimas para as áreas protegidas da Amazônia. As terras indígenas e áreas de conservação – que funcionam como defesa contra a devastação da floresta e a defaunação – podem se transformar em uma nova fronteira para o latifúndio, a pecuária, a monocultura e a mineração. Os indígenas e os ribeirinhos dificilmente terão os direitos garantidos e poderão ser vítimas de uma integração forçada ao modelo extrativista que visa unicamente o lucro.
Uma aliança entre o Governo Federal e as frentes parlamentares do Boi (bancada ruralista), da Bala (bancada armamentista) e da Bíblia (bancada evangélica) pode gerar um holocausto biológico e o genocídio dos povos da floresta
Uma aliança entre o Governo Federal e as frentes parlamentares do Boi (bancada ruralista), da Bala (bancada armamentista) e da Bíblia (bancada evangélica) pode gerar um holocausto biológico e o genocídio dos povos da floresta. Afrouxar as multas ambientais e fazer vista grossa para o desmatamento é como repetir a política antiambiental do regime militar que visava “Levar os homens sem terra para as terras sem homens”. Só que neste momento de agravamento do aquecimento global, no qual a floresta amazônica corre o risco de se tornar uma savana, a “bomba-biótica” pode deixar de propagar umidade nas regiões centrais do Brasil e acelerar a liberação de CO2, que, por sua vez, deve elevar as incidências de ondas de calor, transformando a vida nos trópicos em um inferno. Vale sempre lembrar que o ecocídio é também um suicídio.
IHU On-Line – Jair Bolsonaro, desde a campanha, vem defendendo que o Brasil precisa ampliar a exploração de nióbio, considerando as reservas brasileiras. Como o senhor vê esse tipo de proposta? Quais os ganhos de intensificar esse tipo de exploração?
José Eustáquio Diniz Alves – Existe a lenda de que o nióbio é um tesouro gigantesco, capaz de transformar o Brasil em um país rico e de primeiro mundo. Evidentemente, isto não é verdade, pois nenhum país da dimensão do Brasil seria capaz de se sustentar com base em poucos produtos fornecidos pela Mãe Natureza. Como disse Adam Smith, em 1776, o que faz a riqueza de uma nação é o trabalho. Os países ricos são aqueles que contam com uma ampla rede de trabalho produtivo e uma população educada e com alto investimento em ciência e tecnologia.
A dita salvação pelo nióbio é a atualização do mito do Eldorado, que sustenta o sonho da riqueza fácil, presente nas colônias de exploração. Foi assim quando os bandeirantes portugueses descobriram ouro e diamante nas Minas Gerais. De certa forma, foi assim também nos governos petistas, que viram no pré-sal um “passaporte para o futuro” e um “bilhete premiado”.
Os ciclos de exploração mineral e natural podem enriquecer alguns, mas não sustentam um projeto de nação. O extrativismo – tanto de direita, quanto de esquerda – não é a solução mágica para o progresso do Brasil, especialmente nestes tempos de degradação ecológica e de um horizonte marcado pela possibilidade de um colapso ambiental.
IHU On-Line – O Congresso teve a maior renovação política desde as eleições de 1989. Considerando o quadro de candidatos eleitos, que tipo de propostas e posicionamentos é possível esperar do Congresso em relação à agenda ambiental?
José Eustáquio Diniz Alves – Ainda não está claro qual será a agenda ambiental do próximo Congresso, mas pelo perfil dos eleitos e pelo nível do debate durante a campanha eleitoral, não dá para esperar muita coisa boa. A conjuntura não é a melhor nem para os Direitos Humanos e nem para os direitos ambientais ou o direito dos animais.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
José Eustáquio Diniz Alves – O aquecimento global é a principal ameaça ao bem-estar da humanidade. Negar as mudanças climáticas é um risco que não vale a pena correr. O Acordo de Paris é insuficiente para evitar um desastre climático. Mas a solução não é romper com a governança global, e sim aprofundar as medidas para conter a emissão de gases de efeito estufa (GEE).
O mais recente relatório publicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado no dia em que o Brasil foi às urnas no primeiro turno das eleições de 2018, considera que os esforços para limitar o aumento médio da temperatura global a 1,5º Celsius (como estabelece o limite inferior do Acordo de Paris) exigirá “mudanças sem precedentes”. Sem tergiversação, o relatório diz que cada fração de um grau no aumento da temperatura realmente importa e deve ser levado em consideração imediatamente.
Uma temperatura global acima de 1,5ºC, em relação ao período pré-industrial, poderá ter efeitos catastróficos para os ecossistemas, a biodiversidade, a produção de alimentos e para o modo de vida rural e urbano de toda a população mundial. Manter a temperatura global abaixo de 1,5ºC reduziria significativamente o risco de eventos climáticos extremos e severos, particularmente as ondas de calor, diminuiria a escassez de água potável, evitaria a elevação do nível do mar a patamares catastróficos, impediria o naufrágio do delta dos rios, diminuiria o processo de acidificação dos oceanos e o branqueamento dos recifes de corais etc.
Segundo o IPCC, o mundo tem apenas 12 anos para evitar um colapso ecológico, pois para que a meta mais ambiciosa de 1,5°C seja atingida, as emissões de gases de efeito estufa pelas atividades antrópicas teriam que ser reduzidas, em relação aos níveis de 2010, em cerca de 45% até 2030, chegando a zero por volta de 2050. Mas há pesquisadores que consideram que o lapso de tempo necessário para reverter o quadro do aquecimento global é ainda mais estreito. Segundo artigo de Christiana Figueres e outros importantes cientistas, publicado na prestigiosa revista científica Nature, em 2017, o tempo para evitar uma catástrofe climática é mais curto e precisa ser revertido, no máximo, em três anos (portanto, antes de 2022).
Outro importante artigo publicado nos anais do PNAS [Proceedings of the National Academy of Sciences], em 2018, liderado pelo cientista Will Steffen, mostra que o Sistema Terra pode estar se aproximando de um limiar planetário capaz de tornar irreversível o rumo em direção a condições muito mais quentes, chamado “Terra Estufa”.
Se o Brasil aumentar as suas emissões de GEE, a possibilidade do fenômeno “Terra estufa” se torna ainda mais real. O tempo é curto e a responsabilidade é grande. Perder os próximos quatro anos pode significar perder uma oportunidade histórica para tentar salvar o equilíbrio homeostático do clima e garantir um futuro minimamente confiável para o ser humano e os demais seres vivos do Planeta.
Referências:
WWF. Living Planet Report 2018: Aiming higher.
IPCC. Global Warming of 1.5°C.
Christiana Figueres et. al. Three years to safeguard our climate, Nature, 28 June 2017.
Will Steffen. Trajectories of the Earth System in the Anthropocene, Harvard University, Cambridge, MA, July 6, 2018.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Agenda ambiental do próximo governo não é só prejudicial ao país, mas uma ameaça ao planeta. Entrevista especial com José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU