11 Janeiro 2025
Se a encarnação de Deus é realmente “profunda”, então assim também o será a ressurreição, envolvendo todos no horizonte salvífico de Deus.
O comentário é de Stefano Fenaroli, teólogo italiano, publicado em Vino Nuovo, 02-01-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na primeira etapa do que poderia ser um itinerário ideal destinado a descobrir e explorar a teologia da encarnação profunda (ou deep incarnation), tentamos recordar aquelas que, de certa forma, são as pedras angulares dessa sensibilidade teológica atual e (pelo menos na Itália) inédita. Especificamente, destacamos como, partindo de uma interpretação mais ampla do ditado joanino, seja possível repensar a dinâmica da encarnação, ou seja, do tornar-se “carne” do “Verbo” de Deus (cf. Jo 1,14), descobrindo assim uma profundidade aparentemente oculta. Em Jesus de Nazaré, de fato, o Verbo não se “limita” a assumir um corpo humano singular, mas, justamente por meio desse corpo, assume a “matriz criatural” de tudo o que existe, envolve-se naquela densa rede de vínculos (biológicos, históricos, culturais, familiares...) que é própria de toda criatura. O fato, além disso, de esse mesmo Verbo ser aquele no qual tudo foi criado e em que tudo será recapitulado no fim dos tempos, só confirma a profundidade do evento da encarnação, que assim se torna parte de um único projeto salvífico de amor.
Tendo chegado a esse ponto, nesta segunda etapa queremos continuar a nos aprofundar nessa dinâmica, investigando ainda mais como essa profundidade determina e é, por sua vez, determinada pelo evento que mais do que qualquer outro manifesta a identidade filial de Jesus: sua ressurreição, a ser entendida - como veremos - juntamente com a ascensão como um único mistério do retorno do Filho ao Pai.
Juntamente com esse primeiro aspecto, entrará em cena também a reflexão pessoal, existencial do itinerário que estamos empreendendo. Portanto, tentaremos nos perguntar: o que tudo isso significa para minha existência? Que alçada pode ter esse discurso (aparentemente muito “teórico”) para a realização de minha vida de fé, para aquela que, em termos teológicos, chamaríamos de minha “salvação”?
Uma etapa, portanto, exigente e que quer nos tocar de perto, para descortinar novos horizontes e novas perguntas, viver plenamente, em profundidade, o mistério cristão.
Até aqui, nossa reflexão parece ter se concentrado no que poderíamos definir como o aspecto histórico, concreto da encarnação, ou seja, a profundidade inerente à existência humana de Jesus assumida pelo Verbo. Analisando bem, esse é um dado fundamental. Não é coincidência, de fato, que Niels Gregersen (como já visto, teólogo dinamarquês iniciador dessa teologia) tenha cunhado a expressão 'encarnação profunda' justamente ao se questionar sobre o sentido da cruz em um mundo em evolução. Buscando responder ou, talvez melhor, enquadrar a problemática do mal no mundo (não tanto o mal moral, mas aquele aparentemente natural, “dado como certo” e quase necessário para a dinâmica evolutiva do mundo), o teólogo dinamarquês enfatiza como a própria cruz nos permite dizer que Deus, ao se tornar homem em Jesus, assumiu todos os aspectos, até mesmo os mais violentos, os mais trágicos da existência criatural. Jesus suportou e viveu plenamente tanto o mal fruto da liberdade humana quanto o mal ligado à dinâmica evolutiva própria deste mundo, que nele mesmo foi criado, e assim redimiu ambos. Portanto, é necessário partir da existência de Jesus em sua totalidade e dramaticidade para compreender plenamente a alçada da profundidade da encarnação.
Esse primeiro aspecto, entretanto, não esgota o discurso sobre a profundidade do evento-Jesus. O próprio Gregersen, de fato, fala de uma “dupla assunção” (em inglês twofold assumption), dessa vez voltando o olhar para o que vem “depois” da cruz e “depois” da existência concreta de Jesus, ou seja, a ressurreição.
O Ressuscitado, de fato, leva consigo os traços, os sinais da própria história vivida e sofrida até o fim, feridas que não sangram mais, mas que ainda estão presentes para testemunhar a historicidade, a concretude, a profundidade do corpo encarnado. Pois bem, a ressurreição, nesse sentido, é uma “segunda assunção”, na medida em que esse mesmo corpo, uma vez criado e assumido pelo Verbo, é agora novamente assumido em Deus, com toda a sua profundidade. Isso significa que o Ressuscitado, o corpo ressuscitado do Filho, retorna a Deus Pai no Espírito, levando consigo aquela rede de vínculos que, como vimos, o próprio Filho já havia assumido uma primeira vez no exato momento em que se fez “carne”. É essa carne, com toda a sua profundidade, que, com a ressurreição e a ascensão, agora ocupa seu próprio lugar em Deus, especificamente o lugar do Filho.
Vemos, então, como o vínculo entre Deus e o mundo criado alcança assim uma proximidade de certa forma impensável. Passamos da mais simples (quase dada como certa) relação entre um Deus criador e o mundo criado para a assunção da carne do mundo pelo Filho, para chegar agora à culminação e ao cumprimento desse vínculo, em que essa mesma carne é novamente assumida em Deus como carne do Filho diante do Pai, na comunhão do Espírito. O lugar da criação, do outro-de-Deus, em Deus está agora salvaguardado e garantido para sempre.
A esse ponto, é fácil intuir, mas ao mesmo tempo é necessário explicitar, o sentido e a alçada que tudo isso tem para cada um de nós, aliás, para toda a criação. Já enfatizamos como, com a “primeira” assunção, o Verbo se envolveu de tal modo com a mais profunda criaturalidade do mundo a ponto de se colocar em relação com tudo o que existe, justamente porque cada criatura, em si mesma, está por sua vez ligada a tudo o que a circunda. Esse é - diga-se de passagem - o cerne ecológico dessa teologia, a consciência de que cada coisa na criação está conectada com o contexto em que vive e, de fato, com todo o universo que desde sempre existe. Encontramos aqui nem mais nem menos o que o Papa Francisco destacou ao falar de “ecologia integral”. Bem, essa interconexão, própria de cada criatura, também própria de Jesus, foi assumida uma “primeira vez” pelo Verbo e é novamente assumida uma “segunda vez” com a ressurreição. É essa interconexão que ressuscita e retorna a Deus no corpo do Ressuscitado, ocupando (como já dissemos) o lugar do Filho.
Mas o que tudo isso tem a ver conosco?
Em resumo, poderíamos dizer: onde estiver “a carne do Filho”, ali estará também a nossa carne ou, para usar uma expressão do Antigo Testamento, ali estará “toda carne”. Esse é o sentido da ressurreição e a esperança na qual fomos salvos (cf. Rm 8,24). A alegria da Páscoa nasce do fato de que o destino que foi cumprido por Jesus está agora aberto para toda a criação. Nesse sentido, a teóloga estadunidense Elizabeth Johnson, uma das grandes vozes femininas que se debruçaram sobre a encarnação profunda, sugeriu falar de ressurreição profunda (deep resurrection). Nenhuma criatura (humana ou não humana), amada por Deus, será deixada para trás ou rejeitada, mas será transfigurada por um ato de ressurreição pelo Espírito Criador.
Essa é a alçada salvífica e de cumprimento que a teologia da encarnação profunda descortina para nós. Aquela profundidade inicialmente reconhecida ex parte Dei, do lado de Deus (ou melhor, do Verbo de Deus, que assumiu a carne do mundo), com esse aprofundamento na ressurreição podemos reconhecê-la também ex parte hominis, ou melhor, ex parte creaturae, do lado da criatura, na medida em que abre um horizonte de salvação para tudo o que é criado. Um horizonte capaz de acolher e salvar não apenas cada um de nós como indivíduos, mas nós em conexão com todo o mundo criado, como uma única comunidade ecológica. Isso significa que a ressurreição e a salvação não se referem apenas ao nosso corpo mortal, mas a todo o nosso “mundo”, o nosso ser tecido de relações, entrelaçamento de encontros e afetos com pessoas, animais, plantas e criaturas. Tudo isso encontrará lugar em Deus e nele alcançará seu cumprimento, preservado para sempre pelo amor infinito daquele que primeiro, no Filho, quis entrar a fazer parte e se deixar envolver por essa mesma nossa história criatural.