31 Outubro 2024
"Opor-se a um impulso, mesmo que pequeno, para o controle de armas nucleares é uma profunda estupidez".
O artigo é do físico italiano Carlo Rovelli, professor no Centro de Física Teórica da Universidade de Marseille, na França, e diretor do grupo de pesquisa em gravidade quântica do Centro de Física Teórica de Luminy, em artigo publicado por Corriere della Sera, 29-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O risco de uma guerra nuclear é real. Em 15 de outubro, profundamente preocupados com esse risco, um grupo de 20 países, entre os quais a Áustria e a Irlanda, apresentou uma moção à Assembleia Geral das Nações Unidas, solicitando que os Estados renovassem seu compromisso com o desarmamento nuclear e criassem uma Comissão Científica independente para avaliar os riscos reais de uma catástrofe nuclear hoje.
Essa é uma iniciativa limitada, mas concreta, séria e com visão de futuro. Espero sinceramente que a Itália tenha a sabedoria de apoiá-la.
A Comissão deveria ser encarregada de “examinar os efeitos físicos e as consequências sociais de uma guerra nuclear em escala local, regional e planetária, incluindo, entre outros, os efeitos climáticos, ambientais e radiológicos e seus impactos sobre a saúde pública, os sistemas socioeconômicos globais, a agricultura e os ecossistemas, nos dias, semanas e décadas após a guerra nuclear, além de examinar e encomendar estudos pertinentes, incluindo a modelagem, quando apropriado, e publicar um relatório completo, tirar conclusões importantes e identificar as áreas que exigem pesquisas futuras”.
Surpreendentemente, esse seria o primeiro estudo desse tipo realizado pelas Nações Unidas desde aqueles da década de 1980, que foram importantes para chegar aos sábios tratados que levaram à redução das armas nucleares na época. Muitas coisas mudaram nos armamentos nucleares desde então, e o risco poderia até ser mais grave do que se pensa. Quatro considerações são relevantes.
Primeiro, um governo já usou armas nucleares.
Segundo, chegamos perto de uma catástrofe várias vezes nas últimas décadas, até mesmo acidentalmente. No caso mais clamoroso, o lançamento de um submarino que teria desencadeado a guerra nuclear foi aprovado pelo primeiro e segundo oficiais e bloqueado pelas dúvidas e pela oposição do terceiro, que não era militar de carreira. Vivemos à beira do abismo.
Terceiro, os EUA recentemente aumentaram drasticamente seus investimentos em armas nucleares. As superpotências nucleares agora não são mais apenas a Rússia e os Estados Unidos, a China está se somando a elas, desequilibrando a dissuasão em duas frentes que até agora nos manteve perigosamente perto da catástrofe, mas evitou o pior.
Quarto, o recente abandono dos tratados que proíbem armas nucleares de médio alcance torna a dissuasão muito mais frágil, pois aumenta a tentação de uma imprudente e arriscada manobra de antecipação. Uma nova avaliação séria dos riscos, conduzida por uma autoridade acima das partes, como as Nações Unidas, pode trazer uma luz de razoabilidade em um mundo que parece precisar muito disso.
Espero que a Itália possa, assim como a Áustria e a Irlanda, ver o interesse comum da humanidade em uma questão tão vital e apoiar essa moção. Não é impossível que a OTAN exerça pressão sobre seus membros para obstruir a moção. Ceder a essa pressão seria cair na miopia do jogo de poder insano entre as partes, em um mundo cada vez mais dividido e cada vez mais beligerante.
Opor-se a um impulso, mesmo que pequeno, para o controle de armas nucleares é uma profunda estupidez. Espero sinceramente que este governo tenha probidade. O que está em jogo é a própria possibilidade do nosso futuro.
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Risco nuclear e consciência. Artigo de Carlo Rovelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU