31 Outubro 2024
A afirmação violenta da virilidade não poderia ser também uma tentativa de negar esse tipo de possível falta 'natural'? Reconhecê-la, aceitá-la: poderia ser um primeiro passo em direção a uma 'humanidade comum' mais vivível?
O artigo é de Alberto Leiss, jornalista italiano, publicado por Il Manifesto, 29-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
As pesquisas de opinião mostram que há maiorias relativamente amplas nas populações de países como Itália, França e Alemanha que são contra a guerra, que prefeririam a busca negociada da paz ao risco de uma escalada até o uso de armas atômicas. No entanto, essas orientações das opiniões públicas estão tendo dificuldades para se manifestar no debate político e nas iniciativas pela paz: no último sábado, várias dezenas de milhares de pessoas se manifestaram em algumas importantes cidades italianas. Mas ainda estamos muito longe de uma mobilização realmente incisiva.
Nosso olhar talvez devesse se dirigir mais profundamente, além da cadeia de censuras sobre as informações que falam das guerras, para aqueles que se recusam a combater. Na Rússia e também na Ucrânia. Ou nas muitas outras guerras ao redor do mundo. Assim como os motivos que levam todos os outros a aceitar o combate, a vontade de matar e o risco de perder a vida. Veremos que muitos o fazem por motivos nobres, bem como para tentar sobreviver com um pagamento um pouco melhor. Ou para sair de uma prisão. E, além disso, entram em jogo instintos menos “racionais” e mais enraizados nas insondáveis ligações entre corpo e mente. Vou citar novamente as reflexões do psicanalista junguiano James Hillman sobre o “terrível amor pela guerra” (Adelphi, 2005).
No sábado, eu não estava nas manifestações pacifistas, mas debatendo o tema “O homem e a violência” com Edoardo Albinati em Forlì, no último dia do “900fest”, este ano dedicado aos “Feminismos”. Fomos entrevistados pelo jornalista Gian Paolo Castagnoli.
Falei um pouco sobre minha antiga e breve experiência “extremista” depois de 1968, quando vi no comportamento de alguns jovens companheiros aquele “terrível amor pela guerra”, pela violência política. Isso me faz supor uma ligação não secundária entre a diferença sexual masculina e a violência bélica, bem como a violência “doméstica” (e o número de feminicídios e outras violências cotidianas que exercemos sobre o outro sexo não são outra grande guerra global?)
Albinati abordou alguns temas de seu excelente livro - “La scuola cattolica” (Rizzoli, 2017) - que analisou a violência masculina nos estupros do Circeo. Fazendo uma poderosa associação: aqueles crimes em 1975 e o mesmo ano do assassinato de Pier Paolo Pasolini. Uma espécie de anúncio trágico de uma década de intensa violência política, que só diminuiu na década de 1980. E depois retomou uma de suas considerações recentes sobre os estupros de guerra como elemento primário e “quintessência” da violência bélica (um vídeo e um texto dentro do projeto de maschile plurale “Combater a violência de gênero transformando a cultura que a produz”, apoiado com os fundos de 8 por mil do Instituto Budista Italiano Soka Gakkai). Desenvolvendo mais detalhadamente uma ideia do feminismo estadunidense dos anos 1970, de que a violência contra as mulheres seria primária e arcaica, anterior às outras formas de violência.
Não é uma questão para os homens se baterem no peito, expiarem culpas históricas. Mas, sim, refletir sobre isso. Hoje não faltam mulheres que também desejam livremente a guerra (uma flexão problemática da igualdade?). Com mais razão ainda, então, vamos procurar saber se existe em nós um desejo de mudar. Citarei mais uma frase de Albinati: a passagem de Santo Agostinho que aponta a “falibilidade” da sexualidade masculina - o desejo físico não pode ser comandado - desejado pelo Deus que nos criou. A afirmação violenta da virilidade não poderia ser também uma tentativa de negar esse tipo de possível falta “natural”? Reconhecê-la, aceitá-la: poderia ser um primeiro passo em direção a uma “humanidade comum” mais vivível?
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Na raiz da violência bélica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU