29 Agosto 2024
O cientista e ensaísta parece à vontade em qualquer Espaço. Mas nem sempre foi assim: “Sou um pouco desligado em minha vida, passei por longas e pesadas depressões e, quando as coisas davam errado, não sabia onde me agarrar”.
Carlo Rovelli é o homem que você gostaria de ser: perfeitamente à vontade no mundo. Ele ocupa o espaço, e também o Espaço, com total naturalidade. E a camada do Universo que compartilhamos para essa colisão entre as suas e as minhas partículas é o Caffè Dante, na Piazza Dante, no centro de Verona.
Rovelli tem um belo sorriso e olhos frescos. Ele ainda parece um adolescente, e não estou dizendo isso com simples retórica. O milhão de turistas por metro quadrado que invade a praça desaparece e caímos em um vórtice que sempre nos leva para lá, para aquele mesmo lugar, mas há algumas temporalidades atrás. O ensino médio, conversando nos degraus ao nosso lado, as maravilhosas fusões dentro dos pórticos. Não é passado o que falamos, mas presente, inclusive os verbos.
A entrevista é de Carlo Antonelli, publicada por La Repubblica, 07-08-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O que a Pizza Dante lhe trás na lembrança?
Nós sempre nos sentamos ali, com os outros, nos degraus. É o início da década de 1960. Muitas vezes há duas garotas com violões tocando de tudo. Ficamos com os amigos, olhamos as garotas que passam e que talvez sejam do norte da Europa, aquelas primeiras garotas de cabelos compridos. A primeira vez que fumei maconha foi aqui. Havia uns caras, eles estavam enrolando um baseado, eu me aproximei e disse ‘também quero, obrigado’. A gente se relaxa, se solta. Meu primeiro grande amor aparece quando esse café está fechado, todas as cadeiras estão empilhadas lá, ela sentada em cima das cadeiras, à noite. Eu chego, a vejo e começo a cortejá-la. Os grandes amores são apenas à primeira vista, é claro, caso contrário, não são. Eu a amei, foi longo e complicado. Esta é uma praça que também está ligada a beijos belíssimos aqueles que costumávamos trocar no claustro da catedral.
Então você não fazia nada o dia todo?
Eh, não. Naqueles anos, eu estava me debruçado para a vida e para inúmeros livros, e depois fui entrando naquela contracultura underground que está crescendo no mundo inteiro. Verona é um lugar tradicional, conservador. Moro em casa com meus pais, mas quero ir embora. Meu pai é engenheiro. Depois, abriu uma empresa com um amigo. A Itália está em rápida expansão econômica, por isso está indo muito bem.
Ele constrói armazéns pré-fabricados. Sou filho único, homem, e parece natural que eu continue o trabalho de meu pai. Penso nisso por um momento e percebo que isso não me faria feliz. Talvez ele fique magoado, mas entende. Ele vê como eu sou, talvez também perceba que eu só teria causado danos.
(Passamos para um tempo semelhante, mas em um espaço diferente: Califórnia. Um livro famoso de David Kaiser, Como os hippies salvaram a física, relata o estranho entrelaçamento desses dois mundos. Ao evocá-lo, começamos a sentir boas vibrações.)
Ah... salvaram... Depende de como você interpreta a frase: se você a interpreta em um sentido excessivamente bombástico, a resposta é não. Mas não há dúvida de que em um âmbito específico - o da mecânica quântica e das questões fundamentais sobre o que nos diz sobre o mundo - a cultura hippie, especialmente a californiana do fim dos anos 1960 e 1970, teve um impacto que eu diria significativo. Algumas pessoas eram fascinadas por tudo que era estranho, até mesmo pelas teorias quânticas. A experiência psicodélica fazia a realidade entrar e explodir. O título de um de meus livros é A realidade não é como nos parece. E, obviamente, a experiência lisérgica, ou algo sobre ela, interessa porque também contém o desejo de mudar tudo, não é? Como a ciência. Isso fez com que várias pessoas se reunissem em determinados lugares da Califórnia, pessoas extremamente competentes: daí surgiram ideias concretas que levaram, anos mais tarde, a prêmios Nobel, mesmo os mais recentes. Em suma, parte da história da ciência - a história das perguntas básicas - também passa por lá.
(Planamos de volta aqui, para o Café Dante).
Quando olho para esta praça... para mim, essa é uma forma de estar no mundo. Acho que cada um de nós não é apenas... não é apenas uma individualidade com seus próprios projetos, suas próprias ideias, o que está fazendo. Cada um é um cruzamento do que acontece ao nosso redor. Nossas ideias são 99% ideias que ouvimos e transmitimos, elaboramos. O que fazemos só existe porque o fazemos em uma rede de discursos, de palavras, de ações junto com outras pessoas. Cada um de nós é... como dizer, um nó em uma rede de trocas que são físicas, químicas, psicológicas, sociais, econômicas e trocas de amor. Somos parte de um todo e quanto mais nos vemos dessa forma, mais razoáveis somos, mais entendemos e talvez até nos sentimos melhor, eu acho.
Você não fica apavorado com toda essa inteligência ao seu redor?
Isso me faz sentir burro. Estou sempre com pessoas mais brilhantes do que eu. Paciência. Grande parte da minha vida é estudar, tentar resolver problemas sem conseguir - e isso faz a pessoa se sentir burra - escrever, ler ou sair por aí conversando com as pessoas. Ao fazer isso, muitas vezes tenho um objetivo, vários objetivos, mas me perco, sempre me perco na realidade. Começo a fazer uma coisa e depois faço outra.
Quantos anos você tem?
Um monte.
Vamos lá, quantos?
68.
(Ou 68 mil, ou 70 bilhões de anos. Ambos desaparecemos em um segundo. A praça fica. Depois também se vaporiza. Caímos em um buraco negro. Ou não. Caímos em um buraco branco, o título do livro mais belo de Rovelli).
Há uma parte daquele livro que escrevi bem aqui, sentado em frente à estátua de Dante. Eu me coloquei ali mesmo lugar onde, acho que há sete séculos, nesta mesma praça, Dante escreveu uma parte do Paraíso.
Você também aplica a habilidade ou até mesmo o intenso exercício de andar por aí à sua maneira de escrever?
Muitas vezes começo e não sei onde vou parar. Escrevo isso nas primeiras páginas de Buracos Brancos, por exemplo. Acho que a física teórica é um pouco assim. Vou dar um exemplo: para fazer ciência, neste caso, física teórica, temos que escrever programas de pesquisa de tempos em tempos. A pessoa escreve programas, mas depois não os segue: faz outra coisa, muda tudo. Porque primeiro você nunca sabe o que conseguirá fazer. Ou chega um estudante que quer trabalhar, decidimos juntos o que ele fará na tese, mas depois nunca se faz o que se decidiu fazer. Porque a pesquisa é assim: se fosse fácil fazer o que anunciamos, já o teríamos feito antes. Aprender algo muitas vezes significa justamente mudar de ideia, perceber que tínhamos a ideia errada na cabeça. Então, se faz outra coisa, por assim dizer, se vai para frente e para trás.
Mas o mundo sempre lhe pareceu essa espécie de bolo de creme no qual mergulhar? Quero dizer, essa forma de otimismo confiante que você tem, o que é?
Veja, tive longas depressões em minha vida. Muito pesadas. Momentos em que eu estava completamente no chão. Muito duros.
O que você quer dizer com duros?
Eu pensei em me suicidar. Sério. O que eu faço agora, eu pensava. Eu me mato, não quero mais viver. Não conseguia mais fazer nada, não conseguia trabalhar, não conseguia tomar decisões, nada. Acredito que esse sobe e desce tem a ver com o fato de que sempre fui um pouco desligado na minha vida. Há pessoas que têm pontos de referência definidos, são religiosas, ou têm filhos, ou têm um objetivo preciso no trabalho, ou têm... sei lá, algo sólido, estruturado. Quando há um problema, elas voltam para lá. Sabem onde... no que se agarrar. Eu sempre me senti um pouco solto, livre, sem amarras muito sólidas. Sempre senti que os valores nascem dentro de mim, não ancorados em algo externo. Mas isso faz com que, quando as coisas dão errado, e na vida de todo mundo às vezes dão errado, não sei onde me agarrar. E então me desespero. Mas quando as coisas vão bem, fico muito feliz porque me basta o mundo que existe ao meu redor, de alguma forma, e me solto, tudo está aberto.
Você tem medo da velhice?
Sim. Mas não tenho medo da morte. Nunca tive. Muitas vezes penso que vou morrer. É um pensamento recorrente. Sou sereno com relação a isso. Eu ficaria aterrorizado com a ideia de viver a eternidade. Uma das vantagens de ter pensado em suicídio algumas vezes é a incrível tranquilidade que isso proporciona. Mas tenho medo de envelhecer. De ficar sozinho, sem amor.
(Ainda haverá muito amor para você, Rovelli. Confie nisso).
Carlo Rovelli, nascido em Verona em 1956, é professor de física teórica na Universidade de Aix-Marseille. Seus estudos se concentram principalmente na gravidade quântica. Além da pesquisa, também trabalha na divulgação. Seus livros mais conhecidos são: Sete breves lições de física (2014), A ordem do tempo (2017), Heligoland (2020) e Buchi bianchi (2023).
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“Não tenho medo da morte. Tenho medo de envelhecer. De ficar sozinho, sem amor”. Entrevista com Carlo Rovelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU