02 Mai 2024
Greenpeace, a rede internacional com três milhões de apoiadores e escritórios em 55 países, e Sbilanciamoci!, campanha que reúne 50 associações, ambas empenhadas com o meio ambiente, solidariedade e paz, publicaram um livro dedicado à economia das armas, que apresenta a tradução italiana do relatório do Greenpeace “Arming Europe” sobre os efeitos dos gastos militares na Itália e na Europa, e contribuições de numerosos especialistas no tema. O e-book pode ser baixado gratuitamente a partir de 2 de maio de 2024 no site Sbilanciamoci.info. Publicamos abaixo o prefácio do livro de Carlo Rovelli.
O artigo é do físico italiano Carlo Rovelli, professor no Centro de Física Teórica da Universidade de Marseille, na França, e diretor do grupo de pesquisa em gravidade quântica do Centro de Física Teórica de Luminy, publicado por Corriere della Sera, 01-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Acredito que nos encontramos numa ladeira muito perigosa. O "Relógio do Apocalipse", a avaliação periódica do risco de catástrofe planetária iniciada em 1947 pelos cientistas do Boletim do Cientistas Atômicos, nunca indicou um nível de risco tão alto como agora. As tensões internacionais cresceram bruscamente. Muitos governos multiplicam freneticamente os gastos militares. Fala-se abertamente de uma possível guerra atômica. Fala-se abertamente de uma possível guerra entre OTAN e Rússia na Europa. Houve um tempo em que os líderes mundiais, de Clinton a Gorbachev, de Mandela aos políticos que pararam a guerra civil na Irlanda, pensavam em termos de “resolver os problemas sem derramar sangue."
Hoje os políticos falam em termos de “vencer e derrubar o inimigo, não importa se custa derramar sangue." Essas são as palavras que são proferidas cada vez mais frequentemente em Washington e em Tel Aviv, em Moscou e em Berlim. Um exasperado nacionalismo se espalha em vários países do mundo, da Índia aos Estados Unidos, e cresce um pouco em todos os lugares. A demonização mútua aumentou vertiginosamente: nas narrativas de muitos países, “os outros líderes" são retratados como criminosos loucos e perigosos, em perfeita simetria. A catástrofe climática já está em curso, as contramedidas que estávamos iniciando a tomar já foram postas de lado, colocadas em segundo plano pela urgência de brigar. O mundo desliza inexoravelmente em direção a outra de suas catástrofes periódicas: quando os seres humanos se massacram uns aos outros, cheios de ardor, convencidos por todo lado de estar com a razão, do lado do verdadeiro Deus, da Santa Pátria, da Democracia, todos convencidos de que os agressores, os bandidos, são os outros.
A fonte da instabilidade recente é clara. O pequeno grupo de nações formado pelos Estados Unidos, Canadá, Europa, Austrália e Japão, uma pequena minoria da humanidade, dispunha até ontem de uma gigantesca supremacia econômica herdada do colonialismo, que desde o fim da Guerra Fria permitiu o controle político do planeta. A propagação da prosperidade no mundo está modificando radicalmente esse desequilíbrio, deixando a esse pequeno grupo agora praticamente apenas a supremacia militar. O mundo está tentando adaptar-se à nova geografia econômica. A questão que decidirá a história deste século é se terá condições de fazê-lo de maneira pacífica ou violenta.
Sobrepõe-se a esse cenário de pesadelo a imensa pressão torpe exercida pelos fabricantes de armas de todo o mundo. As enormes receitas da indústria militar geram um poder que impulsiona para o aumento dos armamentos e o seu uso, pela única razão de que alguém lucra com isso. É famosa a denúncia dessa situação pelo próprio presidente estadunidense Eisenhower, que conhecia bem o sistema por dentro. Na Itália, um personagem que desempenhou um papel central para a poderosa indústria militar italiana e é agora ministro da Defesa. O site do Ministério da Defesa mencionou entre as suas prioridades o aumento, com fins lucrativos, da venda de armas italianas. As decisões estratégicas do país podem ser influenciadas pelos fabricantes de armas. A vida e a morte das pessoas, a guerra e a paz, dependem dos interesses econômicos deste ou daquele.
O que o planeta precisa hoje é de cabeças frias, capazes de pensar globalmente, de pensar no interesse comum, nos perigos comuns, de acalmar o jogo que está se tornando cada vez mais perigoso para todos. São necessários líderes que pensam, capazes de procurar soluções pacíficas para os inevitáveis conflitos. A maior responsabilidade recai sobre os ombros do Ocidente, porque é o Ocidente que ainda detém, por enquanto, o poder dominante, e porque é o Ocidente quem deve decidir se aceita serenamente a renegociação do equilíbrio do poder global tornada inevitável pela difusão da prosperidade no mundo, ou permanece entrincheirado a todo custo na sua atual posição de domínio. Deve decidir se aceita um planeta mais democrático em nível global ou continua a sentir-se no direito de arrogar para si uma liderança mundial que encontra cada vez menos consenso.
A Europa, atualmente desorientada, poderia desempenhar um papel em acalmar as águas. A Itália está na primeira linha. Enquanto outros países europeus, como Áustria, a Irlanda e Espanha, procuram posições neutralidade ou equilíbrio, pedem calma, a Itália está totalmente alinhada com os mais belicosos. Não usa o seu peso, mais considerável do que muitas vezes supomos, para apoiar quem pede calma.
Em vez disso, insufla as chamas. É um dos principais exportadores de armas do mundo. Assumiu o comando de operações militares contra o Iêmen não autorizadas pelas Nações Unidas, em violação do direito internacional. É cúmplice de violações da legalidade internacional em muitas guerras recentes, não autorizadas pelas Nações Unidas, do qual participou. Mas acima de tudo, está na linha de frente da frenética corrida armamentista que está nos empurrando para o abismo.
A Itália tem no seu DNA cultural e político uma aversão profunda à guerra, reforçada no século passado pela clara consciência do desastre gerado pela exaltação da guerra e da glorificação das armas que caracterizaram os vinte anos de Mussolini.
Existe uma Itália vasta, que atravessa todas as posições políticas, que deseja um mundo mais pacífico, mas que neste momento não encontra referências políticas, a não ser nas palavras do Papa, que hoje clama no deserto como uma sábia e Cassandra não ouvida. Existe uma Itália consciente de que não quer essa corrida armamentista que está nos levando à catástrofe. Este livro é um instrumento para essa Itália. Dados, reflexões, ideias, para tentar deter a corrida em curso em direção à enésima loucura da humanidade.
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Gastos militares e indústria dos armamentos na Europa e na Itália. Artigo de Carlo Rovelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU