20 Novembro 2017
O caso recente de um padre italiano convidado a deixar a sua paróquia em decorrência de comentários francos contra o Papa Francisco e suas práticas não convencionais chama a atenção para a atual polarização entre alguns grupos de dentro da Igreja bem como para o poder das mídias sociais de amplificar e fomentar tal polarização.
A reportagem é de Claire Giangravè, publicada por Crux, 17-11-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Divisões não são novidade no Vaticano, mas a reforma e a abertura do Papa Francisco em mudar têm gerado uma forte reação negativa. O seu documento sobre a família, Amoris Laetitia, que cautelosamente abre a possibilidade de os fiéis divorciados e recasados comungarem, foi recebido com críticas. No começo de novembro, um assessor teológico da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA, Thomas Weinandy, publicou uma carta em que acusava o papa de causar uma “confusão crônica” na Igreja.
A mais recente demonstração pública de dissenção vem do próprio quintal do papa, mais precisamente da cidade de Palermo, ao sul da Itália, onde o Pe. Alessandro Minutella publicou um vídeo nas mídias sociais em que se recusa a jurar lealdade ao papa conforme solicitado pelo seu bispo.
Minutella já tinha entrado em apuros na Arquidiocese de Monreale – cidade a poucos quilômetros de distância de Palermo, na Sicília. Em 2015, o arcebispo de Monreale, Dom Michele Pennisi, disciplinou-o por causa dos seus comentários contra o papa, e por haver alegado falar em nome da Virgem Maria.
As práticas estranhas do padre e o fato de se apresentar como um profeta levaram a arquidiocese a condenar as suas funções como “contrárias à vontade da Igreja” e destinadas a “manipular as consciências”.
Minutella chegou até mesmo a criar uma ordem de freiras sem autorização, e alegou que ele e seus seguidores cavaram um poço de água milagrosa. Na época, Pennisi advertiu os fiéis de que todo aquele que “apoiar as suas atividades e colaborar com ele [Minutella] “corre um risco grave quanto à segurança de sua alma”.
Em sua nova paróquia em San Giovanni Bosco, em Palermo, o padre continuou a falar o que pensa e alegou se comunicar com São José, Maria e o arcanjo Miguel, atraindo grandes multidões para as suas missas, onde declarava a intenção de defender a Igreja de heresias.
Em seus perfis nas mídias sociais, Minutella disse que o seu objetivo era se pôr contra a “impostura da falsa Igreja” do Papa Francisco.
Este momento foi a gota d’água para que o arcebispo de Palermo, Dom Corrado Lorefice, em carta datada de 1º de abril, pedisse a Minutella para se retirar da função de pároco e não mais postar nas mídias sociais ou falar aos jornalistas.
“As suas declarações recentes nas redes sociais, que alcançaram além dos confins da nossa diocese, provocaram uma quantidade substancial de confusão e escândalo no santo povo de Deus”, escreveu o arcebispo. “É de domínio público que tanto com suas palavras como com seus atos o senhor, até este momento, não hesitou em assumir uma postura de forte dissenção e clara oposição para com a hierarquia católica com o seu chefe, o atual pontífice romano bem como para com o seu bispo ”.
Minutella reagiu com indignação, prometendo a seu rebanho a intenção de não deixar a paróquia e convidando os fiéis a orar pelo Papa Emérito Bento XVI. Ele até mesmo chamou os fiéis a se encontrarem em Verona, no dia 22 de abril, para “resistir” ao atual pontificado e a defender a “verdadeira Igreja”.
Apesar da interdição feita pelo arcebispo, o padre recorreu às redes sociais a fim de manifestar a sua dissenção com a decisão. Em uma “missa show” postada ao vivo no Facebook, o religioso criticou o bispo e a Igreja. “Vamos ir aos porões e às catacumbas”, disse no púlpito. “Sou o primeiro padre condenado, mas também o primeiro a desejar reagir. Não temo as manobras deles, e acho que elas não são suficientes”.
Muitos demonstraram solidariedade para com Minutella, inclusive o conselho paroquial, que organizou uma vigília orante para ele. Jornais locais documentaram a reação nos bancos das igrejas, com alguns descrevendo as suas palavras como “um pouco limitadas, um pouco excessivas”, enquanto outros elogiaram os comentários feitos pelo padre e expressaram a preocupação crescente com uma Igreja que, acreditam, está “se aproximando do luteranismo, talvez um pouco perto demais”.
Um repórter local conseguiu parar o padre e entrevistá-lo assim que deixava uma missa. “Quem sou eu para ameaçar com um cisma? Percebo que existe um cisma possível já acontecendo dentro da Igreja”, respondeu Minutella. “Acho que chegou a hora de esclarecermos e reafirmar os valores tradicionais. Vemos uma deriva em direção ao luteranismo”.
Meses de silêncio se seguiram à missa das mídias sociais que abalou Palermo. No dia 21 de setembro, Minutella, tendo peticionado à Congregação para o Clero, no Vaticano, enviou uma carta ao arcebispo, mais uma vez expressando o seu ponto de vista e as razões que motivavam o seu protesto. Na missiva, o padre professava obediência ao pontífice romano, embora sem especificar o nome do papa.
Lorefice respondeu-lhe que sua petição havia sido adiada e que o religioso precisava fazer uma declaração pública de lealdade a Francisco nas mídias sociais. Em resposta, Minutella publicou um vídeo de 20 minutos na página da Radio Domina Nostra, no Facebook, no dia 10 de novembro, onde se recusou a jurar lealdade ao papa, classificando a solicitação como uma “chantagem” e pedindo que Francisco explique o seu pensamento sobre a Comunhão aos divorciados e recasados.
No vídeo, o padre também diz que não está mais em comunhão eclesial com a Igreja.
“A estranha hierarquia da assim-chamada Igreja da Misericórdia ataca aqueles que não se conformam, põe na guilhotina os que não concordam com suas crenças”, disse o padre.
Um dia depois do discurso de Minutella gravado em vídeo, Francisco falou a respeito de Amoris Laetitia em um vídeo endereçado a um congresso organizado pelos bispos italianos sobre o tema.
“O mundo contemporâneo corre o risco de confundir a primazia da consciência, que se deve respeitar sempre, com a autonomia exclusiva do indivíduo no que se refere às relações que vive”, advertiu o papa em 11 de novembro. “Esta perspectiva não é inócua: ela plasma um sujeito que se contempla continuamente ao espelho, a ponto de se tornar incapaz de dirigir o olhar para os outros e para o mundo […] Por outro lado, sabemos bem que ‘somos chamados a formar as consciências, não a pretender substituí-las’”, concluiu.
Além de trazer a atenção para as atuais tensões e divisões dentro da Igreja Católica, os eventos em torno de Minutella também salientam o poder que as mídias sociais têm para amplificar e mesmo promover a divisão.
“Como qualquer outro meio de comunicação, [as mídias sociais] são uma ferramenta que podem ser usadas para aproximar as pessoas ou podem ser usadas, infelizmente, para aquilo que chamo de meios destrutivos”, disse em entrevista ao Crux Helen Osman, presidenta da Associação Católica Mundial para a Comunicação – SIGNIS.
“Um dos melhores atributos das mídias sociais é a sua capacidade de permitir que as pessoas dialoguem”, disse ela, apontando para o fato de que a internet pode ser uma ferramenta poderosa para a evangelização e a catequese. “Usá-la como um megafone para quaisquer propósitos não é usá-la de acordo com a sua natureza natural, orgânica”.
Em relação às suas experiências com padres que têm usado as mídias sociais para se envolver e participar com os membros das paróquias e comunidades, Osman falou existirem possibilidades deste meio que vão além do desejo de expressar a opinião pessoal do indivíduo.
“Não tenho certeza de que os padres deveriam necessariamente estar usando as mídias sociais para promover uma agenda particular deles”, disse. “Talvez eles devam usá-las para ouvir os paroquianos e as pessoas que se encontram imediatamente sob os seus cuidados pastorais”.
Osman igualmente enfatizou a necessidade atual de formar e educar para as mídias sociais, uma formação não apenas para o clero, mas também para os leigos e, especialmente, os pais.
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Ataque de padre italiano contra Francisco atrai atenção para uso das mídias sociais pelo clero - Instituto Humanitas Unisinos - IHU