21 Julho 2017
Os meios de comunicação não entendem o Papa Francisco.
Não são somente o New York Times e outros meios de comunicação convencionais que se alegram em reportar as manifestações de improviso do papa sem a necessária contextualização, como se as críticas ao capitalismo e a sua preocupação com o meio ambiente fossem polêmicas e não estivessem em pleno acordo com o magistério social da Igreja e 100% em harmonia com os pensamentos de seu antecessor imediato, ao mesmo tempo ignorando Francisco quando este diz que atitudes progressistas em questões de gênero são mais perigosas do que armas nucleares. E não digo só dos jornalistas que ficam irritados consigo próprios por não saberem que Brookings é uma “Instituição” e não um “Instituto” e que acabam escrevendo artigos sobre a impossibilidade de usar material sem glúten para a consagração sobre o altar, ensinamento que tem mais de 2 mil anos de idade, fazendo disso a manchete principal da semana. A Igreja tem uma história e ensinamentos claramente definidos com os quais deveríamos estar minimamente familiarizados se quisermos nos pronunciar a respeito dela.
A reportagem é de Matthew Walther, publicada por The Week, 20-07-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Muito menos desculpável é o padrão absurdo de meios de comunicação ostensivamente católicos que cobrem o Vaticano. Na semana passada, OnePeterFive, organização de notícias online dedicada a “Reconstruir a Cultura Católica, Restaurar a Tradição Católica”, escreveu que o Papa Francisco não quis renovar a nomeação do Cardeal Gerhard Ludwig Müller como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé porque Müller teria negado dizer que era a favor da “ordenação” de mulheres ao sacerdócio sacrificial, algo que sempre foi reconhecido pela Igreja como impossível, da mesma forma como é desenhar um triângulo de quatro lados. A fonte do artigo – pasmem – era uma “fonte anônima alemã de confiança”, que alegava ter conversado com alguém, o qual afirmava ter testemunhado um almoço em que Müller contou essa história.
Um dia depois de publicado o texto foi atualizado com uma nota, que dizia que tanto a Sala de Imprensa da Santa Sé quanto o secretário pessoal de Müller consideravam tal publicação absolutamente falsa. Um jornalista americano comum, informando sobre os acontecimentos na Casa Branca, seria culpado por abandono do dever, como também os seus editores, se algo assim aparecesse publicado em um jornal, especialmente sem tentar, até onde possível, obter um comentário das partes envolvidas e sem uma verificação independente. Mas também uma situação desta espécie não é apenas uma questão de ética jornalística. Um católico caluniar o homem que, cremos, é o vigário de Cristo na terra – acusando-o, inequivocamente, não só de mesquinhez como também do grave pecado da heresia – com base em indícios tão frágeis é simplesmente indesculpável.
A Igreja Católica não é uma mera instituição ou organização como a Fundação Heritage ou a Associação dos Governadores Republicanos. O seu líder não é como o presidente dos Estados Unidos. O papa é diferente. Por definição de ofício, ao se pronunciar a partir da Cátedra de São Pedro ele não pode dizer falsidades sobre a fé ou a moralidade. Isso não acontece porque o papa é cuidadosamente selecionado pelos cardeais que votam em conclaves papais, mas sim porque é impossível. Se um papa tentasse ensinar heresia – se as palavras “Jesus foi, na verdade, um mito” ou “A Eucaristia é somente um símbolo” fossem se formar em seus lábios –, o Espírito Santo iria literalmente impedi-lo de acontecer. Parece um pouco exagerado, eu sei, mas é isto o que nós católicos acreditamos. Tratar o papado como se fosse uma mera nomeação política não é apenas um erro; é contestar aquilo que cada católico deve afirmar. Não precisamos gostar de Francisco como pessoa, mas devemos nos submeter à sua autoridade e prestar-lhe a deferência que lhe é devida como papa.
É difícil dizer por que coisas como a publicação de OnePeterFive acontecem com tanta frequência. Parte disso é que a figura do Papa Francisco não é muito bem compreendida, seja por seus admiradores, dentro das fileiras católicas ou alhures, seja por seus pretendentes a opositores. Por vezes, Francisco é considerado um líder progressista por analistas seculares bem como por católicos tradicionalistas, opinião que não se sustenta após uma análise mais aprofundada.
Na realidade, ele é um pastor prático, realista, um alguém avesso à pretensão e à conversa inútil. Onde Bento XVI era um intelectual emérito mais à vontade em debater assuntos de teologia dogmática com ex-alunos e com São João Paulo II, um homem gregário de mentalidade pública que florescia no centro das atenções, Francisco é uma espécie de avô irritadiço, austero porém afetuoso e dado a pronunciamentos ultrajantes e, muitas vezes, hilários – tudo dentro dos limites da ortodoxia católica.
Uma oposição equivocada levou alguns dos amigos mais próximos do papa a lançar contra-ataques igualmente equivocados. O melhor exemplo aqui é o recente ensaio do padre jesuíta Antonio Spadaro [e de Marcelo Figueroa, teólogo presbiteriano] sobre uma suposta aliança entre os chamados “integralistas” católicos – os que acreditam que a autoridade secular tem um dever para com a Igreja – e os conservadores evangélicos americanos, texto que parece uma caricatura decentemente executada de OnePeterFive e do sítio eletrônico católico tradicionalista popular Rorate Caeli.
Estas duas mídias alegam dedicarem-se à salvaguarda das tradições da Igreja, não só de sua liturgia sagrada como também dos seus ensinamentos sobre a fé e a moral. No entanto, ambos sentem-se confortáveis em ignorar um ensinamento católico já antigo em favor de apoiar, cegamente, o presidente Trump e a agenda republicana, mesmo quando estão em pleno desacordo com o magistério eclesiástico em temas como salário justo e os nossos deveres para com os pobres. Enquanto isso, muitos integralistas católicos que conheço apoiaram o senador Bernie Sanders para presidente.
É lamentável que Spadaro não esteja aparentemente familiarizado com integralistas católicos atuais, tais como os editores da revista online The Josias ou Pater Edmund Waldstein, monge cisterciense igualmente ousado em sua oposição ao capitalismo e em seu apoio à monarquia, quem elogiou a encíclica social de Francisco “Laudato Si’” como uma repreensão “magnífica e maravilhosa” do mundo moderno e seus males. A Igreja não é “progressista” ou “conservadora” nos sentidos jornalísticos imediatos destas palavras; ser fiel aos seus ensinamentos no mundo de hoje não é uma tarefa simples. Aqui, não há dois times apenas – ou, melhor, há sim, mas eles são as equipes de Deus e do Diabo, e a maioria de nós já jogou, num momento ou noutro, em ambos os lados.
A solução para isso tudo é bastante simples. Os católicos devem tratar uns aos outros – incluído o papa – com caridade. Devem se afastar das fofocas, juízos precipitados, calúnia, maldição e outros pecados contra o Oitavo Mandamento. Eles devem orar pelo papa, pelos bispos, por todo o clero e uns pelos outros. Devem rezar o terço e receber os sacramentos da Confissão e Sagrada Comunhão.
Em outras palavras, apenas deveriam ser católicos.
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O problema da mídia com o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU