02 Outubro 2021
“Como país, estamos em um momento importante demais para descuidar do uso da linguagem na nova constituição, que embora se viu fortalecida democraticamente, tanto pela escolha paritária de constituintes como pelas cadeiras reservadas aos povos indígenas, é possível e desejável ir muito além”, escreve Andrés Kogan Valderrama, sociólogo, avaliando o processo constituinte no Chile, em artigo publicado por OPLAS, 30-09-2021. A tradução é do Cepat.
A Convenção Constitucional no Chile segue avançando rapidamente, tanto pela aprovação de seu Regulamento interno de funcionamento, como pela votação sobre as comissões temáticas, fazendo com que a discussão que ocorrerá sobre os conteúdos da nova constituição se torne cada vez mais próxima.
Não obstante, para além desse debate de fundo, que ocorrerá nas comissões formadas, como são as do Sistema Político, Princípios Constitucionais, Forma de Estado, Direitos Fundamentais, Meio Ambiente, Sistema de Justiça e Sistema de Conhecimentos [1], o debate sobre como serão escritos aqueles novos artigos é crucial.
Proponho, uma vez que o tipo de linguagem que será utilizada para redigir a nova constituição deve partir de uma visão inclusiva e transformadora, que visibilize setores que historicamente foram negados por um constitucionalismo moderno, que se sustentou por sistemas patriarcais, eurocêntricos, capitalistas, racionalistas e antropocêntricos, que utilizaram a violência física e simbólica para impor uma ordem específica.
Daí as constituições escritas de forma antidemocrática no Chile, como são os casos das de 1833, 1925 e 1980, terem sido redigidas de modo racista, classista e sexista, por um tipo de indivíduo (homem, branco, cordato, heterossexual e de classe alta). Não é por acaso, portanto, que todas essas constituições não tenham citado as mulheres, LGBTQ+, loucos, povos indígenas, afros, ecossistemas e outros animais.
Diante disso, utilizar uma linguagem na nova constituição que mencione explicitamente, ao longo de todo o texto, expressões e noções como Mãe Terra, Ñuque Mapu, Sumak Kawsay, Pachamama, Küme Mognen, Todes, Nós, Neurodivergentes, Dissidências Sexuais, entre muitas outras, será um grande passo para democratizar a forma como nos designamos nessa nova carta fundamental.
Alguém poderá dizer, sobretudo a partir dos setores mais conservadores e negacionistas no Chile, que a linguagem é neutra politicamente e que efetivar algo assim seria ir contra a RAE (Real Academia Espanhola) e contra as próprias bases da República do Chile, quando justamente é disso que se trata. Ou seja, despatriarcalizar, descolonizar e desantropocentralizar a linguagem, que evidentemente foi excludente com amplos setores existentes no país, tanto humanos como não humanos.
Consequentemente, trata-se de utilizar a linguagem politicamente na nova constituição, para incorporar uma ampla diversidade de seres e pessoas, independentemente do que dizem ou não advogados constitucionalistas positivistas, que pouco ou nada se importaram com as bandeiras de movimentos sociais, como são os feministas, animalistas, socioambientais, indígenas, afros, migrantes, loucos, ao acreditar que as palavras são uma mera representação da realidade.
Ao contrário, como bem demonstrou a sociolinguística, a linguagem cria realidades, já que são construções culturais, históricas e dinâmicas, que buscam gerar sentido de pertença e comunidade, razão pela qual é fundamental impulsionar uma linguagem inclusiva e transformadora para dar visibilidade, na nova constituição, àqueles que ficaram fora por séculos.
Sendo assim, torna-se importante a recente aprovação de um artigo no regulamento sobre mecanismos de transversalização por parte dos constituintes, onde as abordagens de direitos humanos, gênero, inclusão, plurinacionalidade, socioambiental e descentralização estarão presentes na nova carta magna, para assim evitar que predominem tecnicismos jurídicos e economicistas que beneficiam apenas as elites imperantes.
Em definitivo, como país, estamos em um momento importante demais para descuidar do uso da linguagem na nova constituição, que embora se viu fortalecida democraticamente, tanto pela escolha paritária de constituintes como pelas cadeiras reservadas aos povos indígenas, é possível e desejável ir muito além.
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Chile. Por uma constituição com linguagem feminista, plurinacional e ecoterritorial - Instituto Humanitas Unisinos - IHU