Chile. Uma convenção constitucional pela dignidade

Manifestações no Chile (Fonte: Flickr)

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

19 Mai 2021

 

“Chegou o momento de a política ser vista como digna, que afeta e envolve todas e todos, como conjunto, e não como uma esfera reduzida, elitizada e privatizada, onde alguns especialistas ou iluminados decidem sobre como temos que viver e quais são as opções existentes”, escreve Andrés Kogan Valderrama, sociólogo, em artigo publicado por OPLAS, 18-05-2021. A tradução é do Cepat.

 

Eis o artigo.

 

Após a eleição paritária de candidatos constituintes no Chile, ocorrida durante os dias 15 e 16 de maio, os resultados são realmente esperançosos para a construção de um país diferente e que responda às principais demandas que foram impulsionadas, por diversos setores críticos, contra a democracia de mercado imposta nos últimos 30 anos.

Embora a votação total não tenha sido a desejada, apenas 43,35%, abaixo do que se votou no plebiscito nacional de 2020 por uma nova constituição, com 50,95% (ambas com voto voluntário e na pandemia), o papel desempenhado pelos movimentos sociais por meio de muitas candidaturas independentes, nesta eleição, é algo muito inédito na história do país.

O caso do amplo apoio à Lista do Povo, por exemplo, que reúne diferentes pessoas pertencentes a diversos movimentos sociais, pode ser visto como uma ruptura ao modo como o poder foi distribuído no Chile, nos últimos 30 anos, com políticas de costas para os cidadãos.

Isso somado a muitas candidaturas críticas eleitas, provenientes de organizações de base, que travaram uma luta a partir do movimento socioambiental, feminista e estudantil, com destaque para a crítica à mercantilização da vida e a geração de alternativas situadas territorialmente.

Destacam-se os nomes de Camila Zárate, do Movimento pela Água e os Territórios (MAT), Alvin Saldañas, da Rede pela Soberania Alimentar, Alondra Carrillo, Janis Meneses e Elisa Giustinianovich, da Coordenação Feminista 8M, Ivanna Olivares, Carolina Vilches, Manuela Royo e Yarela Gómez, do Movimento de Defesa da Água, a Terra e a Proteção ao Meio Ambiente (MODATIMA), entre outros e outras.

Além disso, é muito importante também o papel que será desempenhado por aquelas que foram eleitas através das cadeiras reservadas aos povos indígenas, como são os casos de Elisa Loncón, Natividad Llanquileo e a machi Francisca Linconao, na construção de uma democracia intercultural, plurinacional e descolonizadora.

Por outro lado, é muito positivo que os partidos da direita no Chile não tenham alcançado sequer 1/3 das pessoas eleitas como constituintes, o que os deixa completamente impossibilitados de vetar o que for acordado pela maioria na convenção para redigir a nova constituição.

Por esse mesmo motivo, é mais importante do que nunca que os partidos de esquerda no Chile, sejam os da ex-concertación, o partido comunista e a Frente Ampla, mas também os denominados independentes não neutros, deem grandeza ao momento histórico que nos encontramos como país.

Sendo assim, é central que não apenas respondam às demandas mais importantes da revolta social de 2019, como também levem a sério a participação e tenham uma relação direta e constante com as comunidades, por meio de assembleias e conselhos autoconvocados, para tomar as respectivas decisões sobre os conteúdos desta nova constituição.

Por isso, aqueles que estão prestes a fazer grandes transformações, através desta convenção constitucional, precisam se posicionar criticamente em relação aos presos políticos da revolta, os presos políticos mapuche e contra a impunidade daqueles que violaram os direitos humanos, a partir de outubro de 2019.

Sabemos que a democracia representativa ficou curta no mundo, sendo capaz de legitimar as violações aos direitos humanos, como ocorreu no Chile. Por essa razão, é necessário incentivar formas mais horizontais e coletivas de fazer política, sem caudilhos, onde sejam gerados novos mecanismos de participação direta, que permitam construir um novo horizonte transformador.

Nestes últimos 30 anos, o significado do político se empobreceu a tais níveis, reduzido ao partidário, que aqueles que foram eleitos e eleitas como constituintes têm uma responsabilidade muito maior do que escrever ou não uma nova constituição, devolvendo o sentido da política a um país que, enfim, se levantou para exigir mais dignidade.

Por isso, a necessidade de politizar tudo, por meio desta nova convenção constitucional no Chile, para deixar para trás sistemas de vida centrados na concorrência entre pessoas e em uma suposta liberdade individual, principalmente de consumo, totalmente desconectada de seu ambiente, que esqueceu que nós, seres humanos, somos seres relacionais, interdependentes e parte de um sistema vivo chamado Terra.

Chegou o momento de a política ser vista como digna, que afeta e envolve todas e todos, como conjunto, e não como uma esfera reduzida, elitizada e privatizada, onde alguns especialistas ou iluminados decidem sobre como temos que viver e quais são as opções existentes.

 

Leia mais