07 Novembro 2020
"A descentralização precisa servir para frearmos e não para aprofundar uma concentração brutal da riqueza no Chile, vinculada principalmente à venda de matérias-primas e à espoliação territorial para explorar bens comuns", defende Andrés Kogan Valderrama, sociólogo, em artigo publicado por OPLAS, 06-11-2020. A tradução é do Cepat.
O Chile está em um momento inédito de sua história, após a esmagadora vitória do ‘aprovo’ no plebiscito constitucional do último dia 25 de outubro, o que gerou muitas expectativas sobre os grandes debates que virão nacionalmente, durante os próximos meses.
Um desses debates se refere à necessidade de uma profunda descentralização do Estado Unitário do Chile, que foi uma demanda impulsionada por diferentes setores provenientes da sociedade civil e também de partidos políticos.
É assim que as críticas ao Estado, por seu caráter centralizado e burocrático, se evidenciam na grande desigualdade histórica entre Santiago e o restante das regiões do país, o que pode ser constatado no nível de renda, acesso ao trabalho, educação, saúde, moradia, infraestrutura e na própria representação de suas autoridades regionais, que brevemente, em 2021, serão eleitas de maneira democrática pelos cidadãos.
Não obstante, embora se possa concordar com a crítica que se faz quanto ao fato de que a tomada de decisões esteve historicamente em Santiago de modo hiperpresidencialista, isto se torna completamente insuficiente na medida em que não se expõe explicitamente de qual lugar ideológico estamos entendendo a descentralização do Estado.
Apresento esta inquietação, já que muitos dos setores que buscam impulsionar a chamada descentralização no Chile, a partir dos anos 1980, foram fervorosos seguidores do modelo neoliberal imposto na ditadura e aprofundado na democracia pela elite política imperante, por meio de um regionalismo de mercado.
Os casos da Corporação para a Regionalização do Chile (CorChile), o Conselho Nacional para a Regionalização e Descentralização (CONAREDE), a Corporação Privada do Desenvolvimento da Região de Biobío (Corbiobío) e a Fundação Chile Descentralizado, todas elas estimuladas por nomes como Claudio Lapostol e Heinrich Von Baer (irmão de Erik Von Baer e tio de Ena Von Baer), correspondem muito mais a uma descentralização de caráter funcional aos grandes grupos econômicos, conforme expôs o historiador Patricio Ruiz Godoy.
Daí que necessariamente a crítica à descentralização do Estado deve ser acompanhada também por uma crítica ao caráter monocultural, extrativista e privatizador do Estado do Chile, que utilizou os territórios do país como meras fontes de extração de recursos naturais para satisfazer as necessidades das elites.
Parece-me que se a crítica não é feita dessa forma, a descentralização do Estado acabará sendo uma demanda conservadora de certos setores empresariais e associativos, que poderá levar, finalmente, a uma mera distribuição do poder político e econômico entre as elites de Santiago e do restante das regiões.
Diante deste cenário, trata-se de impulsionar uma descentralização na qual o Estado mude não apenas administrativamente, conferindo mais atribuições aos governos regionais e aos municípios, mas também sua estrutura econômica e produtiva, que impôs modelos de desenvolvimento insustentáveis para os diferentes territórios, povos e comunidades.
Portanto, não basta um Estado descentralizado, com governos regionais e municípios fortes, caso não se coloque limites sociais e ambientais claros às grandes empresas extrativas nacionais e transnacionais existentes no país, em diferentes localidades que são literalmente saqueadas pela megamineração, o comércio florestal, agroalimentar e também imobiliário.
Em outras palavras, fica limitada uma descentralização administrativa que continue reproduzindo um discurso centrado no investimento privado e em uma ideia de crescimento econômico ilimitado, sem políticas redistributivas e ecológicas consistentes, já que está condenada a gerar um Estado subsidiário 2.0.
Ao contrário, a descentralização precisa servir para frearmos e não para aprofundar uma concentração brutal da riqueza no Chile, vinculada principalmente à venda de matérias-primas e à espoliação territorial para explorar bens comuns.
Em síntese, uma descentralização que não proponha explicitamente um Estado Plurinacional, com direitos sociais universais garantidos (educação, saúde, moradia), e declare constitucionalmente os Direitos da Natureza, corre o risco de ser um mero Estado neoliberal, mas de caráter descentralizado.
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Chile. Descentralização em tempos constituintes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU