25 Fevereiro 2021
“A democracia no Chile não só precisa ser representativa, como também participativa, comunitária, descentralizada e sem caudilhos, embora as elites tenham nos acostumado mal a acreditar no contrário, durante décadas, em um país que desta vez tem, pela primeira vez em sua história, a possibilidade de construir o seu próprio destino”, escreve Andrés Kogan Valderrama, sociólogo, em artigo publicado por OPLAS, 24-02-2021. A tradução é do Cepat.
A propósito do início da campanha eleitoral para a eleição de constituintes no próximo dia 11 de abril, após 200 anos de história de constituições antidemocráticas, a discussão sobre quais deveriam ser as pessoas mais indicadas para fazer parte da convenção constitucional é fundamental.
Embora a formação desta convenção constitucional será de caráter paritária e terá cadeiras reservadas para os povos indígenas, deixa muitas dúvidas em relação às possibilidades reais de que candidatas/os independentes de partidos políticos, que fazem parte de movimentos e organizações sociais, possam ser eleitas, considerando a enorme quantidade de listas existentes, que chegam a mais de 70.
Sendo assim, o desafio é escrever uma constituição que conte com a participação de pessoas provenientes de movimentos sociais, considerando que os partidos políticos tradicionais usarão toda a sua máquina eleitoral nos distritos que estão presentes (prefeitos, vereadores, deputados, senadores), sendo, além disso, beneficiados por meio da propaganda eleitoral televisiva, que deixa de fora muitas candidaturas independentes.
Portanto, o risco de que a convenção constitucional seja formada pela mesma classe política dos últimos 30 anos e que as demandas dos movimentos sociais (fortemente impulsionadas durante a revolta de outubro de 2019) não estejam presentes naquele órgão são coisas esperadas. Sobretudo, considerando que a direita chilena vai mais unida do que nunca nesta eleição (neoliberal e neofascista) e que para aprovar os artigos futuros da constituição serão necessários dois terços dos votos.
De qualquer forma, a necessidade de dar visibilidade a listas e candidatas/os alternativos e críticos aos poderes existentes, provenientes dos movimentos sociais dos últimos 20 anos no Chile, é muito importante neste momento, em um país com níveis tão altos de concentração nos meios de informação.
As candidaturas críticas são muitas para que todas sejam nomeadas aqui, mas no que diz respeito a listas comprometidas em construir um país feminista, socioambiental e plurinacional, é muito interessante o que estão fazendo, por exemplo, A Lista do Povo, Movimentos sociais: unidade de independentes e Vozes Constituintes, que estão fortemente enraizadas territorialmente.
Parece-me que nomes provenientes de organizações como o Movimento pela Água e os Territórios (Francisca Fernández Droguett, Lucio Cuenca e Camila Zárate) e Coordenação Feminista 8M (Natalia Corrales, Karina Nohales e Alondra Carrillo) devem ser apoiadas, caso sejam desejadas transformações importantes. O mesmo se diz em relação a candidaturas que são referências do povo mapuche, como Elisa Loncon, Natividad Llanquilleo e a machi Francisca Linconao.
Todas essas candidaturas mostram uma grande história de luta política em suas organizações e territórios, em todos estes anos, que buscaram incessantemente a descolonização, despatriarcalização e desmercantilização, dentro de um país que se vendeu ao mundo como um modelo de vida a ser seguido, enquanto era sustentado por uma matriz produtiva privada e extrativa dominada por homens de altos setores, aprofundando assim o racismo, classismo e machismo imperantes.
Felizmente, graças à revolta de 2019, esse imaginário do Chile exitoso e empreendedor enfim está caindo, independente de que a direita pinochetista continue acreditando no contrário e que parte da esquerda queira fazer meras reformas cosméticas no neoliberalismo, como as realizadas entre 1990-2009.
Por isso, embora esta eleição de constituintes seja um passo para democratizar o país, não é o mais importante, como devem acreditar os grandes meios de comunicação concentrados. Exponho isto, já que independente de quem seja eleita/o para redigir a nova constituição, no próximo dia 11 de abril, aqueles que realmente deveriam propor os temas são os delegados locais autoconvocados, formados pelas próprias comunidades, por intermédio de assembleias de bairro.
Pela mesma razão, é fundamental que para construir este novo projeto de vida coletivo do país, a nova convenção constitucional não seja uma mera câmara representativa a mais, como são as do congresso, onde seus integrantes mandam sozinhos, mas que seja obrigada a se relacionar ativamente com comunidades mobilizadas e organizadas, por meio de mecanismos de participação vinculante.
Em definitivo, a democracia no Chile não só precisa ser representativa, como também participativa, comunitária, descentralizada e sem caudilhos, embora as elites tenham nos acostumado mal a acreditar no contrário, durante décadas, em um país que desta vez tem, pela primeira vez em sua história, a possibilidade de construir o seu próprio destino.
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Chile. Por constituintes dos movimentos sociais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU