Chile. Maturana e uma nova convivência

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14 Mai 2021

 

“No Chile, foram décadas de abusos, maus-tratos e abandono do Estado a seus cidadãos e ao resto dos seres vivos, razão pela qual levar a sério as reflexões de Humberto Maturana Romesín pode ser uma boa contribuição para construir um horizonte mais democrático”, escreve Andrés Kogan Valderrama, sociólogo, em artigo publicado por OPLAS, 12-05-2021. A tradução é do Cepat.

 

Eis o artigo.

 

O recente falecimento de Humberto Maturana Romesín, no último dia 6 de maio, não é apenas a partida de um dos cientistas mais importantes do século XX, mas talvez a de uma das figuras sentipensantes mais emblemáticas no que se refere à crítica do racionalismo moderno.

Suas pesquisas junto com Francisco Varela, nos anos 1970, levaram-no a construir a teoria da autopoiese, que lhe valeu o Prêmio Nobel, ao delinear a ideia revolucionária de que os sistemas vivos produzem a si mesmos, colocando em xeque a ideia de objetividade da ciência e a autonomia da razão.

No que diz respeito à sua influência, sua contribuição foi crucial para diferentes campos do saber, como são os casos da educação, comunicação, cibernética, antropologia, sociologia, psicologia e as ciências da vida, nos quais autores como Niklas Luhmann, Vittorio Guidano, Gregory Bateson e Fritjof Capra, entre muitos outros, expuseram o quanto suas contribuições foram fundamentais para o desenvolvimento de um construtivismo radical, questionador das tradicionais dualidades modernas, como são objeto-sujeito, corpo-mente, razão-emoção, saúde-doença, cultura-natureza.

Daí o fato de sua visão sempre ter sido transdisciplinar, pós-racionalista e muito crítica a concepções do mundo reducionistas provenientes da ciência objetivista e de filosofias antropocêntricas. Não por acaso, nos últimos anos, seu desenvolvimento de uma biologia do conhecer e do amor, em estreita colaboração com Ximena Dávila, no Instituto de Formação Matríztica, buscava incessantemente se situar a partir de um paradigma relacional e amoroso, no qual a empatia, o cuidado, a reflexão desapegada de certezas, a confiança e a convivência democrática foram seus horizontes até o dia de sua morte.

Além disso, é impossível não citar quem talvez tenha sido sua máxima referência, a própria mãe, Olga Romesín, de formação aimará, com quem aprendeu que o mais importante na vida é colaborar e compartilhar em comunidade. Por isso, sua forte crítica ao fundamentalismo de grandes ideologias totalizantes, supostamente libertadoras, que na prática derivam em meras doutrinas que impossibilitam a reflexão e uma boa convivência.

É a partir desse lugar que Maturana sempre manifestou sua crítica a modelos políticos centrados na concorrência, na negação do outro, através do racismo, machismo, classismo, e de um desapego completo à Mãe Terra, como se fôssemos os únicos seres vivos, que nos trouxe a uma crise climática que está colocando em risco as condições mínimas de vida no planeta.

Não por acaso, portanto, durante a deflagração social de outubro de 2019, no Chile, que acarretaria uma histórica revolta popular no país e um inédito processo constituinte, Maturana refletiu que: “A chamada deflagração social foi uma queixa por não ser visto. Porque o Estado não estava cumprindo o compromisso fundamental de se ocupar pelo bem-estar de toda a comunidade. E isto tem a ver com o pano de fundo desta cultura centrada na concorrência”.

Esta foi uma das últimas reflexões que Maturana fez sobre o que estava ocorrendo no Chile, antes de morrer, o que sintoniza e se entrelaça completamente com o que vem expondo diferentes movimentos sociais no Chile (feminista, indígena, socioambiental, regional, estudantil), não só como crítica ao modelo neoliberal e ao fundamentalismo de mercado que se impôs na ditadura e que se aprofundou nos últimos 30 anos, mas também como busca de um novo Estado e sociedade, centrados na colaboração e na confiança.

Pelo que foi destacado acima, com a eleição de constituintes nos dias 15 e 16 de maio, no Chile, abre-se uma nova possibilidade de construir um país diferente, onde pensemos pela primeira vez o tipo de convivência que queremos ter, sem exclusões, onde a interculturalidade, a sustentabilidade, a diversidade sexual, a equidade de gênero, o direito à diferença e os bons viveres se concretizem em um novo marco institucional, que permita nos relacionar de outra maneira.

Foram décadas de abusos, maus-tratos e abandono do Estado a seus cidadãos e ao resto dos seres vivos, razão pela qual levar a sério as reflexões de Humberto Maturana Romesín pode ser uma boa contribuição para construir um horizonte mais democrático.

 

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