17 Setembro 2021
Bergoglio, como já Wojtyla, tem um aliado na mídia. O papa polonês, que havia sido ator, operário, poeta, alimentava aquela aliança com uma atitude comunicativa de longo treino. Francisco a alimenta com as entrevistas.
O comentário é publicado por Il Regno, 16-09-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Wojtyla dobrava aquela aliança para a mais importante de suas reformas, que foi a da imagem papal ligada à humanidade de seu tempo. Digamos: o papa que vai esquiar nas montanhas.
Também Bergoglio usa a ajuda que recebe da mídia para algo que considera importante: para aquela que na exortação Evangelii Gaudium (A alegria do Evangelho) ele chama de "conversão do papado", que quer em saída, dialogante com os não crentes, em busca das palavras para se comunicar com o mundo de hoje.
As entrevistas mais bem-sucedidas do papa argentino são aquelas no avião e talvez tenha tido sucesso aquela durante o voo que o trouxe de volta a Roma depois da viagem à Hungria e à Eslováquia.
Por entrevista bem-sucedida entendo dizer que teve um bom resultado do ponto de vista da comunicação: que foi relançada abundantemente pelo sistema de mídia e que alcançou pelo menos em parte do efeito que o entrevistado pretendia.
Para que haja tantos resultados positivos, uma entrevista coletiva deve ter as características essenciais de uma coletiva de imprensa aberta a qualquer pergunta, sem acordo prévio sobre os temas a serem tratados. Assim são as conversas de Francisco no avião e isso, à sua maneira, é uma novidade.
Com Bento XVI as entrevistas coletivas já aconteciam, mas os temas das perguntas eram propostos pelos jornalistas ao porta-voz, que os relatava ao papa antes do encontro. A novidade introduzida por Bergoglio com a aceitação de perguntas livres e desconhecidas por ele, também é mostrada pela nomenclatura dos atos papais: as entrevistas de Bento XVI se chamavam encontros, as de Francisco se chamam de coletivas de imprensa.
"Encontro do Santo Padre com os jornalistas durante o voo para o México (sexta-feira, 23 de março de 2012)", é identificada no site do Vaticano a transcrição da entrevista da última viagem internacional do Papa Ratzinger, enquanto o cabeçalho da entrevista da última terça-feira aparece assim: “Coletiva de imprensa do Santo Padre durante o voo de retorno de Bratislava”.
Se a pergunta livre é o primeiro requisito de uma entrevista, uma verdadeira resposta é o segundo: sempre do ponto de vista do resultado midiático. A resposta poderá ser parcial, instrumental, ideológica e o que se quiser criticar, mas deverá ser real e direta, caso contrário a mídia não a veiculará, senão - digamos - para sinalizar que o entrevistado não respondeu.
Se nos limitarmos a esse aspecto profissional, do funcionamento da mídia, será fácil observar que as respostas dadas pelo Papa nesta última ocasião eram verdadeiras, ou seja, "responsivas" às perguntas.
Um colega eslovaco perguntou sobre as vacinas e aqueles que as recusavam e Francisco disse que ficou surpreso com as recusas, mas reconheceu que há "negacionistas" [das vacinas] até mesmo entre os cardeais; e que muitas vezes essas pessoas são portadoras de "medos" que devem ser respondidos com esclarecimentos dados "com serenidade".
A resposta à pergunta sobre a comunhão para os políticos que apoiam as leis do aborto também foi direta: o aborto é um homicídio, a lei que o autoriza é um caso sério, mas a abordagem para quem a apoia deve ser pastoral e não política. Ou seja, a comunhão não deve ser usada para tomar partido e condenações públicas, mas um deve ser conduzido um discernimento ad personam.
A resposta sobre o casamento homossexual foi ainda mais clara: não pode haver, o matrimônio sacramental só pode ocorrer entre um homem e uma mulher, mas para os homossexuais pode-se percorrer o caminho das uniões civis: ele citou os pacs franceses.
Por fim, o melhor resultado de uma entrevista ou coletiva de imprensa ocorre quando contém algum elemento vivo, surpreendente ou dissonante, curioso. Tal elemento, no caso da última conferência de imprensa bergogliana, foi dado pela menção de Francisco ao cardeal "negacionista" da vacina, que "pobrezinho" está agora hospitalizado com o vírus: "ironia da vida".
A maioria das pessoas pode considerar deselegante essa referência possivelmente dirigida ao Cardeal Burke, notoriamente cético em relação às vacinas, que contraiu o vírus no mês passado; enquanto outros dirão que um papa não deve entrar em diatribes pessoais, especialmente porque Burke é talvez o cardeal que mais o critica. Tudo verdade, mas do ponto de vista da eficácia midiática, esse aceno deselegante teria comportado à veiculação da entrevista, mesmo que não houvesse nela elementos de conteúdo suficientes para recomendá-la.
A aliança com a mídia ajuda os papas a alcançar os objetivos contrariados pelo sistema eclesiástico. A Cúria não queria a reforma da imagem do papado desejada por Wojtyla e não quer a conversão do papado que Bergoglio se propõe. Para fazer algo contra a vontade do sistema que encabeçavam, os papas de outrora recorriam à aliança ou ao conflito com os reis e os imperadores. Os de hoje apelam para a mídia.
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Quando Bergoglio diz que há cardeais “negacionistas” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU