15 Setembro 2021
Para indicar brevemente o coração do diálogo multifacetado que constituiu o último congresso da Associação Teológica Italiana ("Fazer teologia para este mundo, para este tempo"; 30 de agosto a 3 de setembro), escolhemos a tensão criada por dois termos: contaminação e identidade.
De fato, parece-me que o desejo de pensar a teologia, para que seja relevante para o nosso tempo e para o mundo que partilhamos com todos os outros, levou sobretudo a pensar em como contaminar-se com aquela vivência para nutri-lo, mas também levantou a questão de como fazê-lo, sem perder a identidade.
O congresso foi dividido em: contextos, temas e método, teologia pública, estaleiros sobre as transformações em curso, enfoque na teologia italiana. Vou tentar reconstituir algumas das ideias que surgiram, objeto a discussão nas salas e fora. Não pretendo fazê-lo de forma completa - é para isso que os Atos servirão no devido tempo - em vez disso, vou tentar trazer à tona, ao referir brevemente os conteúdos, a tensão polar entre contaminação e identidade.
O relato é de Simona Segoloni Ruta, leiga da Diocese de Perugia-Città della Pieve, casada e mãe de quatro filhos. É professora de Teologia Sistemática, Teologia Trinitária, Eclesiologia e Mariologia no Instituto Teológico de Assis. Obteve seu doutorado na Faculdade Teológica da Itália Central, com um estudo sobre a recepção do Concílio Vaticano II na teologia italiana. Faz parte da Coordenação das Teólogas Italianas e da Associação Teológica Italiana, sendo membro de seu conselho diretivo.
O texto é publicado por Settimana News, 13-09-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Vincenzo Rosito e Massimo Faggioli, que tinham a tarefa de mostrar o contexto em que hoje se insere a teologia, escolheram recortes muito diversos, capazes de recordar, por um lado (Rosito), a necessidade de construir um espaço comum e prático na concretude das práticas, e de outro (Faggioli), o alerta para não se perder dentro das dinâmicas sociais, dominadas por outros poderes, que podem até levar a um domínio sobre o pensamento teológico que o expropria de sua identidade.
Para os teólogos italianos, que sofrem da condição de amadores (pois fazer pesquisa requer instrumentos, estruturas e, no mínimo, poder sustentar-se pela própria pesquisa) e também o esforço de uma gestão eclesial da teologia (muitas vezes improvisada e nem sempre livre), ouvir a descrição de uma teologia, como aquela estadunidense, inserida no sistema universitário, com salário, meios e estruturas de pesquisa, mas submetida a poderes econômicos que podem até pretender que se transforme em algo diferente, foi inquietante.
Por outro lado, confirmou que o destino da teologia - inclusive no espaço público - não só não prescinde, mas depende estritamente do que a Igreja pensa da teologia e de como (e se) favorece seu crescimento e liberdade.
No entanto, podemos deduzir desse quadro que o desinteresse dos poderes sociais e econômicos pela teologia italiana seja um recurso, pois nos permite lidar livremente com o que Rosito evocou em sua intervenção articulada, ou seja, na busca de um espaço comum, em que a teologia possa desempenhar sua própria tarefa justamente a partir do que compartilha com todos e junto a todos constrói. Não é possível pensar uma teologia - mas nem mesmo uma Igreja - que vive o mundo de outra forma que não como o vivem aqueles que estão ao seu redor, que não ocupe o mesmo espaço.
Como fazer pensamento teológico nesse espaço? Estamos habituados ao “nosso” espaço, no qual o que dizemos assume um significado, destinado a não ser mais o mesmo assim que cruzarmos a fronteira das comunidades cristãs. Ou pelo menos esse parece ser o problema. Como podemos fazer uma teologia pública, isto é, em um espaço compartilhado com outros (tomo a liberdade de parafrasear assim) se o nosso é um pensamento interno, forte e inevitavelmente identitário? Novamente a polaridade já proposta entre contaminação e identidade.
Essa questão foi abordada de frente por Neri e Nardello, que trataram da relação entre teologia e espaço público.
Massimo Nardello repropôs, com precisão e exaustividade, a complexa posição de Tracy que indica com teologia pública a capacidade própria da teologia de enriquecer o mundo com os significados de todos. As facetas da proposta de Tracy são muitas e dificilmente sintetizáveis, lembro apenas algumas sugestões: a necessidade de levar em consideração as perguntas daqueles a quem se dirige o anúncio para poder elaborar o pensamento teológico, comunicar a interpretação da própria tradição feita a partir do contexto cultural em que se encontra, a prudência de não elaborar o cristianismo a partir do que é comum, mas inclusive indo de encontro ao comum, elaborar o pensamento a partir da integralidade e da profecia que tem o cristianismo.
Esta última ênfase de maneira particular destaca o medo pela identidade cristã. Por outro lado - e aqui o estimulante e interdisciplinar relato de Neri merece ser relido - se a teologia se considera própria de um background social delimitado e foge do público, trai o que tem de mais próprio, ou seja, o Evangelho, que por definição, lança no público, "em saída". Proteger a identidade específica nos afasta do público, portanto, enquanto a vivência cotidiana - e assim reaparece o que foi visto no relato de Rosito - nos imerge nele.
Passemos agora as palestras que deviam enfocar a questão dos sujeitos e do método em teologia. Quatro abordagens muito diferentes e enfoques igualmente diferentes.
Stella Morra retomou categorias como a das práticas e do espaço comum (já que a teologia só pode partir da experiência e isso não é apenas autoconsciência, mas processo que acontece nas práticas), centrando-se, porém, o fato de que os sujeitos que fazem teologia são muitos, diferentes e todos parciais. Não existe mais um único sujeito autorizado da teologia, com base no qual estruturas e métodos foram concebidos: masculino, ocidental, padre e celibatário.
Assim, ocorrem contaminações que explodem esquemas preestabelecidos: outros sujeitos tomam a palavra, aparecem diferentes proporções possíveis e até mesmo um renovado sentido de verdade, os enunciados então sempre se revelam sendo parciais e biográficos. E é precisamente o parcial que se torna o caminho para o comum possível.
Já Armando Nugnez, com uma linguagem e citações mais usuais para os contextos teológicos, apreendeu a tensão entre identidade e contaminação no diálogo e na profecia e traçou uma teologia capaz de se colocar na fronteira, onde o Evangelho (profecia) encontra a vida das pessoas (diálogo).
Aqui o comum compartilhado com todos parece ser quase a meta, aquilo a que se deve tender em virtude da profecia, isto é, do proprium eclesial. É isso ou existe um comum prévio a ser percebido? Talvez ambas as perspectivas sejam verdadeiras, mas se fosse o caso, do público - isto é, da vivência compartilhada - a igreja não poderia escapar.
Parece-me que De Candia também partiu dessa observação. De fato, a teologia se reduziria a uma visão de mundo se fugisse do comum e do diálogo, por outro lado, para um diálogo real em um contexto pluralista deve ser capaz de justificar o que afirma mostrando como ele esteja antropologicamente fundado, ou seja, mostrando como ele pode ser capaz de favorecer a vida.
Não me aventuro aqui a retomar os desdobramentos únicos de uma apresentação fascinante, da qual, no entanto, aponto uma ideia que me parece preciosa. A razão universal que nos une a todos e que é capaz de síntese no conhecimento das coisas abre-se à hermenêutica: de fato, a verdade não pode ser fixada, porque é inesgotável.
Na última etapa de uma manhã realmente densa, Francesco Brancato tratou da relação entre teologia e ciências. A questão não é nova e surge toda vez que se pensa em método em teologia porque as ciências surgem, historicamente, como um pensamento diferente daquele teológico.
Talvez esse confronto seja útil também para apreender a dinâmica de contraposição com relação a outras formas de conhecimento por parte da teologia e paradigmático para entender a falta de consideração da teologia como forma de conhecimento por parte das outras disciplinas.
Entregar-se aos saberes científicos ou ceder-lhes todo âmbito de investigação, desequilibrando-se na defesa da identidade, não pode ser uma solução, mas também não é solução não saber explicitar um pensamento teológico adequado a uma sociedade que sem dúvida tem uma cultura científica (e aqui chegamos ao outro polo, ou seja, a necessária contaminação).
Seis relatos foram dedicados aos estaleiros, ou seja, à discussão dos nós que precisam ser reelaborados: Isabella Guanzini tentou explicitar o espírito em uma época que parece não precisar mais dele como a pós-secular, Sergio Bonanni investigou minuciosamente o pensamento medieval em busca do entrelaçamento entre natureza e sobrenatureza (embora que teria sido extremamente interessante extrair as consequências sobre o que as dissertações medievais poderiam aportar hoje para o pensamento teológico).
Duilio Albarello sondou a relação entre graça e cultura, Luca Mazzinghi explorou - do ponto de vista bíblico - a questão da ecologia integral, Grazia De Vecchi deslocou a questão do público para o plano da teologia moral e, por fim, Roberto Repole repropôs uma leitura da eclesiologia usando a chave do dom.
Tanto Guanzini quanto Albarello, parece-me, conseguiram apresentar a pergunta de como a teologia se coloca (ou não) no contexto atual. Guanzini descreveu a modernidade como carente de alimento e defendeu que a fé poderia alimentá-la, abrindo-a ao transcendente, mas também oferecendo uma carga simbólica e afetiva que a razão sozinha não pode dar. Essa perspectiva encoraja a teologia a se contaminar.
Por outro lado, porém, observou Guanzini, a religião - talvez cedendo à linguagem moderna que a quer irracional - muitas vezes não se conecta à razão, dando origem a fundamentalismos e populismos. E assim a tentação identitária faz com que falhe a fecundidade inerente à tradição cristã. Esta, por seu lado, como todas as tradições, floresce precisamente nas contaminações.
Nesse ponto, Guanzini ofereceu a tradução como categoria determinante. De fato, toda tradição exige uma tradução contínua, capaz não só de se fazer compreender em outro contexto, mas também de regenerar o que é traduzido. Para que uma tradução seja feita, porém, é necessário aceitar um exílio, uma deslocação. E se Guanzini falava de exílio, Albarello propôs a figura de um cristianismo na diáspora, inserido numa cultura que não elaborou e da qual, no entanto, não pode prescindir para falar de Deus.
Graça e cultura encontram-se na inevitável contaminação de igreja e mundo humano, onde a fé se mostra capaz de dar crédito à vida. Por outro lado - lembrou Albarello - quando o ser humano está autenticamente comprometido com a realização da própria existência, faz o que consideramos de forma plena e paradigmática realizado em Cristo.
Parece-me que as outras três oficinas (De Vecchi, Mazzinghi, Repole) tenham oferecido indicações concretas para fazer teologia. De fato, na releitura dos textos bíblicos em busca de uma palavra eficaz sobre a questão ecológica, Mazzinghi soube mostrar justamente na narração da tradição bíblico-sapiencial uma forma de fazer teologia que talvez se aproxime da sensibilidade contemporânea, aberta à parcialidade e à concretude da vivência e do biográfico.
De Vecchi além disso - tocando com a questão moral um nó muitas vezes doloroso do encontro entre teologia e público - sugeriu uma figura de reflexão que poderia ser definida como "logia-teo", ou seja, como um discurso que fosse primeiro humano, isto é, lógico, narrativo, simbólico, portador de sentido, depois refletisse sobre a experiência de fé. A teologia deveria, portanto, partir do discurso humano e depois ver como se colocar dentro desse discurso em uma contaminação que torne a própria identidade um recurso para todos, como faz o Papa Francisco na Laudato Si'.
Por fim, Repole explicitou uma eclesiologia partindo da categoria do dom, estudada, fundada, definida, justificada (tudo isso com extrema precisão em seu último volume) e depois aplicada à Igreja como um todo e a diversos de seus aspectos. Trata-se de uma teologia em ato, que não coloca a questão de um método, mas o aplica com proveito e comunica seus resultados.
A última parte do congresso foi dedicada a uma reflexão direta sobre a condição da teologia na Itália, primeiro por meio de workshops que focalizaram alguns lugares ou problemas específicos com o objetivo de confrontar-se em pequenos grupos, depois por meio de uma reflexão em duas vozes que começasse pelo "Comentário sobre os documentos do Concílio Vaticano II", publicado pela Dehoniane.
Uma análise detalhada do Comentário, indicando recursos, limites e possibilidades de desenvolvimento foi feita por Fabrizio Mandreoli, que, no entanto, questionou como a teologia poderia contribuir para o público.
De forma sugestiva, ele ofereceu o esboço de um método roubando de Ítalo Calvino uma citação de "As cidades invisíveis" que tomo a liberdade de parafrasear: abrir espaço e fazer durar o que não é exatamente inferno no meio do inferno. Outra forma de pensar a fé e o pensamento crítico que dela surge (ou seja, a teologia) como capazes de favorecer a vida.
E a partir do fato de que a promoção da vida pode ser o enredo para o desenvolvimento de uma teologia que se coloque no público hoje, a última palestra procurou indagar qual igreja é mais adequada para tal teologia.
De fato, não parece que a teologia italiana – que, mesmo assim, desfruta de boa saúde do ponto de vista do reconhecimento internacional, das publicações e dos eventos - ocupe um espaço importante na vida da Igreja. Poderia ser que a figura da Igreja que ainda resiste na Itália esteja de fato fechada a um pensamento crítico, porque fechada àquelas contaminações que, ao contrário, parecem essenciais para não trair o Evangelho.
Só contaminando-se é possível partilhar a vivência e abrir-se a novas narrativas, tendo a coragem de abandonar o “pequeno mundo antigo” que também foi bom para nós.
Uma imagem final para resumir tudo, também lembrada pelo presidente da ATI Riccardo Battocchio, pode ser a da catedral de Pozzuoli, visitada pelos conferencistas durante o congresso.
Objeto de uma renovação sugestiva em que o antigo e o contemporâneo se valorizam reciprocamente, essa maravilhosa catedral está no centro de um bairro que foi evacuado por causa do terremoto. Todo o bairro foi restaurado e é usado para eventos e visitas guiadas: tudo dentro de um projeto de rara beleza porque valoriza o território e as pessoas com um passado ferido e necessitado de resgate.
Porém, sem prejudicar a validade e a beleza desse projeto, obviamente, a imagem que se pode tirar dele tem algo de chocante: uma belíssima catedral construída onde não mora ninguém.
Porém, na catedral de Pozzuoli, também estão as pinturas de Artemisia Gentileschi: ignorada em seu talento porque era mulher, estuprada e depois julgada e torturada como se fosse a culpada da violência que sofreu, soube renascer mudando-se para outro lugar e abrindo espaço para a vida, ao que inferno exatamente não é justamente no meio do inferno.
Talvez ela possa ser uma boa imagem do que a teologia é chamada a ser neste tempo para este mundo.
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Fazer teologia para este mundo, para este tempo. Contaminação e identidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU