25 Abril 2021
Para resolver as crises ecológica, sanitária e econômica de nosso tempo, é necessário desenterrar as raízes cristãs de nosso inconsciente coletivo. Segue a análise do historiador das ideias Sylvain Piron.
A entrevista é de Sixtine Chartier, publicada por La Vie, 26-03-2021. A tradução é de André Langer.
Sylvain Piron está convencido do seguinte: não há melhor posto de observação do que a Idade Média para compreender a nossa sociedade e alguns de seus desvios. Este que não esconde ter sonhado em sua juventude “derrubar a ideologia neoliberal através da história medieval”, propõe-se a voltar às fontes de nossas formas de pensar para nos libertar do equívoco em que se encontra a humanidade.
Obviamente, o cristianismo é uma chave de leitura fundamental, pois moldou nossa história desde muito cedo. Mas não se trata de acusá-lo, insiste Sylvain Piron. “Temos de decifrar, para falar como Walter Benjamin, a afinidade que permitiu ao capitalismo proliferar como um parasita do cristianismo”, escreve no seu último livro, Généologie de la morale économique (Genealogia da moral econômica), Zones Sensibles, 2020. Um livro de vanguarda, repleto de referências, que dá o que pensar.
Em seu livro, você mostra uma filiação entre a teologia medieval cristã e os “ideais econômicos” que nos governam. Você chega a dizer que o cristianismo é responsável pela crise ecológica?
Absolutamente não. Não estou tentando estabelecer responsabilidades, mas compreender uma história. Falo de uma dinâmica global do Ocidente, na qual o cristianismo obviamente desempenhou um papel importante e determinante. Um certo estado do cristianismo, tal como se desenvolveu na Europa Ocidental ao longo do segundo milênio de sua história, em interação com todo um sistema político e social, está na origem de determinadas formas de pensamento e de instituições que ainda nos governam.
Há uma longa sombra da teologia que literalmente definiu as formas ocidentais de pensar que desconhecemos. Meu trabalho como historiador é mostrar até que ponto essa presença invisível do cristianismo permanece. É também uma maneira de sugerir que os cristãos de hoje não têm que assumir totalmente esta história, que eles podem retomá-la em outros momentos, em outros nós da história cristã.
Você aponta para a “injunção de ocupar sua vida com o trabalho e fazer carreira”. O que há de verdadeiramente cristão nisso?
Quando retomamos o fio dos textos, encontramos essa injunção de nos ocupar, de ocupar o nosso tempo. A um jovem que quer ser monge, São Jerônimo responde: “Encontre o que fazer para que o diabo o encontre sempre ocupado”. Ao dizer isso, Jerônimo resume o que ele mesmo viu e aprendeu com a experiência dos Padres do Deserto egípcio.
O Egito é uma terra onde os monges são pioneiros que enfrentam um espaço que esteve durante muito tempo ocupado por outras divindades. É preciso, portanto, resistir às tentações do demônio, como na famosa “tentação de Antônio”. Encontramos assim um fascinante corpo de ascetas que insistem na necessidade de trabalhar com as mãos. No entanto, nas fontes cristãs fundamentais, depois da Bíblia, os Padres do Deserto têm uma força normativa extremamente poderosa. Eles são lidos, meditados, repetidos...
Com a Reforma Gregoriana, no final do século XI, eles são apresentados como modelos de sociedade. Na sua escola, a luta contra a ociosidade tornou-se um dos temas mais fortes da pastoral medieval. É a partir dessa época que, na iconografia, vemos pela primeira vez Eva trabalhando, assim como Adão.
Mesmo antes, São Paulo repete o ensinamento rabínico sobre o trabalho: é preciso trabalhar para ser independente, porque o rabino não deve estar sob a dependência da comunidade. Nas duas epístolas aos Tessalonicenses, Paulo completa esta doutrina de uma forma mais pessoal: trabalhar com as mãos está ligado à expectativa do fim dos tempos. Esta é uma maneira de não nos precipitarmos na iminência da realização da mensagem de Cristo.
Como o capitalismo vai usar essa doutrina cristã do trabalho?
O capitalismo pressupõe o reinvestimento dos lucros. Já não se trata de trabalhar pela salvação futura, mas de investir para obter novos lucros. Essa derivação ocorre no final do século XVIII.
Mostrei isso comparando duas personalidades daquela época. John Wesley, grande pregador inglês, fundador do Metodismo, é famoso por dizer: “Ganhe o máximo que puder, economize o máximo que puder, dê o máximo que puder”. Nessa perspectiva, o objetivo não é acumular para reinvestir, mas dar aos pobres. Mesmo assim, no final de sua vida, Wesley estava desesperado porque sua mensagem não tinha sido ouvida. Ele lamenta que os fiéis afirmem não poder dar porque seu dinheiro já foi reinvestido.
Ao mesmo tempo, Benjamin Franklin fez comentários semelhantes, mas esquecendo a última etapa, a da doação. Como Max Weber apontou, o puritanismo, que requer trabalho e poupança, produz, assim, uma espécie de acumulação primitiva de capital que é investido e reinvestido. Este fato de investir em vez de dar aos pobres é uma perversão da mensagem evangélica.
Como disse Walter Benjamin de maneira um pouco alusiva, o capitalismo se desenvolve como um parasita do cristianismo. Isso significa que ele é um agente externo que se enxertou no cristianismo e se alimentou dele para fazer algo mais com ele.
Você propõe também a releitura dos versículos do Gênesis considerados como justificativa para a exploração abusiva da natureza pelo homem...
Em seu famoso texto sobre Les racines historiques de la crise environnementale (As raízes históricas da crise ambiental), PUF, Lynn T. White aponta para um versículo do primeiro relato do Gênesis (Gênesis 1, 28) em que Deus confia a terra aos homens para que eles a “encham” e a “dominem”. De minha parte, insisto mais no segundo relato do Gênesis, no qual é dito que Deus coloca o homem no jardim “para que o cultive e o guarde” (Gênesis 2, 15).
Lendo este versículo, Santo Agostinho abre o caminho para a ideia de que Deus realmente queria que o homem trabalhasse, antes mesmo do pecado original. É um trabalho alegre, de descoberta da beleza da natureza e de sua inteligência e, in fine, uma descoberta de Deus através da fecundidade das forças naturais. Essa interpretação é fixada no final do século XIV, depois da Peste Negra. Os seres humanos nasceram para trabalhar; o trabalho não é apenas consequência do pecado.
Lutero deu grande importância a este versículo para provar que a necessidade do trabalho não está relacionada às boas obras, mas inscreve-se na natureza humana. A famosa ética do trabalho protestante tem sua origem aqui. Implicitamente, essa abordagem abre caminho para a ideia de que os seres humanos nasceram para transformar o mundo. Uma ideia cujas consequências prejudiciais estão sendo medidas hoje.
A menção de “para que ele o guarde”, no versículo do Gênesis, não anula essa interpretação?
Nós gostaríamos que sim. Alguns teólogos contemporâneos tentaram ver nesse versículo uma forma de conservação da natureza. Na realidade, na tradição exegética que privilegia o sentido literal desde a Idade Média, entende-se como o fato de proteger o jardim dos animais selvagens.
Não podemos encontrar também no pensamento cristão medieval os recursos para combater as raízes da crise ecológica?
O cristianismo pode ser uma força de resistência. A história franciscana, na qual estou trabalhando em outros lugares, oferece recursos importantes, como bem compreendeu o Papa Francisco. Neste livro, a investigação do Gênesis me fez sentir o quanto a doutrina do pecado original pesou no nascimento de um pensamento sobre a transformação do mundo. Porque ela postula que há algo de desnaturado na natureza (humana ou não) e que deveria ser, de certa forma, renaturado.
O pecado original não perturbou apenas o ser humano, mas também o solo e a vegetação, que se tornaram hostis à ação humana. No século XVII, a revolução científica inglesa, liderada por Francis Bacon, buscou retificar a natureza e corrigir os efeitos do pecado original.
Desse ponto de vista, abandonar o pecado original seria uma maneira de reduzir essa alteridade ao mundo. E que alívio isso seria! Especialmente porque não é necessário no cristianismo. É uma doutrina muito pessoal de Agostinho, que prevaleceu ao longo do tempo.
Seria possível remontar a Orígenes, que tinha uma visão muito mais positiva do ser humano e de uma relação não conflituosa com a natureza. É para mim o representante de um cristianismo feliz.
Você escreve que “vivemos nas ruínas do cristianismo”. O que fazer com ele hoje? Destruí-lo? Erguê-lo?
Esta expressão pode ser mal interpretada. Não quero dizer que o cristianismo está em ruínas. Ele mesmo continua vivo. Ele deixou instituições que ainda estão de pé, mas que não têm mais nada de cristão. Por exemplo, o próprio conceito de ciência e de verdade científica deriva de uma concepção teológica da ciência divina.
Penso que podemos simultaneamente lançar outras bases e recuperar as antigas. Fui parcialmente formado pela escola dominicana francesa; um dos seus representantes mais ilustres, Yves Congar, acreditava que era necessário contar a história completa de um dogma para ver toda a gama de soluções disponíveis. Não é porque em um determinado momento o magistério decidiu por esta ou aquela solução que as outras são invalidadas.
Foi também a grande ideia do jesuíta Henri de Lubac na época da criação da Sources Chrétiennes (uma coleção que publica edições críticas de antigos textos cristãos, nota do editor). Este trabalho tornou possível reencontrar Orígenes contra uma visão muito seca de um tomismo oficial.
É preciso, portanto, conhecer a história, mas também repensar muitas coisas, principalmente a nossa relação com os demais habitantes do planeta. O vírus está aí para nos lembrar que não somos de forma alguma os donos do mundo.
Você concorda com a frase de Chesterton: “O mundo moderno está cheio de velhas virtudes cristãs que enlouqueceram”?
Sim, é bastante adequada. As ideias cristãs foram lançadas em um contexto em que as Igrejas tiveram uma força para definir valores e normas sociais. Elas permaneceram, mas perderam seu significado original.
Quando tomamos a ideia do Homo œconomicus, dizemos a nós mesmos que não há nada menos cristão do que este homem sem caridade e sem preocupação com o outro, que procura maximizar seu lucro... Ele não é cristão, mas nasceu de uma ideia cristã que enlouqueceu: a ideia de que os sujeitos são dotados de livre arbítrio e, portanto, escolhem o que é melhor para si. Essa ideia, separada de sua fonte, tornou-se um dogma da economia.
Por que a Idade Média oferece um ponto de vista ideal para observar a sociedade atual?
Porque é a alteridade mais próxima de nós. Nós viemos de lá e ao mesmo tempo é um mundo muito diferente. Muita gente se interessa pelo que está acontecendo na Amazônia, na Nova Guiné, onde existem formas de existência muito diferentes da nossa que colocam em perspectiva a nossa maneira de fazer as coisas. Podemos fazer o mesmo com a Idade Média, tomando-a como terreno antropológico, como propôs Jacques Le Goff. Nesse sentido, pode ser interessante criticar nossos contemporâneos de um ponto de vista medieval. Sem querer voltar para ela, é claro!
Por que a Idade Média e não o Renascimento?
Porque nós estamos acostumados a agir como se a nossa história começasse na Renascença. Antes, era a idade das trevas. No entanto, olhando para a Idade Média, vemos o surgimento de formas que de outra forma não veríamos. Por exemplo, a distinção entre o natural e o sobrenatural. Fazemos isso espontaneamente como ocidentais. Ela foi elaborada por Tomás de Aquino de uma forma bastante brilhante para articular o ensino teológico do Pseudo-Dionísio com o ensino de Aristóteles, o filósofo da natureza. Exceto que essa distinção foi trabalhada de tal forma que agora é considerada um dado adquirido.
Os ocidentais se perguntam muito sobre seu passado, oscilando entre a glorificação e o arrependimento. Como encontrar a justa relação com a história?
Nossos critérios morais não são os do passado. Julgar o passado a partir do presente é uma forma de negar a história. A história exige admitir que antes as pessoas pensavam de forma diferente. O que não impede de dizer que coisas horríveis aconteceram na história. Não podemos negar que o mal atravessa a história. No entanto, não estamos aí para imputar julgamentos, mas para compreender.
Fala-se em destruir estátuas ou em renomear nomes de ruas. A estátua de São Luís deve permanecer na Assembleia Nacional ou deve ser removida, conforme proposto por Jean-Luc Mélenchon?
A questão é saber se aceitamos que os símbolos da nação não são apenas republicanos. Jean-Luc Mélenchon gostaria que a nação começasse com a república. Aceitamos a história?
São Luís é um rei que desempenhou um papel excepcional na construção do Estado francês. Pessoalmente, prefiro que seja ele que apresentamos, em vez de Philippe Le Bel, que é francamente um rei criminoso.
Você escreve que a ecologia pode “fornecer uma resposta à questão do espiritual após a religião”. Pode tomar o lugar do Cristianismo no Ocidente?
Refiro-me aqui ao Marcel Gauchet, que também é um dos meus mestres. Ele define a religião como o operador de uma inferioridade do mundo visível em relação ao invisível e de uma mediação entre os dois. É claro que o mundo visível agora se tornou autônomo. Nesse sentido, saímos da religião. Porém, não saímos do espiritual, ou seja, de uma relação com o sentido. Os seres humanos não podem viver sem ele.
Não sairemos do domínio da economia sem aceitar que existem valores. A ecologia oferece alguns, que envolvem um questionamento radical do lugar do ser humano no mundo. A ecologia não pode ser apenas uma questão técnica, ela é antes de tudo uma questão de sentido. Neste assunto, a Igreja pode ter um papel a desempenhar, e o Papa Francisco está mostrando o caminho com muita coragem. Precisamos de comunidades que deem sentido, que sejam as guardiãs das tradições e, ao mesmo tempo, sejam capazes de se redefinir em relação à situação contemporânea.
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“A teologia definiu as formas de pensar no Ocidente”. Entrevista com Sylvain Piron - Instituto Humanitas Unisinos - IHU