26 Junho 2021
Papa Francisco recebeu um grupo de representantes da Federação Luterana Mundial, no Vaticano, na sexta-feira, 25-06-2021. Neste dia, celebram-se 491 anos da Confessio Augustana, uma tentativa de manter a harmonia entre as igrejas depois da Reforma Luterana. Francisco expressou em mensagem esperar que uma “compreensão comum da Confessio Augustana beneficie a jornada ecumênica”.
Dirigindo-se ao atual secretário-geral, Martin Junge, e estendendo os desejos a todos os luteranos, Francisco convidou a “rezar juntos pela plena unidade entre os cristãos”.
Francisco recordou também que Junge deixará o cargo de secretário-geral em 31 de outubro deste ano, sendo substituído pela pastora estoniana Anne Burghardt.
O discurso é publicado pela Sala de Imprensa do Vaticano, 25-06-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Queridos irmãos e irmãs,
“Graça e paz de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo” (Rm 1, 7). Com estas palavras que o apóstolo Paulo dirigiu aos cristãos que se encontravam em Roma, desejo dar-lhes as boas-vindas e saudá-los, representantes da Federação Luterana Mundial, em particular ao presidente, o arcebispo Musa, a quem agradeço suas palavras, e ao secretário-geral Martin Junge. Recordo com muito agrado minha visita a Lund – lembram-se? –, a cidade onde vossa fundação foi fundada. Nessa inesquecível etapa ecumênica, experimentamos a força evangélica da reconciliação, testemunhando que “através do diálogo e do testemunho compartilhado já não somos estranhos” (Declaração conjunta, 31 de outubro de 2016). Já não somos estranhos, mas sim irmãos.
Queridos irmãos e irmãs, no caminho do conflito à comunhão, no dia da comemoração da Confessio Augustana vieram a Roma para que cresça a unidade entre nós. Dou-lhes graças por isso e expresso minha esperança de que uma reflexão comum sobre a Confessio Augustana, em vista do 500º aniversário de sua leitura em 25 de junho de 2030, beneficie nosso caminho ecumênico. Eu disse “em caminho do conflito à comunhão” e este caminho se recorre somente em crise: a crise nos ajuda a amadurecer o que buscamos. Do conflito que vivemos durante séculos e séculos, à comunhão que queremos, e para fazê-lo entramos em crise. Uma crise que é uma benção do Senhor. Por sua vez, a Confessio Augustana representou uma tentativa de evitar a ameaça de uma ruptura na cristandade ocidental, pensada originalmente como um documento de reconciliação intracatólica, adquiriu somente mais tarde o caráter de um texto confessional luterano. Já em 1980, em razão do seu 450º aniversário, luteranos e católicos afirmaram: “o que reconhecemos na Confessio Augustana como uma fé comum pode nos ajudar a confessar esta fé juntos de uma maneira nova também em nosso tempo” (Declaração conjunta, “Todos sob um mesmo Cristo”, n. 27). Confessar juntos o que nos une na fé. Me vem à mente as palavras do apóstolo Paulo quando escreveu: “Um só corpo... um só batismo. Um só Deus” (Ef 4, 5-6).
Um só Deus.
No primeiro artigo, a Confessio Augustana professa a fé no Deus Uno e Trino, referindo-se especificamente ao Concílio de Niceia. O Credo de Niceia é uma expressão vinculativa de fé não apenas para católicos e luteranos, mas também para nossos irmãos ortodoxos e para muitas outras comunidades cristãs. É um tesouro comum: esforcemo-nos para que o 1700º aniversário daquele grande Concílio, que se realizará em 2025, dê um novo impulso ao caminho ecumênico, que é um dom de Deus e para nós um caminho irreversível.
Um único batismo.
Queridos irmãos e irmãs, tudo o que a graça de Deus nos dá a alegria de experimentar e partilhar — a superação crescente das divisões, a cura progressiva da memória, a colaboração reconciliada e fraterna entre nós – encontra o seu fundamento precisamente no “único batismo para a remissão dos pecados” (Credo Niceno-Constantinopolitano). O santo batismo é o dom divino original, que está na base de todos os nossos esforços religiosos e de todo o empenho para alcançar a plena unidade. Sim, porque o ecumenismo não é um exercício de diplomacia eclesial, mas um caminho de graça. Não depende de mediações e acordos humanos, mas da graça de Deus, que purifica a memória e o coração, supera as rigidezes e nos guia para uma comunhão renovada: não para acordos descendentes ou sincretismos conciliatórios, mas para uma unidade reconciliada em suas diferenças. Diante disso, desejo encorajar todos os que estão engajados no diálogo católico-luterano a prosseguir com confiança na oração incessante, no exercício da caridade compartilhada e na paixão pela busca de uma maior unidade entre os diversos membros do Corpo de Cristo.
Um corpo.
A este respeito, a Regra de Taizé contém uma bela exortação: “Tende paixão pela unidade do Corpo de Cristo”. A paixão pela unidade amadurece no sofrimento que sentimos diante das feridas que infligimos ao Corpo de Cristo. Quando sentimos dor pela divisão dos cristãos, aproximamo-nos do que Jesus viveu, que continuou a ver os seus discípulos desunidos, as suas vestes rasgadas (cf. Jo 19,23). Hoje me presentearam com uma pátena e um cálice que vêm precisamente das oficinas de Taizé. Agradeço-vos estes presentes, que evocam a nossa participação na Paixão do Senhor. Na verdade, também nós vivemos uma espécie de paixão, no seu duplo sentido: por um lado, o sofrimento, porque ainda não é possível reunir em torno do mesmo altar, o mesmo cálice; de outro, o ardor a serviço da causa da unidade, pela qual o Senhor orou e ofereceu a sua vida.
Vamos, portanto, prosseguir com paixão o nosso caminho do conflito à comunhão pelo caminho da crise. A próxima etapa será compreender os vínculos estreitos entre a Igreja, o ministério e a Eucaristia. Será importante olhar com humildade espiritual e teológica para as circunstâncias que levaram às divisões, confiando que embora os tristes acontecimentos do passado não possam ser desfeitos, eles podem ser relidos dentro de uma história reconciliada. A sua Assembleia Geral de 2023 pode ser um passo importante para purificar a memória e aumentar os muitos tesouros espirituais que o Senhor colocou à disposição ao longo dos séculos.
Queridos irmãos e irmãs, o caminho do conflito à comunhão no caminho da crise não é fácil, mas não estamos sós: Cristo nos acompanha. O Senhor crucificado e ressuscitado abençoe a todos nós, e em particular a você, querido reverendo Junge, querido amigo Martin, que encerrará seu serviço como secretário-geral no dia 31 de outubro. Agradeço-vos de todo o coração mais uma vez pela vossa visita e convido-vos a rezar juntos, cada um na sua língua, o Pai-Nosso pelo restabelecimento da plena unidade entre os cristãos. E a forma de o fazer, deixamos ao Espírito Santo que é criativo, muito criativo e também poeta.
Oremos ao Pai Nosso. “Pai Nosso…”.
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Mensagem do Papa aos Luteranos: “Jesus nos acompanha no caminho do conflito à comunhão” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU