26 Mai 2021
Onda de mortes que se ergueu no Brasil a partir de janeiro atinge Argentina, Uruguai e Paraguai. Entre os fatores da tragédia estão a falta de vacinas e a difusão da P1, a “variante brasileira” do vírus — chamada por alguns de “cepa Bolsonaro”.
A reportagem é de Raquel Torres, publicada por Outras Palavras, 25-05-2021.
A América Latina responde hoje por mais de 30% de todos os óbitos do mundo por covid-19, passando de um milhão de mortes na semana passada. Tirando o peso do Brasil nisso, a situação dos países vizinhos também é catastrófica. Segundo a plataforma Our World in Data, Argentina, Uruguai e Paraguai estão hoje entre os sete países com a maior proporção de novos casos por milhão de habitantes, na média semanal – e os três lideram o ranking de óbitos globais, também em relação ao tamanho da população.
O Uruguai passou praticamente ileso pela pandemia em 2020, apesar de nunca ter declarado um bloqueio nacional. Mas viu sua curva de casos começar a se inclinar no fim do ano e, desde meados de fevereiro, vive uma gigantesca escalada; houve uma breve queda este mês, que rapidamente foi revertida. Com 3,5 milhões de habitantes, o país tem hoje a maior taxa de mortes diárias do mundo. Por lá, alguns especialistas creditam o caos à variante P.1, que se tornou dominante. Em março ela estava em 75% das amostras; em abril, eram 89%; e, na primeira quinzena de maio, chegou a 99%. O sistema de saúde está pressionado, tanto na atenção primária como nos hospitais, e o país bate recordes atrás de recordes. O governo federal chegou a decretar medidas restritivas ainda em março, mas, mesmo com o vírus em alta, decidiu começar a afrouxá-las esta semana.
Os números alarmantes contrastam com a boa campanha de vacinação no país. Apesar de ter começado tarde, no fim de fevereiro, ela é hoje uma das mais avançadas do mundo. Mais de 45% da população tomou alguma dose da vacina, e quase um terço está totalmente imunizada; cerca de 80% das doses administradas são da CoronaVac, e o restante se divide entre Pfizer e um punhado da AstraZeneca. A esperança é que essa ampla cobertura consiga logo frear o vírus, mas, por enquanto, não é o que as curvas parecem mostrar.
O segundo pior país da região hoje é o Paraguai e, lá, aumentar a vacinação rapidamente sequer parece uma opção viável. Menos de 1% da população está totalmente imunizada; só 3,5% tomou alguma dose. Segundo o governo federal, foram adquiridas 8,2 milhões de doses (para uma população de 7 bilhões de habitantes), mas só 489 mil chegaram. O país depende muito da Covax Facility, que responde por mais de metade das doses acordadas. Mas, como se sabe, a entrega do consórcio está lenta, principalmente com as restrições de exportação da Índia. Das 4,2 milhões de vacinas que o Paraguai comprou pelo mecanismo, só 170 mil chegaram. Quem mais está entregando é a chinesa Sinopharm, mas mesmo assim é pouco: de um milhão de doses adquiridas, chegaram 250 mil. Fora isso, há uma aposta na Sputnik V, que só entregou 64 mil doses, de um milhão contratadas.
A campanha argentina também está patinando por falta de imunizantes. O país chegou a mais ou menos 26% da população coberta com uma dose, mas os totalmente imunizados são apenas 5%. A discrepância é pior do que a brasileira, mas a origem do problema é a mesma: foram distribuídas as primeiras doses, mas depois não continuou chegando um número suficiente de vacinas. O governo argentino também decidiu estender o intervalo entre as doses, mas ainda mais do que no Brasil: para “no mínimo” três meses. A situação parece um pouco mais grave com a Sputnik V, a mais usada no país, porque os componentes de ambas as doses são diferentes (cada uma usa um adenovírus). Ou seja: é preciso esperar chegarem carregamentos específicos para a segunda dose. Porém, em vez deles, só estão chegando mais primeiras doses. Os outros imunizantes em uso são o da Sinopharm e o da AstraZeneca.
O país passa pelo seu pior momento na pandemia, com 500 mortes diárias – o que é muito, sobretudo considerando seus 45 milhões de habitantes. O governo anunciou um novo lockdown de nove dias, a partir do último sábado, nas regiões consideradas mais críticas.
Pelo menos dez países estão considerando aplicar imunizantes diferentes na segunda dose contra a covid-19, segundo uma matéria da Reuters. Como já mencionamos aqui, em alguns deles a orientação tem a ver com as preocupações de segurança envolvendo os (raríssimos) coágulos e a vacina de Oxford/AstraZeneca. Em outros, está relacionada à irregularidade nas entregas. O Reino Unido, por exemplo, informou em janeiro que permitiria pessoas receberem uma vacina diferente na segunda dose em ocasiões raras e específica como a falta do primeiro imunizante.
Estão se multiplicando também os testes para avaliar o que acontece com essas combinações. Na semana passada, comentamos resultados positivos já obtidos em relação à mistura entre AstraZeneca/Pfizer. E as Filipinas pretendem começar os primeiros (até onde sabemos) estudos para avaliar como a CoronaVac funciona junto com outras marcas. Cerca de três mil pessoas que receberam uma dose do imunizante receberão o reforço de outro fabricante. A ver.
O comandante-geral do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira, abriu ontem uma apuração disciplinar sobre a participação do general Eduardo Pazuello no palanque de Jair Bolsonaro, no Rio. Segundo o Estadão, o procedimento é uma forma de o Exército garantir a Pazuello o direito de defesa, mesmo que sua infração esteja amplamente documentada. A pena pode variar de mera advertência verbal a prisão por no máximo 30 dias.
Em Quito (onde foi assistir à posse o presidente Guilherme Lasso), Jair Bolsonaro soube que o Ministério da Defesa e o Comando do Exército divulgariam uma sobre o caso. O resultado, também de acordo com o Estadão, foi o seguinte: “[Bolsonaro] telefonou diretamente para o general Braga Netto (Defesa) proibindo a divulgação de qualquer manifestação pública a respeito do caso. A ordem foi cumprida, e o Exército, que informou mais cedo aos jornalistas que iria se pronunciar, cancelou o envio do comunicado à imprensa”.
Quanto à CPI da Pandemia, parece estar mesmo se desenhando uma reconvocação do general. E o presidente da Comissão, Omar Aziz (PSD/AM), disse que Pazuello vai sair “algemado” se mentir de novo. “Não posso afirmar que vou prendê-lo, mas pode ter certeza que, se ele mentir… Se ele tiver um habeas corpus, eu não poderei prendê-lo. Manda ele sem habeas corpus lá, ele não vai brincar mais com a CPI e a população brasileira”, disse ao UOL. Aziz foi quem barrou o pedido de prisão de Fabio Wajngarten, ex-titular da Secom, que mentiu diversas vezes em seu depoimento.
Aliás, ministros do STF disseram ao Valor que o habeas corpus não permitia a Pazuello mentir. O general poderia ficar calado, mas não faltar com a verdade. A reportagem diz ainda que o habeas corpus continua valendo, mas que, em caso de mentira, “o procedimento padrão seria apenas lavrar um auto de prisão em flagrante e liberá-lo para responder em liberdade – o Código de Processo Penal (CPP) não admite preventiva para crimes cuja pena seja de até quatro anos, como o falso testemunho”.
Em tempo: relator Renan Calheiros (MDB-AL) quer chamar também para depor o governador do Rio, Cláudio Castro (PSC), que mobilizou mil policiais militares para garantir a segurança da manifestação de Bolsonaro.
Daqui a pouco a CPI ouve a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, conhecida como Capitã Cloroquina.
Ela começou a ficar famosa em 2013, quando gritava contra a presença de profissionais cubanos no programa Mais Médicos. Candidatou-se a uma vaga no Senado em 2018, mas não levou. Entrou do Ministério da Saúde pelas mãos de Luiz Henrique Mandetta, ele próprio um ferrenho opositor ao Mais Médicos. E acabou vendo seu nome crescer de novo no ano passado, com a defesa do kit covid. Foi um das organizadoras do “Dia D contra a covid-19”, que acabou não acontecendo, mas consistiria em orientar a população sobe o uso precoce de remédios que não funcionam. Ela pretende, na CPI, apresentar “pesquisas” que sustentem sua posição.
Mas não era bem o tratamento precoce que sua secretaria deveria alavancar. O Globo mostra que a iniciativa “O Brasil conta comigo” , lançado em abril do ano passado para reforçar o quantitativo de profissionais na linha de frente da pandemia, teve resultados pífios: cadastrou um milhão de profissionais, 454 mil manifestaram interesse em participar, mas só 518 (0,1% dos interessados) foram de fato enviados a estados do Norte. Também houve o cadastro de 113 mil estudantes da Saúde, mas só 8,8 mil foram recrutados (7,9% do total).
A propósito: o ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, coronel Élcio Franco, tinha depoimento marcado para esta quinta-feira. Mas… pediu para ser representado pela AGU. Disse estar se recuperando após ter se infectado com o coronavírus há 22 dias. O depoimento deve ser adiado para o dia 8 de junho.
O Brasil chegou ontem a 450 mil mortes registradas por covid-19, com os óbitos ainda em queda, mas os casos subindo consistentemente. Temos 20% da população vacinada com alguma dose. e cerca de metade tomou a segunda também.
O Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, deu uma enganada em relação à isso na OMS, quando discursou na abertura da Assembleia Mundial da Saúde: disse que temos 55 milhões de pessoas imunizadas no país, quando na verdade são 42 milhões.
Essa não foi o único erro. Queiroga declarou que o Brasil recomenda firmemente as “medidas não farmacológicas para toda nossa população” – um dia depois do show de Jair Bolsonaro com Eduardo Pazuello no Rio.
E documentos enviados pelo Ministério das Relações Exteriores à CPI da Pandemia mostram que o Brasil chegou a solicitar à Covax Facility, em agosto, doses suficientes para imunizar 20% da população, mas mudou de ideia um mês depois e cortou o pedido pela metade.
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A pandemia castiga a América do Sul - Instituto Humanitas Unisinos - IHU