19 Abril 2021
“Tem gente dormindo mais para pular uma refeição. Tem gente que vende o botijão para comprar comida e cozinhando com lenha. A situação é dramática”. Este foi um dos cenários apresentados na noite da última quinta-feira, 8, quando o Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS) realizou a primeira edição de 2021 do Sinpro/RS Debate. O tema escolhido foi “Inflação e custo de vida na atual política econômica". O debate segue disponível no YouTube.
A reportagem é de César Fraga, publicada por Jornal Extra Classe, 15-04-2021.
Os painelistas convidados foram Patrícia Lino Costa (autora do relato que abre esta matéria), economista da área de preços do Departamento Intersindical de Economia e Estatística (Dieese) e André Moreira Cunha, economista e pesquisador do Departamento de Economia da Ufrgs.
Na abertura, a diretora do Sinpro/RS, Cecília Farias, destacou o objetivo do evento, que desde seu lançamento, em 2018, busca aprofundar o debate sobre as grandes questões da conjuntura brasileira que afetam os professores e a sociedade como um todo.
“O contexto dessa pandemia avassaladora afeta a economia de todos os países. Impacta a empregabilidade e as condições de salário e de vida de todos os professores e dos trabalhadores de um modo geral. Mas, é importante que se diga, afeta de um modo diverso e desigual quem está na dependência das políticas econômicas implementadas por cada governo nacional., da capacidade dos governos de implementar ou não políticas públicas para atenuar os impactos danosos da pandemia. A fome tem atingido uma vasta camada da população de uma forma que já não acontecia há alguns anos”, contextualiza Cecília.
A mediação do debate ficou a cargo de Cassio Bessa, também diretor do Sinpro/RS. “Com o país mergulhado na pandemia da covid-19, o desemprego avança de um lado e, de outro, os empregos formais passam a enfrentar defasagem salarial. Tudo isso no contexto de uma política econômica que privilegia o mercado financeiro e as grandes empresas e que não tem apresentado sequer respostas, muito menos soluções compatíveis para enfrentamento dos problemas, agravados pela pandemia, trazendo graves consequências”, introduziu o tema antes de dar a palavra aos convidados.
A inflação divulgada um dia após o debate confirmou as análises apresentadas. Ficou em 0,93%, a taxa mais alta para o mês desde 2015, quando alcançou 1,32%. Em março de 2020, a variação havia sido de 0,07%. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumula variação de 2,05% no ano e de 6,10% nos últimos 12 meses. Os principais impactos vêm dos aumentos nos preços de combustíveis (11,23%) e do gás de botijão (4,98%). Os dados foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Apesar de uma pequena retração nos preços, registrada em março, a inflação de alimentos segue alta e acumulou perdas salariais aos trabalhadores ao longo da pandemia. A inflação do grupo alimentação e bebidas (0,13%) vem desacelerando, mas os preços continuam subindo, porém, menos a cada mês. As variações anteriores foram de 1,74% em dezembro, 1,02% em janeiro e 0,27% em fevereiro.
Conforme o IBGE, o fenômeno se deve à falta de dinheiro para comprar alimentos, que tiveram alta de 14,09% em 2020, mas, desde dezembro, apresentam uma tendência de desaceleração. Conforme o instituto, alguns fatores contribuem para isso, como uma maior estabilidade do câmbio e a redução na demanda por conta da suspensão do auxílio emergencial.
Patrícia Lino Costa explicou a diferença entre os conceitos de inflação, carestia, cesta básica e custo de vida. Apresentou os dados da variação de preços da cesta básica nos últimos 12 meses e explicou de que forma as políticas agrícola e de importação e exportação do país impactam no preço dos itens consumidos pelos brasileiros.
De acordo com os dados apresentados por ela, mesmo com inflação geral de 6,22% (INPC), a inflação de alimentos foi de 16,22%, na habitação, 4,88% e gás de cozinha, 14,99%. No acumulado de janeiro a dezembro o óleo de soja registrou alta de 103,79%. “Cada família e cada faixa tem uma dinâmica distinta de gastos, um custo de vida diferente”, explica. Ainda assim, isso varia de região para região.
“A gente chegou na pandemia num momento extremamente precarizado e desestruturado do mundo do trabalho. Do pouco que se foi construindo em termos de direitos, foi-se perdendo pela reforma trabalhista e sindical. Os sindicatos ficaram numa situação extremamente complicada. E dentro deste cenário a gente encontra a pandemia. Com um mercado de trabalho onde a informalidade deixou de ser ilegal e passou a ser legal. Neste exato momento o salário não sobe. Como negociar na iminência do desemprego?”, questionou a economista.
Segundo ela, ficou ainda mais difícil fazer negociações sobre perdas salariais ou de condições de trabalho com essa realidade que estamos vivendo. “Os sindicatos também estão passando por reestruturação por questão de sobrevivência à reforma, os trabalhadores com medo. E o salário vai perdendo poder de compra. De 2011 a 2013 o salário mínimo comprava duas cestas básicas e meia e hoje compra uma sexta e meia. O que o salário mínimo perdeu, os outros salários perderam junto”, justifica.
O que a inflação fez, de acordo com a economista, foi tirar o poder de compra do dinheiro que as pessoas têm. “A gente tem a taxa média de inflação como referência. Mas, para as famílias de baixa renda a inflação é maior, porque elas gastam mais, proporcionalmente, da sua renda, para comprar alimentos. Então, o cenário deste momento é muito negativo. Como eu disse antes, não são poucos os casos de pessoas esticando o sono para pular refeições e que vendem botijões de gás para comprar comida. A situação é dramática”, alerta.
“O Brasil é um país com um imenso passado pela frente”. Ao citar Millôr Fernandes, no começo de sua apresentação, o economista André Moreira Cunha introduziu a discussão sobre a questão econômica na pandemia no contexto internacional e como isso impacta internamente no país a partir de uma perspectiva histórica nacional e mundial.
“As economias, tanto a brasileira quanto a global, já vinham experimentando um processo de transformações e de desafios muito complexos. Por exemplo, no período dos anos 2000, com a crise financeira internacional, principalmente em 2008 a 2009, houve um primeiro impacto. E vai ser a primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, que nós vamos ter, no âmbito internacional, uma variação negativa da renda e da renda per capita”, relata.
Conforme o economista, no começo dos anos 1980 houve uma avaliação, pequena, porém, positiva, da renda, mas a renda per capita caiu. A renda per capita é o total da renda menos o crescimento da população.
“Agora em 2020, a renda como um todo caiu 3 a 4 pontos percentuais. Isso implica em uma queda de renda per capita que fica ao redor de 2% a 3%. Isso quer dizer que do pós-guerra para cá nós tivemos três momentos de queda da renda per capita, sendo dois deles num horizonte de tempo muito curto. Isso sugere que alguma coisa pode não estar funcionando muito bem”, constata.
Se nós olharmos para o Brasil, vamos observar que nas últimas quatro décadas o país perdeu dinamismo econômico. Mesmo antes da eclosão da pandemia já havia uma situação de baixo crescimento da renda de um modo geral. Alguns países iam bem, outros nem tanto. Mas para o conjunto da economia, dava para caracterizar como crescimento baixo. Um crescimento também com uma qualidade muito particular no sentido de que a diferença de renda em vários países foi aumentando. Então a ideia da desigualdade e da distribuição da renda é algo que marca o século 21 com maior intensidade.
Cunha explica como o mundo assistiu aos desdobramentos deste processo da crise financeira desde 2008. Nos países mais avançados o cidadão de classe média passou a ter uma vida bem mais difícil.
“No sul da Europa, por exemplo, no auge dessa crise, metade dos jovens não conseguia emprego. Este dado melhorou um pouco, mas em alguns países quase um terço dos jovens com formação superior não consegue inserção no mercado de trabalho ou consegue com tempo parcial”, ilustra.
E essas classes médias que se sentiram, de alguma forma, deixadas para trás, começaram a reagir e aderir a movimentos políticos chamados populistas. “Isso resultou em um processo de repúdio à globalização. Um exemplo é a saída do Reino Unido da União Europeia, no Brexit e na eleição de alguns governos, como foi o caso do Trump nos EUA e de outros líderes como ele”, explana.
De acordo com o economista, as mudanças climáticas – que aumentam o custo dos financiamentos agrícolas e geram incertezas no mercado financeiro – e a desigualdade social são os principais problemas a serem enfrentados. “O Brasil sofre com esses dois problemas. De 2014 para cá, o país, no conjunto da América do Sul, regrediu na questão da desigualdade e da pobreza, que haviam diminuído nos últimos 15 ou 20 anos. Digo isso para afirmar que a pandemia surge quando o país já estava muito vulnerável”. Em sua fala, o economista também criticou o sucateamento feito pelos últimos governos de órgãos de estocagem, distribuição e regulação de preços como a Conab e os efeitos disso na inflação e no custo de vida.
O Sinpro/RS Debate contou ainda com a participação da diretora do Sinpro/RS, Patrícia Dyonisio de Carvalho, na intermediação das perguntas entre público e painelistas, e com a interpretação em libras feita por Ângela Russo e Patrícia Ughy, da Para Todos Acessibilidade.
O evento promovido pelo Sinpro/RS também contou com apoio do Sinpro Noroeste e do Sinpro Caxias.
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A inflação dos alimentos comeu os salários - Instituto Humanitas Unisinos - IHU