Iraque. Com al-Sistani, a esperança de uma reviravolta

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06 Março 2021

Ao encontrá-lo em Najaf, Bergoglio espera que Sistani consiga garantir a reconstrução de um tecido plural.

A opinião é de Renzo Guolo, sociólogo italiano e professor da Universidade de Pádua, em artigo publicado em La Repubblica, 05-03-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o texto.

O Papa Francisco se encontra com o grande aiatolá Sistani. Visita privada, de acordo com o protocolo: na realidade, um dos momentos mais significativos da viagem ao Iraque. Sistani, chefe da hawza de Najaf, o mais importante seminário teológico do xiismo iraquiano, é uma figura decisiva nos frágeis equilíbrios do país.

Da invasão estadunidense de 2003 à guerra civil após a queda de Saddam Hussein, do apelo para lutar contra o ISIS às disputas sobre o papel das milícias xiitas, não há nenhum momento crítico no qual ele não tenha desempenhado um papel-chave. Apesar da sua relutância em relação à política.

Sistani, de fato, é o representante de maior autoridade da corrente tradicionalista xiita, aquela que considera todo poder desprovido de legitimidade, pois, segundo a crença religiosa, essa é uma prerrogativa exclusiva do Mahdi, o 12º imã da shia, a liderança da comunidade de fé que a teologia alid considera temporariamente oculta: ela voltará, messianicamente, no fim dos tempos para instaurar o Reino da Justiça. Até aquele momento, a relação dos fiéis com a política responde a meras necessidades funcionais.

Isso não significa que eles sejam indiferentes a quem governa, mas que não lutarão por uma ordem em conformidade com a Lei divina, tarefa que cabe ao Mahdi. A ocultação que já dura mais de um milênio não só produz a relativização do presente, mas também faz da shia uma comunidade da Espera.

Essa teologia seria posta duramente a prova por Khomeini, que, precisamente em Najaf, onde ele encontrou refúgio nos anos 1960 após ser expulso do Irã pela sua oposição ao Xá, operou uma verdadeira cisão com a tradição. Para Khomeini, não é possível que Deus queira que os fiéis à espera sejam governados pelos seus “inimigos”: até o retorno do Imã oculto, é o clero xiita que exerce o poder. Recompondo a relativa autonomia da política em relação à religião, intrínseca ao quietismo da espera, nas asas da doutrina do velayat-e-faqih, o governo do jurisperito ou do douto.

As vibrantes teses de Khomeini abalariam os velhos muros do seminário de Najaf, que se dividiria entre aqueles, a maioria, que permaneceriam fiéis à tradição e aqueles, uma intensa minoria, que veriam no ativismo político a verdadeira natureza de uma religião nascida do grande cisma do Islã como “rejeição da injustiça”.

Originário de Mashad, no Irã, mas transplantado para o Iraque desde os anos 1950, Sistani ficará do lado daqueles que, como o grande aiatolá Hakim, se opõem às teses de Khomeini. Tendo-se tornado, com o passar do tempo, uma seguidíssima marja al-taqlid, fonte de imitação, papel de absoluta importância na restrita hierarquia horizontal do alto clero xiita, Sistani privilegiaria o eixo político e teológico Bagdad-Najaf em vez de Teerã-Qom. Impedindo a ambição hegemônica iraniana, que visa a recompor unitariamente, sob a insígnia da tradição revisitada em chave khomeinista, o grande espaço georreligioso e geopolítico xiita moldado pela comunidade de fé, pelas cidades sagradas metas de peregrinação, pelas referências espirituais transnacionais constituídas pelos próprios grandes aiatolás. Ambição contra a qual o idoso líder da hawza de Najaf move os seus peões, em um complexo jogo com o supremo guia iraniano, o quase coetâneo e conterrâneo Khamenei, ele também natural de Mashad, expressão daquele clero revolucionário que parece olhar fervorosamente para o Deus do Político mais do que para o Deus da Devoção.

Na lógica da coalizão das minorias, os cristãos no Iraque historicamente tiveram boas relações com os sunitas: pelo menos até o advento do ISIS. Agora, é com os dominantes xiitas que eles devem encontrar entendimentos.

Ao encontrá-lo em Najaf, Bergoglio espera que Sistani consiga garantir a reconstrução de um tecido plural.

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