04 Setembro 2020
Eles são quinze. Viajaram de Paris a Roma, de trem e de ônibus – a pegada de carbono obriga a isso –, para conversar sobre ecologia com o Papa. Francisco vai recebê-los na manhã desta quinta-feira, 3 de setembro, no Vaticano, para uma significativa audiência. A atriz Juliette Binoche, eminente integrante dessa delegação, vai oferecer-lhe mudas de Artemisia annua, conhecida como artemísia ou absinto chinês, “uma planta muito promissora na prevenção e no tratamento da malária”, afirma esta artista muito comprometida com a luta contra o aquecimento global. “Não sou católica, confessa ela, também teria dito ‘sim’ a um grupo que iria se encontrar com o Dalai Lama, porque essas consciências universais têm influência para alertar sobre a emergência climática no plano universal. É necessário justamente criar pontes interiores entre os diferentes mundos. Tudo será possível porque a ecologia começa quando você faz as pazes com o próximo”.
A reportagem é de Jean-Marie Guénois, publicada por Le Figaro, 02-09-2020. A tradução é de André Langer.
Depois que o ônibus, que saiu de Nice na noite desta terça-feira, entrou na cidade de Roma na quarta-feira ao meio-dia, Juliette Binoche especificou por telefone: “Chego aqui com um espírito de abertura e sem preconceitos para contar ao Papa tudo o que fazemos e para ouvir o que ele quer nos dizer sobre a ecologia. Eu vejo isso como um momento de partilha. Eu li a encíclica Laudato Si’ dedicada à ecologia e foi para mim uma lufada de ar fresco”.
Com ela está, especialmente, Audrey Pulvar, adjunta da prefeita de Paris, encarregada da agricultura, alimentação e circuitos curtos, Valérie Cabanes, advogada internacional, que luta pelo reconhecimento do crime de ecocídio e dos direitos da natureza, Maxime de Rostolan e sua esposa, fundador da Fermes d'avenir, Blue Bees et Communitrees, o jesuíta Gaël Giraud e Pablo Servigne, pesquisador e autor, cujo livro Comment tout peut s’effondrer (Como tudo pode desmoronar) foi publicado em 2015.
Este último testemunha: “Eu vim no espírito da Laudato Si’, um texto extraordinário, e com um espírito de diálogo para sair de nossas divisões e de nossos rótulos. A Igreja Católica não é a única religião neste terreno da ecologia, mas ela tem influência. Sou meio colombiano e estou particularmente impressionado com o vínculo que Francisco estabeleceu com os povos indígenas da Amazônia que precisam ser protegidos”.
Esses quinze apóstolos de um novo tipo estão todos “comprometidos com a salvaguarda do planeta”. Eles estarão acompanhados por um bispo durante o encontro com o papa, dom Éric de Moulins-Beaufort, presidente da Conferência Episcopal Francesa. Este prelado, um ciclista urbano convicto, dedicou o encontro anual dos bispos católicos em Lourdes, no outono de 2019, à questão do clima e da ecologia.
“Nós nos envolvemos na continuação da Assembleia de Lourdes”, explica Raphaël Cornu-Thénard, protagonista desta iniciativa romana. Arquiteto de profissão, pai de família, é um leigo muito engajado na Igreja – fundou o movimento Anúncio e a Assembleia Missão: “Vários de nós fomos convidados a falar aos bispos em Lourdes, continua. Surgiu então a ideia de ir ao encontro do Papa escolhendo um transporte lento, propício ao intercâmbio, para nos apresentarmos a Francisco como um grupo tem alguma coisa em comum, mesmo que venham de origens totalmente diferentes. Muitos estão longe da Igreja, mas todos são profetas da ecologia. Com o Papa, queremos lançar um processo construtivo para ver, apesar das diferenças, como lutar juntos para mudar o planeta. Procuramos precisamente criar pontes entre a Igreja e as pessoas da sociedade que se identificam com a Encíclica Laudato Si’. Este acordo global sobre a Laudato Si' não impede os debates entre nós, como vimos durante esta viagem”.
Esgotado por estas horas de viagem mas feliz por ter chegado ao destino, este organizador passa o telefone a Jean-Pierre Denis, ex-diretor do semanário La Vie, também presente na viagem: “Eu sou um passageiro clandestino” admite este jornalista, curioso sobre tudo. O seu último livro Un catholique s’est échappé (Cerf) o situa, ele retroage em relação ao acontecimento: “Este grupo não é representativo de nada, mas representa a preocupação de todos. Vai ser interessante ver os caminhos que vai abrir em profundidade para conectar mundos que normalmente não se falam. Muitas vezes, eles têm que se criticar, mas também se aproximar. O Papa e a Igreja devem ouvir o que os outros têm a lhes dizer sem reintegrá-los. A crise climática exige urgentemente este diálogo que é sério e que não é, aqui, uma questão política. Deve ser extremamente fecundo para os católicos que demoraram muito tempo para difundir a mensagem da Laudato Si’ publicada há cinco anos”.
Os visitantes chegam ao Vaticano em um contexto muito propício. O Papa Francisco, que fala da terra como “casa comum” ou como “o planeta jardim”, instituiu o dia 1º de setembro como “dia mundial de oração pela salvaguarda da Criação”. Neste dia, ele lançou um “Jubileu pela Terra”, que também chama de “O tempo da Criação”, que vai até o dia 4 de outubro, festa de São Francisco de Assis.
Em mensagem publicada para a ocasião, o papa espera que os cristãos percebam “de maneira existencial” durante este mês o quanto a terra é uma “criação de Deus”. Que eles também se “arrependam” dos “laços” que foram “quebrados” entre “o Criador, os seres humanos e o resto da criação” de maneira a “repará-los”.
Ele também pede aos fiéis que, durante este mês de setembro, se ponham “a ouvir a terra” e os “batimentos da criação” porque “somos parte, e não patrões, da rede interligada da vida”.
“É uma alegria ver tantos jovens e comunidades na linha de frente para responder à crise ecológica”.
Finalmente, ele pede uma mudança dos hábitos de vida, porque “os nossos estilos de vida forçam o planeta para além dos seus limites” e a “a criação geme”. Daí a “urgência” de encontrar “estilos de vida equitativos e sustentáveis, que restituam à terra o repouso que ela merece, os meios de subsistência suficientes para todos, sem destruir os ecossistemas que nos sustentam”.
Este esforço é tanto mais oportuno para Francisco quanto a pandemia veio demonstrar a possibilidade de “desenvolver novas formas de vida”. Assim, “o ar ficou mais puro, as águas mais transparentes, as espécies animais voltaram para muitos lugares de onde tinham desaparecido”. O Papa observa: “A pandemia levou-nos a uma encruzilhada”.
Além de muitas recomendações de ordem social, o Papa também pede um trabalho concreto para “restaurar o equilíbrio climático”. E “em preparação à importante Cúpula do Clima em Glasgow, Reino Unido (COP 26)”, ele conclama “cada país a adotar metas nacionais mais ambiciosas para reduzir as emissões”.
Também o objetivo de “restaurar a biodiversidade” para a comunidade internacional para “garantir que a Cúpula da Biodiversidade em Kumming, na China, seja um ponto de inflexão no restabelecimento da Terra como casa onde, de acordo com a vontade do Criador, a vida seja abundante”.
Um Papa que deve, portanto, valorizar a caminhada ecológica deste grupo determinado e militante que veio da França, já que ao final de sua mensagem se regozija com este tipo de iniciativa: “estamos assistindo ao surgimento gradual de uma grande mobilização de pessoas que, partindo das bases e das periferias, trabalham generosamente pela proteção da terra e dos pobres”. E confidencia: “É uma alegria ver tantos jovens e comunidades, especialmente indígenas, na linha de frente para dar resposta à crise ecológica”.
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Juliette Binoche encontra-se com o Papa Francisco sobre a ecologia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU