14 Agosto 2020
Em maio deste ano a Suécia adotou medidas diferentes dos vizinhos europeus: o país escandinavo, que possui cerca de 10,23 milhões de habitantes, apostou na “imunidade de rebanho”, e não decretou lockdown ou restringiu a circulação de seus moradores. O país chegou a ser citado como exemplo a ser seguido, pelo presidente Jair Bolsonaro. Em junho, era o 2º país da Europa com mais casos por habitantes.
A fim de discutir o tema, a Ágora Abrasco reuniu, na semana passada (5/8), os pesquisadores Pedro Hallal, Denise Garret, Expedito Luna e Dirceu Greco, no painel Imunidade natural ou imunidade coletiva à Covid-19. A coordenação foi de Gulnar Azevedo, presidente da Abrasco.
A reportagem é de Hara Flaeschen, publicada por Associação Brasileira Coletiva de Saúde - Abrasco, 12-08-2020.
O termo “Imunidade de rebanho” começou a ser utilizado em relatos científicos no início do século XX, em pesquisas feitas com roedores, para descrever o processo de impedir a propagação de uma doença transmissível a partir de um número de integrantes imunes de uma mesma população. Já em 2020, e para falar de humanos, Dirceu Greco – presidente da Sociedade Brasileira de Bioética e professor da UFMG – considera o termo ruim: as expressões mais apropriadas, além de “imunidade natural”, segundo o pesquisador, são “Imunidade coletiva” ou “imunidade de grupo”.
Imunidade coletiva para coronavírus é um “argumento falacioso”, para Denise Garreth, vice-presidente do Sabin Vaccine Institue. A pesquisadora afirma que não se sabe ainda quanto tempo a imunidade dura – e exemplifica que doenças “velhas” conhecidas, como sarampo e caxumba, apresentam imunidade prolongada, e, ainda assim, “nunca foi possível alcançar a imunidade de rebanho para essas doenças”. Elas só foram erradicadas no Brasil com vacinas – e ainda assim voltam, porque a imunidade é “porosa”: “Imunidade natural não é uniforme nas populações. Bebês nascem, pessoas se mudam, e os grupos não imunes se misturam aos imunes”, explicou.
Alguns estudos apontam que, no caso da Covid-19, seria necessário de 60 a 70% de pessoas imunes, em uma população, para impedir a circulação do vírus. Outros estudos indicam que este limiar seria 20%, o que, no Brasil, fortaleceu discursos políticos contra distanciamento físico e a favor da reabertura de escolas, comércio e serviços não essenciais. Isto é porque a melhor medida, para entusiastas da “imunidade de rebanho”, seria esperar o número suficiente de habitantes se contaminarem e ficarem imunes, apesar das mortes evitáveis que a espera causa – o país já contabiliza mais de 100 mil mortes.
Expedito Luna, pesquisador do Instituto de Medicina Tropical da USP, acrescentou que os modelos matemáticos, ainda que sofisticados, são representações simplificadas da realidade. Para o epidemiologista, é preciso considerar taxa de reprodução variáveis, expectativa de vida, diferenças etárias nas taxas de contato, taxas de contato entre um grupo etário e outro, imunidade materna, sazonalidade, densidade populacional, por exemplo.
Pedro Hallal, reitor da UFPel, e coordenador da pesquisa EPICOVID -19, disse que não é possível tratar imunidade coletiva como meta, porque seria “às custas das vidas de muitas brasileiras e muitos brasileiros”. Hallal pontuou que o índice de contaminação pode baixar antes de atingir 20% – ou 70% – da população brasileira. “Os exemplos no mundo mostram o que serviu para frear o vírus: testagem em larga escala, rastreamento de contatos, isolamento precoce dos casos para evitar que o R0 aumente muito e distanciamento social”.
Assista ao painel completo, na TV Abrasco:
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“Imunidade de rebanho é argumento falacioso” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU