06 Agosto 2020
"Na complexa prática de imunização do vírus, descobrimos como é fácil para os filósofos e os teólogos, como para todos os homens e mulheres, perder a fronteira entre 'imunização do contágio' e 'imunização da realidade'", escreve Andrea Grillo, teólogo italiano e professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, Roma, em artigo publicado por Come Se Non, 05-08-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Diante da pandemia, esse contágio quase incontrolável, as estratégias de resposta são "estratégias de imunização". Tornar-se "imune ao vírus" torna-se um objetivo a ser perseguido de maneira mais ou menos eficaz. Não é inútil tentar considerar, no plano do "senso comum" e sem nenhuma competência específica no plano do saber médico, epidemiológico e virológico, como analisar essas estratégias. Algumas distinções podem ser úteis para entender melhor o que está acontecendo.
Essa primeira distinção é muito evidente: por um lado, o vírus é combatido através de uma série de "dispositivos de proteção", que vão desde lavar as mãos até descobrir uma vacina eficaz.
É evidente que algumas dessas práticas são totalmente provisórias - as mãos se lavam várias vezes no mesmo dia - enquanto outras são definitivas.
O sonho da "vacina" é justamente a busca de uma prática definitiva de imunização. De uma vez por todas, a imunidade seria garantida, potencialmente a todos.
Mas, ao lado das "práticas", existem as "teorias". Tanto aqueles que visam uma "imunidade" não individual, mas coletiva (por exemplo, a chamada "imunidade de rebanho") ou seja, as teorias que negam a periculosidade do vírus ou mesmo a própria existência do vírus. Até as "teorias da conspiração", que se imunizam do vírus, deslocando a questão para o plano de uma narrativa diferente, política, econômica, sociológica, ecológica ...
A prática da imunização conhece, como sabemos agora quase de cor, três níveis: mãos, boca/nariz, distância. O contágio é mantido afastado alterando o "tato".
Em primeiro lugar, as mãos - com ou sem luvas - mas que devem sempre ser "higienizadas". O vírus "nos toca" através do órgão com o qual "tocamos".
Depois, boca/nariz, que encontraram proteção – para si e para os outros - na máscara.
Finalmente, a distância, ou melhor, o distanciamento, que garante, pelo menos em um sentido geral, a falta de tato, de contato e, portanto, de contágio.
Todos esses níveis de "imunização provisória" devem ser considerados cuidadosamente. Se os assumimos apenas formalmente, eles serão completamente inúteis.
Vamos pegar o caso da máscara. A máscara não funciona se for colocada debaixo do queixo, no cotovelo ou no bolso. Você deve mantê-la sobre o rosto para que cubra os dois órgãos de expiração e inspiração: boca e nariz. Uma máscara que cobre apenas a boca e não o nariz é inútil.
É claro que essas são "novas atenções", que exigem muito cuidado e também alguma paciência. Mas a imunização formal - isto é, "usar a máscara", mas usá-la incorretamente - não tem valor algum.
Mais radical e muito mais arriscada, é uma estratégia de imunização mais sorrateira e radical. Para "me salvar" do vírus, me afasto da realidade. Isso pode acontecer de duas maneiras, que estão aos antípodas:
- existem aqueles que "negam a pandemia", negam o contágio, reivindicam o primado da liberdade, não toleram qualquer normativa de restrições nos comportamento. Vimos um exemplo disso aparecendo também no debate sobre a declaração "estado de emergência".
Negar que a Itália esteja enfrentando inclusive hoje - não apenas em março e abril - uma condição de emergência foi uma estratégia de "imunização contra o vírus" que nega (até agora) sua incidência. Até juristas de certo prestígio aventuraram-se a negar a possibilidade de definir essa condição como um "estado de emergência". Eu acho que foi sábio, também com base nas dinâmicas internacionais, não afrouxar a atenção para manter baixa a circulação do vírus.
- Mais insidiosa, porém, é outra maneira de "imunizar-se da realidade". O que não é ideológica ou de princípios, mas prática e de oportunidade. Você não nega nenhum dos vínculos estabelecidas pelas instituições, mas não os respeita em seu espírito. Você sempre usa a máscara, mas nunca no lugar certo. Mantém as distâncias quando não é necessário e as reduz terrivelmente quando, ao contrário, seriam úteis não apenas para você. Esse esvaziamento das práticas de imunização é uma maneira de alimentar uma "indiferença" que corre o risco de ter um custo muito alto, e talvez não para nós.
Na complexa prática de imunização do vírus, descobrimos como é fácil para os filósofos e os teólogos, como para todos os homens e mulheres, perder a fronteira entre "imunização do contágio" e "imunização da realidade".
Para conseguir a verdadeira imunidade, devemos superar as "falsas imunidades" que chegam até nós de teorias sem equilíbrio e de práticas sem envergadura real.
Encontrar a via para "ser imunes" ao vírus exige deixar o caminho pelo qual somos mestres em permanecer imunes à vida: seja porque pensamos de já tê-la pensada antes mesmo de tê-la vivida, ou porque pensamos que só podemos vivê-la com a condição de não ter que pensá-la.
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Sobre a verdadeira imunidade e a falsa imunidade: práticas e teorias de luta contra o vírus. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU