15 Mai 2020
Simultaneamente congênita e adaptativa, a imunidade, essa fantástica herança da evolução, mobiliza os pesquisadores, hoje confrontados com uma crise sem precedentes do homem em seu ambiente com a epidemia da Covid-19. Explicações com o professor Jean Sibilia.
Jean Sibilia, decano da Faculdade de Medicina de Estrasburgo, é reumatologista e diretor adjunto da unidade de Imunorreumatologia Molecular do Inserm, que trabalha na resposta imunitária e nos fatores de risco associados a doenças autoimunes.
A entrevista é de Élisabeth Marshall, publicada por La Vie, 11-05-2020. A tradução é de André Langer.
O que é a imunidade e para que serve?
Antes mesmo de assegurar a nossa defesa, nosso sistema imunológico nos permite reconhecer o ambiente e usá-lo. É um software de interface e de intercâmbio que localiza e ouve tudo o que vem do mundo infinitamente pequeno para se defender em caso de agressão. Assim, temos o mundo dos sentidos – olfato, tato... – e nosso sistema locomotor para identificar e fugir das ameaças visíveis e de grandes predadores. Ao passo que temos um microssistema chamado “imunológico” para detectar o inimigo invisível: essas minúsculas partículas que são os vírus, bactérias, parasitas ou substâncias químicas.
Exatamente, como se constrói e organiza essa defesa em nós?
Existem esquematicamente duas barreiras. Uma “congênita”, instantânea, e uma adaptativa, que ocorre em um segundo passo. Falemos da primeira, que chamamos de sistema imunológico congênito. É o mesmo, que se desenvolveu ao longo de quase 1 bilhão de anos, para todos os seres vivos, desde moscas até seres humanos. Essa primeira barreira imediata são as células da pele e as mucosas nasal e pulmonar... Elas estão na linha de frente onde quer que haja intercâmbio e interface com o exterior – é por essas membranas mucosas que a Covid-19 entra!
E depois temos os glóbulos brancos, presentes nos tecidos e no sangue e que são programados para reagir imediatamente, por uma reação inflamatória, para matar o agressor que se apresenta. É nesse arsenal de defesa congênito que encontramos bons pequenos soldados antivirais, os “interferons”. Essas moléculas, produzidas por glóbulos brancos especiais, são dedicadas à defesa de outras células barreira, as NK ou Natural Killer, que são apropriadamente assim chamadas. Em contato diário com os vírus ou outros agressores, eles trabalham permanentemente para impedir que entrem e eliminá-los assim que os encontram. Tudo isso para não ficarmos doentes!
No entanto, essa imunidade não funciona totalmente, uma vez que alguns são afetados pela epidemia...
Sim, porque nem todos temos a mesma barreira de ação imediata, ou seja, a mesma produção de interferons em relação a vírus. Assim como temos olhos azuis, marrons ou verdes, cada um de nós tem seu sistema imunológico. Por exemplo, o que aconteceu no início de abril no navio Charles-de-Gaulle, com uma epidemia ligada à Covid-19 a bordo, ilustra perfeitamente essa diversidade genética. Todos, ou quase todos, eram homens jovens, em boa forma, sem excesso de peso e, à chegada, encontramos 50% dos marinheiros infectados, com uma ou duas formas graves e múltiplas manifestações da doença. Mas este exemplo também mostra que, no enfrentamento da Covid, essa primeira barreira nem sempre é eficaz. Porque existe outro elemento determinante que faz toda a sua gravidade: o vírus com o qual estamos lidando sabe como enganar todo o sistema de defesa e colocá-lo em repouso! É o “parasita” ideal: ele envia chamarizes que neutralizam especialmente a resposta dos interferons.
Se a primeira barreira não parar o agressor, ainda temos um segundo recurso. Você quis dizer um segundo sistema de defesa?
Sim, e é ele que exige toda a nossa atenção hoje. Se a primeira barreira é feita para eliminar rapidamente o inimigo, a segunda, em conexão com ela, é criada mais lentamente, entre 7 e 15 dias após o início da infecção. Desta vez, estamos lidando com linfócitos, dois tipos de glóbulos brancos: os T, matadores de células (“citotóxicos”) e os B, produtores de anticorpos. Levará algum tempo para que o último produza a resposta correta, pois deve encontrar uma resposta específica para cada um dos componentes do vírus. Por fim, é preciso saber que alguns anticorpos são capazes de neutralizar o vírus e outros não. São justamente esses anticorpos “neutralizantes” que um teste sorológico deve ser capaz de dosar, porque são os mais protetores e os mais eficazes. É por isso que leva tanto tempo para desenvolver um bom teste...
Então é essa batalha muito sutil que se trava dentro da célula humana que a imunologia procura decifrar?
Sim, e já sabemos como decompor o vírus para conhecê-lo em detalhes, para identificar algumas partes essenciais, como a famosa proteína S, essa chave que lhe dá uma aparência de cabeça coroada (daí o nome “Corona”) e que permite que o vírus entre na célula humana. Em resposta a essa proteína S, nossos glóbulos são capazes de produzir anticorpos anti-S específicos. Podemos também imaginar tratamentos que visam especificamente bloquear a proteína S do vírus. Mas tudo isso demanda um pouco de tempo! Em resumo, nossa imunidade decorre, portanto, da ação de anticorpos que impedem a entrada do vírus e, quando ele entra, da mobilização de linfócitos que destroem as células infectadas.
Por que precisamos de uma resposta imunológica coletiva além da nossa única defesa individual?
Estima-se que precisamos de 70% das pessoas imunizadas para vencer a batalha da imunidade coletiva. Porque com essa taxa, o vírus não consegue mais sobreviver: não encontra organismos “acolhedores” suficientes para passar de uma célula para outra. De fato, um vírus não pode sobreviver “sozinho” de maneira duradoura: precisa de uma célula “parasita” para permanecer vivo e se multiplicar. É replicando que ele se espalhará, infectando outras células e depois outros indivíduos. Assim, vacinando e produzindo anticorpos contra o vírus, cada um se torna uma barreira que impede a disseminação viral. Portanto, não nos vacinamos para nós mesmos, mas para aumentar a taxa de imunidade geral e, portanto, para a proteção de toda uma população. Um princípio de generosidade coletiva...
Como o comportamento social pode desempenhar um papel nessa batalha pela imunidade?
Faz-nos ganhar tempo. Levará vários meses para ter antivirais verdadeiramente eficazes, e provavelmente 12 a 18 meses para fazer uma vacina. Por enquanto, só podemos retardar a passagem do vírus de um humano para outro porque, mais uma vez, ele não pode viver sem humanos. Deixamos a epidemia progredir até 70% da imunidade coletiva ao adotar um distanciamento físico no estilo japonês: não confinamento, mas uma forma natural de distanciamento e de higiene pública. Na medida do possível, não se aproximar das pessoas, protege-se os outros com a máscara e, acima de tudo, lavando as mãos com muita frequência. É a atitude social que pode fazer a diferença.
Além da proteção coletiva, podemos fortalecer pessoalmente nossas defesas graças à boa saúde?
Uma boa saúde não é suficiente para nos proteger de uma doença viral tão contagiosa. A melhor maneira de lutar continua sendo, em todos os casos, a prevenção pelo distanciamento físico. Mesmo na forma mais olímpica, você não deve ter o vírus em suas mãos, nem levá-lo à boca, nariz ou olhos. Dito isto, é claro, é melhor ter boa saúde para enfrentar a doença! O fato de não ter diabetes ou hipertensão, essas doenças chamadas de “civilização” (e muitas vezes marcadores de precariedade), pode limitar o risco de complicações. Então, sim! Nesse sentido, a vida saudável continua sendo importante: se você come bem, se faz uma atividade física regularmente, se não está muito estressado, é provável que resista melhor!
E qual é o impacto do meio ambiente? A destruição da biodiversidade não contribuiu para facilitar a passagem do vírus dos animais para os seres humanos?
É provável! Obviamente, é surpreendente observar que, durante os últimos 17 anos, fomos afetados por três sucessivos coronavírus epidêmicos. Nós somos mais numerosos sobre a face da Terra; portanto, quando trafegamos animais selvagens, quando os retiramos de seus ecossistemas, eles se tornam um vetor de contaminação direta e causam zoonoses. Conhecemos a história das grandes epidemias, desde o tifo, que matou Péricles em Atenas, até a peste ou a varíola, que exterminou os ameríndios, mas nunca nenhuma epidemia esteve tão ligada a uma perturbação do nosso ambiente. Não podemos mais imaginar a saúde humana sem levar em consideração o fator ambiental.
Isso lhe afeta?
Sim, como pesquisador e como ser humano! Percebo que não podemos mais dissociar as coisas, todas as formas vivas estão conectadas. Mas é difícil levar em consideração a perspectiva global da saúde em nossas pesquisas quando estamos no meio de uma luta para salvar vidas. Portanto, é como se estivéssemos tratando a gangrena de todo o pé cortando apenas o dedo mindinho... Esta terrível epidemia deve nos fazer refletir sobre os principais desafios da saúde de amanhã, sobre a suposta onipotência da ciência e da medicina. A natureza nos recorda o imprevisível e o incontrolável. Essa crise biológica deve nos levar a uma tomada de consciência. Eu a tomo como um sinal!
O que mais o fascina no estudo da imunidade?
A complexidade do relógio e a maneira como as coisas se encaixam: é fantástico pensar que, todos os dias, milhares de linfócitos se mobilizam para enfrentar milhares de micróbios, mas também células anormais, na verdade pré-cancerosas: é o próprio mecanismo da vida. Minha segunda maravilha surge de uma observação: a imunologia é a ciência da curiosidade que aborda o ser humano estudando-o através de suas interações com o mundo. É porque os seres humanos precisam interagir constantemente com seu ambiente social e biológico que esses mecanismos imunológicos existem. E isso desde os primórdios dos tempos.
O Homo sapiens possuía o mesmo sistema que nós; os primatas são próximos a nós. E esse mecanismo sofisticado também atesta as conquistas da evolução. A primeira barreira de defesa congênita, aquela que sempre fornece a mesma resposta ao agressor, já existia quando, na evolução, na era de peixes, o organismo vivo se dotou da sua segunda barreira imunológica, com seus anticorpos e, sobretudo, sua incrível função de adaptação e de memorização. É também graças a esta fabulosa memória imunológica herdada da evolução que a vacinação é possível. A história dos vivos pode ser seguida, traço após traço, através deste incrível mecanismo imunológico.
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“Para alcançar a imunidade coletiva, nossa atitude pode fazer a diferença”. Entrevista com Jean Sibilia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU