11 Setembro 2019
Nenhum outro líder espiritual está se pronunciando tão claramente pelos pobres e pelo meio ambiente nos países em desenvolvimento quanto Francisco.
Publicamos aqui o editorial do jornal The Guardian, 09-09-2019, A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Papa Francisco foi visitar dois dos países mais pobres do mundo, mas, no caminho, ele aproveitou um momento para atacar seus inimigos no país mais rico. Tendo recebido um livro do jornalista francês Nicolas Senèze, que relata os esforços de um grupelho estadunidense de direita para forçá-lo a abandonar o cargo, ele o descreveu como “uma bomba” e disse que era “uma honra quando os americanos me atacam”. Não havia como não entender a profundidade da divisão dentro da maior e mais importante Igreja cristã do mundo.
No mundo desenvolvido, e especialmente na Europa e na América do Norte, o cristianismo organizado está em colapso, principalmente entre os jovens. Isso é tão verdadeiro para a Igreja Católica quanto para qualquer outra. Neste país [Inglaterra], seus números ainda são mantidos pela imigração, e a sua moral, pelo menos em parte, por uma política de evitar Igrejas em grande parte vazias ao usá-la apenas o suficiente para mantê-las cheias; nos EUA, os católicos que abandonaram a Igreja são contados às dezenas de milhões. Em todos esses países, a filiação religiosa cai a cada geração, e não está em vista nenhum fim para esse processo.
A resposta do clero e dos leigos mais engajados tem sido um frenesi de autoculpa. Na Alemanha, França e EUA, a Igreja tem se dividido em partidos liberais e conservadores, cada um dos quais culpa as doutrinas do outro pelo declínio nos números em geral e pelo escândalo dos abusos clericais em particular.
A renúncia do papa Bento XVI aumentou as tensões na Igreja. É a primeira vez desde o século XIV que há dois papas em vida. Independentemente de quão pouco Bento deseje dividir a autoridade do seu antigo cargo, ele se tornou um foco de descontentamento para os conservadores.
O político de extrema-direita italiano Matteo Salvini posou com uma camiseta que dizia: “Meu Papa é Bento”, como parte de sua campanha contra a imigração. Isso faz parte de um padrão mais amplo no qual o catolicismo é reimaginado como garantia da identidade europeia contra o Islã.
Essa linha tem sido defendida pelo ex-conselheiro de Donald Trump, Steve Bannon, que tentou reunir políticos de direita e conservadores teológicos dentro da Igreja Católica. Neste ano, porém, a aliança se desgastou, já que o clero conservador, com muito poucas exceções, vê o verdadeiro inimigo no secularismo, mais do que no Islã – e, em encontros internacionais, a Igreja Católica se aliou aos conservadores muçulmanos contra os direitos reprodutivos das mulheres.
O cardeal Raymond Burke, que acusou o papa de heresia, renunciou ao instituto italiano de Bannon, onde os futuros líderes da extrema-direita deveriam ser formados.
O Papa Francisco continua determinado a reorientar a Igreja na direção do Sul global, onde ela ainda cresce em taxas impressionantes, especialmente na África, e a colocá-la do lado dos pobres. Em Moçambique e Madagascar, ele defendeu a reconciliação entre facções concorrentes. Nas Ilhas Maurício, ele denunciou o uso das ilhas como paraíso fiscal, chamando isso de “modelo econômico idólatra” e apelou ao governo para “desenvolver uma política econômica orientada às pessoas e que saiba privilegiar uma melhor distribuição de renda”.
Por menos que a Igreja pareça importar no mundo desenvolvido, não há nenhum líder espiritual que levante esses argumentos contra o capitalismo irrestrito e a destruição ambiental com tanta força e para tamanha audiência quanto Francisco no Sul global hoje.
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Papa Francisco: uma voz no deserto. Editorial do jornal The Guardian - Instituto Humanitas Unisinos - IHU