14 Junho 2019
"La solitudine di Francesco" [A solidão de Francisco], último livro de Marco Politi, publicado por Laterza, trata de um tema já discutido na época de Bento XVI. A solidão de Bergoglio é a mesma? Francisco desestabiliza porque sabe que o melhor conservador é o reformador? O debate com Lucia Annunziata, Fabrizio Barca, Franco Frattini e padre Federico Lombardi.
O comentário é de Riccardo Cristiano Porpora, publicado por Formiche, 13-06-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
La Solitudine di Francesco
Capa do livro de Marco Politi (Divulgação)
A apresentação do livro de Marco Politi "A solidão de Francisco" conseguiu explicar a complexidade do "caso Bergoglio", um papa que não pode ser contado sem conhecimento de poesia, das regras do governo das grandes empresas, do misticismo, da teologia e da política. Talvez seja assim para todos os papas, talvez de verdadeiramente novo em Bergoglio só exista a centralidade da poesia, como afirma o título de um livro-entrevista com ele: "Deus é um poeta". Certamente foi o que se conseguiu fazer na noite da última quarta-feira, graças a todos os debatedores e, em especial, ao economista Fabrizio Barca e ao crítico literário Paolo Mauri, que com muita acuidade orientou a discussão a partir do confronto entre o papa e a criança, na periferia romana, em Corviale, quando perguntou ao papa se seu pai não havia ido para o paraíso porque não era crente.
É o "fora da Igreja não há salvação", o que nos leva a pensar assim. Mas ele era bom ... Este episódio, que impressionou muitas pessoas, é um dos muitos que rasgou o véu sobre o poeta Bergoglio, o manager Bergoglio, o místico Bergoglio, o teólogo Bergoglio, o político Bergoglio, que chegou ao Serpentone em Roma por uma criança, por uma ideia de governo, pela qualidade de sua fé e por muitos outros motivos.
O episódio é colocado na primeira página de seu livro por Marco Politi, que centraliza todo o significado do contexto escrevendo sobre Corviale: “Aqui em Corviale surge o pesadelo de uma utopia de arquitetos. Eles queriam criar, na década de 1970, um edifício que fosse em si uma pequena cidade. Um arranha-céu horizontal com moradias, escritórios, bancos, lojas. Vagamente inspirado em Le Corbusier e nas linhas sóbrias do modernismo. O resultado foi um gueto de concreto de um quilômetro de comprimento, com nove andares de altura, em três blocos conectados. Com as janelas quebradas em vários lugares, a água invadindo as escadas, os elevadores muitas vezes inoperantes, ligações irregulares com os geradores de energia. Uma colmeia habitada por famílias com crianças, idosos, solitários, traficantes de drogas, pequenos criminosos...". Não precisa ter a confirmação que bancos e lojas nunca chegaram lá para entender a situação. Corviale assim ligou perfeitamente a poesia de Deus, a qualidade jornalística de Marco Politi que escolheu justamente o episódio para abrir seu livro, a teologia de Marinella Perroni e a competência como economista especialista em políticas territoriais de Fabrizio Barca, que causou forte impressão.
Barca lembrou que a descentralização deveria mudar primeiro o centro e depois explicou que, de acordo com um respeitado estudioso de técnicas de governança corporativa, quando uma estrutura complexa, projetada para produzir 100, não consegue passar de 20, então não há uma única correção possível, mas apenas a desestabilização do equilíbrio da empresa. Porque é o equilíbrio entre todos os diferentes componentes da estrutura que agora é funcional para aquele nível de produção e, portanto, apenas desestabilizando-o, se consegue alterá-lo.
Também escreveu a respeito, em um de seus livros nunca banais, o manager Pier Luigi Celli. Talvez seja como dizer que é preciso uma nova equação empresarial para recuperá-la. Ouvi-lo enquanto se pensa e se conversa sobre as reformas de Francisco propicia algumas ideias sobre o porquê do padre Lombardi mencionar duas reformas que não costumam ser citadas como reformas: a escolha do nome, nunca escolhido antes, durante séculos ... e a escolha de não viver "no apartamento", mas na Casa Santa Marta.
Já naquela noite em que foi eleito, Francisco estava trabalhando para desestabilizar um equilíbrio que durava sabe-se lá há quanto tempo? Poderes sedimentados e pouco estudados, como a gestão do acesso ao apartamento e aquele do próprio nome, talvez eram desestabilizados por quem buscava um novo equilíbrio, mais adequado aos desafios do presente? O padre Lombardi não disse isso, mas toda a discussão chamou a atenção para um traço que não pode deixar de ser avaliado. Francisco desestabiliza porque sabe que o melhor conservador é o reformador?
Eis, então, é que a discussão só poderia ser direcionada para o título do livro: "A solidão de Francisco". Politi certamente sabe muito bem, também porque a seu tempo escreveu sobre isso, que o tema da solidão do papa foi longamente abordado e discutido nos tempos de Bento XVI. A solidão de Francisco é a mesma? O Padre Lombardi, que na época era porta-voz da Santa Sé negou que o papa Ratzinger fosse um homem sozinho nos palácios apostólicos, sem amigos que o visitassem, por exemplo, respondeu por sua vez sobre a "solidão" deste Papa. As suas reflexões nos levaram a refletir: Francisco pode nos parecer sozinho no mundo da política que vai em outras direções quanto ao acolhimento, ou da cúria que parece não segui-lo ao se tornar "Igreja em saída", mas quem deseja acolhimento e trabalha pelo acolhimento, quem deseja uma Igreja em saída e a vive, não estará com ele? Depois, há o próprio fato de quem falou sobre isso foi o mesmo homem que falou de Bento XVI quando se mencionou sua possível solidão, um fato objetivo que diz algo: quantas são as possíveis solidões de um Papa?
Francisco desestabiliza também os jornalistas, de fato observou Lucia Annunziata, porque sua linguagem não exige intérpretes, e os intérpretes tentam complicar o que ele diz para manter o próprio papel, que ontem era de fazer entender o que o Papa dizia. Armados de seu desejo de impor uma barreira ao invasor do campo, os guardiões dos segredos da linguagem papal não veem que a suposta simplicidade da linguagem de Francisco poderia ser explicada em sua dificuldade interior, aquela que desestabiliza para levar o equilíbrio mais adiante, a equação vigente. Ancorando a essa leitura baseada na palavra "desestabilização" usada por Fabrizio Barca, pode-se dizer que Franco Frattini, o dono da casa que abriu os trabalhos, atingiu o alvo: Francisco desestrutura também o conceito e a ideia de solidão.
O mundo da política pensa que pode prescindir dele e ele aparece sozinho, mas talvez seja assim porque ele é o único líder global, e assim a sua solidão nos faz sentir menos sozinhos, mesmo que não sejamos capazes de entender que ele está certo sobre tantas coisas que não chegamos a ver ou entender como ele.
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A solidão é nossa ou de Francisco? A complexidade de Bergoglio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU