26 Agosto 2019
O aumento alarmante de incêndios na floresta amazônica não diz respeito apenas ao Brasil, cujo território abriga 60%, mas a todo o planeta, porque faz parte do desajuste global do sistema climático.
O editorial é de Le Monde, 24-08-2019. A tradução é de André Langer.
A quem pertence a Amazônia? Aos nove países da América Latina em cujos territórios se estende esta imensa floresta virgem? Ao Brasil, que abriga 60% dela? Ou ao planeta, cujo destino ambiental está ligado à sua saúde?
O aumento alarmante de incêndios na floresta amazônica nas últimas semanas deu uma nova intensidade a essa questão. Se os incêndios são um fenômeno natural ao final da estação das chuvas, eles tomaram este ano uma magnitude tal que, no dia 19 de agosto, as nuvens de partículas causadas pela queima da floresta escureceram o céu de São Paulo. As observações de vários satélites confirmaram a extensão do desastre. Em julho, o número de incêndios foi 84% maior do que em 2018. Para os cientistas, não há dúvida de que a maioria deles é voluntária, incentivados pela política climática do presidente Jair Bolsonaro.
A crise tomou um rumo diplomático. Na véspera da abertura da cúpula do G7 em Biarritz, no sábado (24 de agosto), para a qual o presidente brasileiro não foi convidado, Emmanuel Macron aproveitou o caso. “Nossa casa está queimando. Literalmente. A Amazônia, o pulmão do planeta que produz 20% do nosso oxigênio, está em chamas”, tuitou. Qualificando os incêndios de “crise internacional”, o presidente francês indicou que pretendia colocar “essa urgência” na agenda do G7.
Bolsonaro ficou indignado, em resposta pelo Twitter, com esta postura “colonialista” que consiste em tratar os assuntos de outros países na sua ausência. A Alemanha e o Canadá, membros do G7, e o secretário-geral da ONU, António Guterres, que participa da reunião, apoiaram a iniciativa da França. Macron deu outro passo ao anunciar, depois do primeiro-ministro irlandês, que seu país não iria ratificar o acordo comercial União Europeia-Mercosul, concluído em junho após anos de negociações: o presidente brasileiro, acusou Macron, “mentiu” sobre os seus compromissos em favor do meio ambiente.
O caso suscita duas questões. A Amazônia é um bem comum universal, como afirma a França – que também se prevalece do status de país amazônico graças ao departamento da Guiana Francesa, na fronteira com o Brasil? Ou ela é “nossa, do Brasil”, como reivindica o presidente Bolsonaro? As consequências da progressiva destruição da floresta amazônica para o resto dos habitantes do mundo claramente dão razão aos países europeus: a Amazônia é uma importante fonte de oxigênio, água e biodiversidade da qual depende todo o planeta.
Sem mencionar seu impacto sobre as populações indígenas, o desmatamento em grande escala por meio de queimadas faz parte do desajuste global do sistema climático. Isso provoca um aumento nas emissões de gases de efeito estufa; destruídas, as árvores não podem mais capturar a água do solo para produzir chuva. Bolsonaro deve, portanto, aceitar esta responsabilidade internacional.
A outra questão diz respeito ao acordo União Europeia-Mercosul: a sua rejeição, embora seja politicamente simpática junto à opinião pública francesa, é a resposta apropriada para dobrar o presidente brasileiro? Talvez essa ameaça tenha contribuído para sua decisão, na noite de sexta-feira, de enviar o Exército para combater os incêndios. Mas este tratado também constitui um meio de pressão para impor padrões sanitários e ambientais europeus aos países produtores latino-americanos. Seria errado nos privarmos totalmente.
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Amazônia, bem comum universal. Editorial do Le Monde - Instituto Humanitas Unisinos - IHU