02 Dezembro 2025
Uma afronta a todo o mundo cristão: é isso que significa a ausência clamorosa, na sexta-feira, do Patriarca de Moscou Kirill, na solene celebração, presidida por Leão XIV e Bartolomeu, Patriarca de Constantinopla, do 1700º aniversário do Concílio de Niceia, que proclamou o Verbo "Deus de Deus, luz da luz", que se fez homem. Uma escolha traumática, aquela do chefe da Igreja Russa.
A informação é de Luigi Sandri, publicada por L'Adige, 01-12-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma escolha não motivada por divergências dogmáticas, mas ligada a questões de poder dentro da Ortodoxia e à avaliação conflitante da guerra russo-ucraniana.
O Papa — que chegou à Turquia na quinta-feira e partiu para o Líbano no domingo — esteve em Iznik, atual nome da antiga Niceia, a 140 quilômetros de Istambul, em 28 de novembro, para comemorar o primeiro Concílio ecumênico (universal), que, ali em 325, havia lançado as bases do Credo cristão.
Ora, a lembrança daquele dia deveria ter sido um momento de grande alegria para todo o mundo cristão. Contudo, isso não aconteceu, devido a uma decisão dolorosa da Igreja Russa, que, com mais de cem milhões de fiéis, é a maior da Ortodoxia. Mas por que essa recusa? Em 15 de dezembro de 2018, por sugestão de Bartolomeu, um "Concílio" foi realizado em Kiev com o objetivo de unir as diversas Igrejas Ortodoxas existentes para criar uma única Igreja Ucraniana (IU), essencialmente "autocéfala", ou seja, independente. Mas a Igreja Ortodoxa Ucraniana (IOU), ligada a Moscou e a mais numerosa em termos de bispos e paróquias, recusou-se a aderir. Quando, em janeiro de 2019, o Patriarca de Constantinopla reconheceu a IU, Kirill e seu Santo Sínodo a proclamaram "anticanônica" e, chamando-o de "cismático", romperam a comunhão eucarística de forma que, a partir de então, nenhum bispo russo concelebra com um "colega" ortodoxo grego. Como o cisma perdurou, Kirill jamais viajaria a Niceia.
Leão XIV, Papa da Primeira Roma, embora inculpado por essa situação traumática, nada pôde fazer para sanar a profunda cisão entre a Segunda Roma (a antiga Bizâncio) e a Terceira (Moscou).
A esse conflito eclesiológico somou-se um geopolítico, incandescente: enquanto o pontífice e Bartolomeu condenaram repetidamente a invasão russa da Ucrânia, Kirill chamou a Operação Militar Especial de Vladimir Putin contra Kiev de "guerra santa". Essa escolha, combinada com o desejo de destruir o papel de Constantinopla na Ortodoxia, criou um muro intransponível, levando a Terceira Roma a um orgulhoso isolamento. O Oriente, assim pensa Kirill, como guardião da fé e da moral "tradicional", deve opor-se ao Ocidente, que aceita as mulheres em todos os ministérios e a sexualidade vivida pelas pessoas LGBTQ+. E esclarece: a Igreja Russa permanece um pilar da verdade em um mar em tempestade; e por isso não compareceu ao encontro em Niceia, favorecido por Bartolomeu.
Talvez, no dia em que Kirill e Putin tiverem saído de cena, a noite do Patriarcado Russo chegue ao fim e ele volte a brilhar na harmonia das três Romas. Mas, por ora, o futuro é escuro.
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