Quando a Atlas Network tentou minar uma COP: "Estamos em posição de influenciar a agenda da mídia"

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13 Novembro 2025

Disseminar a negação das mudanças climáticas e introduzir uma agenda contrária às políticas ambientais no debate público são dois objetivos centrais da Atlas Network, uma rede de think tanks ultraconservadores.

A reportagem é de Andrés Actis, publicada por El Salto Diario, 10-11-2025.

O lobby da indústria de combustíveis fósseis estará presente mais uma vez na Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP). No ano passado, em Baku, a coalizão de organizações Kick Big Polluters Out (KBPO) identificou 1.773 representantes de diversos grupos de lobby ligados aos maiores poluidores do mundo que tiveram acesso à cúpula. Um número semelhante é esperado em Belém, cidade brasileira que sediará a COP30.

Alguns desses lobbistas representarão os interesses da Atlas Network, uma associação global que reúne dezenas de think tanks libertários, com grande influência nos Estados Unidos e na América Latina, e que, como revelou o El Salto, está começando a expandir sua atuação na Europa diante da ascensão e consolidação de partidos ultraconservadores.

Por trás da Atlas Network estão bilionários e fundações de direita, como a Fundação Koch, a Heritage Foundation e a Templeton, além de grandes corporações em setores como petróleo, tabaco e produtos farmacêuticos. Disseminar a negação das mudanças climáticas e introduzir uma agenda antiambiental no debate público são dois dos principais objetivos dessa organização.

Seus tentáculos estão espalhados por quase todos os países da América Latina. Patrocina dois dos principais centros de pesquisa que apoiaram a candidatura do presidente argentino Javier Milei: a Fundação Atlas, com escritórios em Puerto Madero, Buenos Aires; e a Fundação Libertad, com sede em Rosário, Santa Fé. Também apoiou a candidatura do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que, uma vez no poder, fortaleceu seus laços com as filiais locais da rede.

Segundo informações financeiras divulgadas pelo site de pesquisa climática DeSmog, a Atlas Network “não possui fundos patrimoniais e não aceita financiamento governamental”, portanto todos os seus programas “dependem da generosidade de fundações, indivíduos e empresas”.

Na véspera da COP30, esta organização internacional de investigação midiática publicou novas evidências que ligam a ExxonMobil, uma das maiores empresas petrolíferas do mundo, a uma campanha coordenada pela Atlas Network para disseminar a negação das mudanças climáticas na América Latina e enfraquecer o processo de tratado climático liderado pela ONU.

As doações da ExxonMobil ajudaram a financiar traduções para o espanhol de livros em inglês que negavam as mudanças climáticas, voos para cidades latino-americanas para palestras de negacionistas climáticos americanos e a organização de eventos públicos para dar a esses porta-vozes acesso à mídia local e às assessorias de imprensa de políticos locais. A COP10, penúltima conferência realizada na América do Sul (Buenos Aires, Argentina, 2004), foi alvo de escrutínio da Atlas Network.

Uma sala de guerra

Segundo a investigação da DeSmog, a Atlas Network ofereceu seus serviços a seus patrocinadores corporativos na preparação para a COP10, a conferência sobre as mudanças climáticas realizada em Buenos Aires em novembro de 2004, uma cúpula de particular importância por ter ocorrido meses antes da entrada em vigor do Protocolo de Kyoto.

“Estamos em uma posição muito vantajosa para influenciar positivamente o rumo do debate e a cobertura da mídia na Argentina”, escreveu Alejandro Chafuen, então diretor da emissora, em uma carta enviada a Walt Buchholtz, executivo da companhia petrolífera, quatro meses antes do evento.

Chafuen disse ao seu interlocutor que já haviam reservado algumas "instalações ideais próximas ao centro de conferências" para usar como "base de operações" ou "sala de guerra" para minar qualquer acordo que ameaçasse a rentabilidade do setor.

A proposta da Atlas Network delineou planos para alcançar uma "cobertura midiática favorável" em relação à COP10, mobilizando o maior número possível de aliados globais, especialmente em regiões "estratégicas", bem como diversos centros de pesquisa nos quais os diretores da Atlas Network eram membros do conselho ou presidentes.

Os documentos compilados pela DeSmog não esclarecem se a ExxonMobil aceitou a proposta. No entanto, a correspondência entre a Atlas Network e a empresa durante o primeiro semestre de 2004 mostra que a empresa havia feito recentemente doações de US$ 30.000 e US$ 55.000. Em fevereiro de 2005, Chafuen escreveu a Buchholtz para expressar sua gratidão por uma doação adicional de US$ 45.000: “Quero agradecer pessoalmente sua dedicação à missão da Atlas”.

Fissuras geopolíticas persistentes

A correspondência — dezenas de cartas — entre a Atlas Network e executivos da ExxonMobil confirma que, por quase duas décadas, de 1990 até pouco antes de 2010, a empresa de combustíveis fósseis fez doações a essa rede ultraliberal para impedir que políticas climáticas penetrassem na América Latina.

Poder-se-ia pensar que essa ligação oculta é coisa do passado e que hoje, com um Acordo de Paris consolidado — apesar de muitas promessas não cumpridas —, as companhias petrolíferas evitam ser “manchadas” por doações desse tipo. Contudo, a maioria dos especialistas em políticas climáticas não ignora o fato de que as “dúvidas e a confusão” semeadas por esses grupos de pressão entre os países em desenvolvimento nos “estágios iniciais” da diplomacia climática exacerbaram as “fissuras geopolíticas” e os temores econômicos que ainda persistem.

Além disso, essas doações possibilitaram o crescimento de uma ampla coalizão de think tanks de livre mercado em todo o mundo. A pesquisa da DeSmog cita o Manhattan Institute como um exemplo de grande influência nas políticas do segundo mandato de Donald Trump.

Os esforços de desinformação da indústria de combustíveis fósseis durante esses anos estão inextricavelmente ligados às figuras políticas envolvidas na luta contra as mudanças climáticas. Muitos dos agentes treinados pela Atlas Network chegaram a ocupar cargos políticos, como a advogada argentina Ana Lamas — citada nos documentos vazados — que atuou como Subsecretária do Meio Ambiente no governo Milei até fevereiro deste ano.

Julia Steinberger, professora de Ecologia Social e Economia Ecológica na Universidade de Leeds e coautora do terceiro capítulo do sexto relatório do IPCC, vem destacando o poder oculto da Atlas Network no campo da ciência climática há mais de dois anos.

Na opinião deles, além de enfatizar as evidências científicas, a prioridade para pesquisadores e todas as organizações ativistas deveria ser começar a comunicar "quem estamos enfrentando", quem são esses inimigos invisíveis que, por meio de ruído, controvérsia e agitação social, buscam perpetuar uma economia desregulamentada e neoliberal, contrária aos valores democráticos e sustentada — em parte — pelo capital fóssil.

“A geração dos protestos climáticos precisa estar ciente de que suas sociedades falharam em reagir não porque a democracia seja incompatível com a justiça climática, mas porque nossas democracias vêm sendo atacadas há décadas pelos mesmos atores que estão destruindo o clima. Precisamos disseminar a conscientização e o conhecimento sobre a Atlas Network, seus financiadores e aliados, para que nossos movimentos entendam quem realmente estamos enfrentando”, explicou ela no ano passado em uma conferência online que ministrou sobre essa rede.

O dinheiro que financiou uma rede global

A jornalista francesa Anne-Sophie Simpère, uma das autoras desta pesquisa, explica que o sucesso da Atlas Network em obter financiamento da ExxonMobil para seus programas decorreu de um objetivo comum entre as duas partes: fomentar centros de estudos de livre mercado em todo o mundo.

Entre os beneficiários, estavam cerca de duas dezenas de centros de estudos de livre mercado em diversos países, incluindo China (Unirule Institute of Economics, Institute of World Economics and Politics), Índia (Center for Civil Society, Liberty Institute), Chile (Libertad y Desarrollo), Argentina (Fundación Libertad) e Canadá (Fraser Institute).

Em março de 1999, o presidente da Atlas Network escreveu uma carta a um executivo dessa companhia petrolífera para agradecê-lo pelo apoio e pelas doações: “Em nome da Atlas e dos institutos que ela apoia, queremos agradecer novamente pelas generosas contribuições e pela confiança que você e a Exxon depositaram em nós.”

A carta era endereçada a William Hale, do departamento de relações públicas da ExxonMobil, e incluía um resumo de cinco páginas sobre o alcance global e a diversidade das atividades que a empresa financiava com doações para o programa Energia e Meio Ambiente: Soluções Baseadas no Mercado da Atlas Network.

Essas atividades incluíram diversas conferências abordando os receios sobre o aquecimento global, reuniões informativas internacionais lideradas por negacionistas proeminentes das mudanças climáticas e a distribuição global de um livro destinado a impedir que crianças em idade escolar se tornem defensoras arrogantes da ação climática. Sem o apoio financeiro da Exxon, afirmava a carta, “poucas dessas conquistas teriam sido possíveis”.

Em resposta à divulgação desses documentos, o atual CEO da Atlas Network, Brad Lips, defendeu a relação da organização com a ExxonMobil, argumentando que "essas doações do final da década de 1990 e início dos anos 2000 refletiam a visão da nossa liderança na época de que a regulamentação ambiental excessiva, baseada nas mudanças climáticas, seria prejudicial ao crescimento econômico geral e, especialmente, à oportunidade de elevar os padrões de vida no Sul Global".

Ele também esclareceu que o foco da organização havia mudado na última década e que "posições sobre questões de ciência climática" não eram mais uma prioridade para parceiros e colaboradores. No entanto, no ano passado, no Hotel Intercontinental em Madri, a Atlas Network organizou o Fórum Europeu da Liberdade, que reuniu líderes empresariais, economistas e diretores de organizações e associações ligadas ao neoliberalismo. A expressão "acabar com o fanatismo climático" foi ouvida em mais de uma apresentação.

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