31 Outubro 2025
A combinação de jovens, baby boomers e tecnologia confere à prática da fé um novo significado público.
A reportagem é de Jorge Marirrodriga, publicada por El País, 30-10-2025.
Apesar das estatísticas indicarem uma tendência contrária há anos, é muito provável que a Espanha esteja começando a registrar um ressurgimento significativo da prática do catolicismo. Isso é mais do que um mero renascimento estético e público; é um movimento silencioso, porém profundo. Três fatores, entre outros, convergem para tornar isso possível:
- a chegada das gerações Baby Boomer e X em idades em que estudos sociológicos demonstram o aumento da religiosidade;
- uma revolução tecnológica que — com suas vantagens e desvantagens — multiplica o acesso à educação, à oração e à comunidade;
- uma juventude que, paradoxalmente, por praticamente não ter tido contato prévio com o catolicismo, se aproxima dele sem preconceitos e com genuína curiosidade.
As grandes gerações nascidas entre o final da década de 1950 e a década de 1970 — os baby boomers e o início da Geração X — estão entrando em uma fase da vida em que questões sobre o sentido da existência e a necessidade de comunidade ganham maior importância. De acordo com o Pew Research Center, na maioria dos países, as pessoas mais velhas são mais religiosas e a prática religiosa tende a aumentar com a idade. Por exemplo, nos Estados Unidos, a idade mediana dos cristãos chegou a 55 anos em 2024, e a frequência a cultos religiosos aumenta significativamente após os 60 anos. Na Espanha, onde a geração dos baby boomers é particularmente numerosa, esse fenômeno já pode ser observado em um aumento visível na participação paroquial, no voluntariado e em uma vida litúrgica mais ativa, que inclui o renascimento de práticas devocionais que haviam caído em desuso nas últimas décadas. De uma perspectiva puramente matemática, isso não é apenas uma questão de idade, mas também de números absolutos. Muitas pessoas estão simultaneamente chegando a um momento crucial em suas vidas, no qual um senso de transcendência volta a ser relevante.
O segundo grande motor de mudança é a tecnologia. Nos últimos anos, e especialmente desde a pandemia, a Igreja Católica passou por uma verdadeira transformação digital em todo o mundo. O que começou como uma necessidade emergencial — missas transmitidas pelo YouTube, grupos de oração no Zoom, catequese via WhatsApp — tornou-se uma forma estável de presença pastoral.
Hoje, qualquer católico, em qualquer idioma, pode acessar homilias, retiros, formação teológica e acompanhamento espiritual pelo celular. O exemplo paradigmático é, sem dúvida, o aplicativo Hallow, criado nos EUA e disponível em mais de 150 países. Em poucos anos, alcançou 14 milhões de usuários cadastrados e registrou mais de um bilhão de downloads de seu conteúdo. Na Espanha — seguindo os passos de seus pares americanos, que estão vários anos à frente — numerosos bispos e padres embarcaram com sucesso no que se conhece como evangelização digital. No entanto, esse progresso apresenta um desafio sem precedentes: o risco de os pastores atenderem às necessidades individuais. Em outras palavras, a abundância de opções online permite que os fiéis escolham padres, bispos ou comunidades de acordo com suas preferências ideológicas ou estéticas, alterando assim a ordem hierárquica estabelecida. No entanto, os defensores desse modelo argumentam que ele facilita o alcance de públicos muito diversos, desde os idosos que não podem se deslocar até os jovens que descobrem a fé por meio do TikTok, Spotify ou YouTube.
O terceiro fator é precisamente uma juventude sem ideias preconcebidas sobre o catolicismo. Num país onde uma grande parte dos jovens com menos de 30 anos não recebeu instrução religiosa significativa, o catolicismo é apresentado como algo quase exótico. De acordo com o Pew Research Center, nos EUA apenas 45% dos jovens entre os 18 e os 29 anos identificam-se como cristãos, e na Europa o número é ainda menor; mas esta falta de autoconhecimento está sendo vista como uma oportunidade por uma parte significativa da Igreja. Por não terem crescido sob um catolicismo socialmente obrigatório, muitos jovens aproximam-se da Igreja sem qualquer aversão prévia, atraídos pelo testemunho pessoal, pelo silêncio da oração numa época ruidosa ou pela sua mensagem ética.
A tudo isso se soma a influência cultural de um renovado interesse pela espiritualidade. Na última década, filmes, séries e documentários com temas católicos têm sido muito bem recebidos, trazendo de volta ao debate público questões sobre Deus sob diversas perspectivas, sejam elas favoráveis ou contrárias. "Sundays" é apenas o exemplo mais recente de títulos como "The Two Popes", "The Young Pope", "Jesus of Nazareth", "The Chosen", "Conclave " e "Free".
Nesse contexto, a Espanha encontra-se numa posição singular. A sociedade é inequivocamente laica — segundo o Pew Research Center, apenas 23% dos europeus consideram a religião “muito importante” em suas vidas —, mas as condições sociológicas, tecnológicas e culturais favorecem a possibilidade de um crescimento real da religiosidade na esfera pública. Não é por acaso que dioceses com forte presença digital ou pastoral adulta estejam registrando um aumento nas conversões, nos cursos de formação e na participação comunitária. A maturidade demográfica como base sólida, a tecnologia como rede de disseminação e uma renovação juvenil comprometida apontam para uma mudança no discurso público sobre o catolicismo nos próximos anos.
Leia mais
- A reinvenção da Igreja Católica
- Por uma nova tradução pastoral do cristianismo. Reflexões para o Tempo do Advento
- Agonia da Igreja. Artigo de Giuseppe Savagnone
- Uma fé cada vez mais "líquida": 1 a cada 5 muda de religião
- A transição religiosa no mundo no século XXI
- O campo religioso brasileiro na ciranda dos dados. Entrevista especial com Faustino Teixeira
- Transição Religiosa – Católicos abaixo de 50% até 2022 e abaixo do percentual de evangélicos até 2032
- A dimensão comunitária das nossas aspirações espirituais tem futuro?
- Qual o futuro para as comunidades cristãs?
- Os atores da comunidade do futuro
- As comunidades religiosas entre a natureza e o espírito. Artigo de Riccardo Larini
- Papa Francisco chama a Vida Religiosa a “inculturar a fé e evangelizar a cultura”
- Missionários digitais: como conectar individualidade e sinodalidade? Artigo de Moisés Sbardelotto
- Humanizar a comunicação a partir do “húmus comum” que nos une à IA. Artigo de Moisés Sbardelotto
- Inteligência artificial ou sabedoria humana? A necessidade de superar os dualismos e habitar o devir da complexidade. Artigo de Moisés Sbardelotto
- Influenciadores digitais católicos em debate no IHU. Uma comunicação para o amor? Artigo de Gabriel Vilardi
 
                         
                         
                         
		