22 Junho 2021
"O crucial não é tanto definir estruturas, normas e funções ideais de autoridade no seio das nossas comunidades, mas fazer com que sempre seja possível abrir espaço ao espírito que deu origem à letra, aceitando que a letra seja constantemente superada porque desempenhou a sua função de fragilíssimo e humaníssimo vetor do espírito. Em outras palavras, voltar às razões espirituais mais profundas contidas e nunca exauridas por qualquer um dos nossos escritos, normas ou tradições religiosas".
A opinião é de Riccardo Larini, teólogo e ex-monge da Comunidade de Bose, da qual fez parte durante 11 anos. O artigo foi publicado por Rocca, n. 13, 01-07-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Vivemos em um mundo em que a rede nos colocou “juntos, mas sozinhos”, conforme o título de um livro da socióloga de Harvard Sherry Turkle, ou seja, no qual os laços sociais se desfazem apesar do desenvolvimento notável de laços a distância, virtuais.
Ao mesmo tempo, reaflora em nós uma “nostalgia de comunidade” que nunca é possível saciar totalmente, até porque a convergência dos seres humanos em um grupo estável muitas vezes se torna portador de sentido e de transformação para muitos, de um modo que supera tanto em amplitude quanto em profundidade qualquer esforço até dos indivíduos mais iluminados.
E, enfim, as comunidades territoriais, nas quais homens e mulheres se vinculam de uma forma não dependente unicamente de gostos ou de estados de espírito, parecem ser o lugar fundamental para salvaguardar uma comunicação real com o outro, independentemente do quanto ele se assemelhe ou esteja em sintonia conosco.
Nesse sentido, somente tais comunidades parecem ser lugares de uma humanidade não obliterada, rica de todas as suas harmonias.
Nesse contexto, como se situam as comunidades de matriz religiosa, como paróquias, mosteiros, centros de espiritualidade etc.? Conseguem realmente ir ao encontro, de forma estável, às exigências que citei? São realidades do passado ou têm um futuro? São força de transformação ou de pura resistência às mudanças sociais? São realidades capazes de respeitar a mulher e o homem modernos, para os quais a liberdade, a autonomia da consciência, a possibilidade de se expressar de formas inexploradas são imprescindíveis?
Em uma passagem bem conhecida de “As duas fontes da moral e da religião”, o filósofo francês Henri Bergson escreveu: “A sociedade fechada é aquela em que prevalecem as forças de conservação, na qual o indivíduo está subordinado ao conjunto, na qual os membros estão ligados apenas em virtude de forças naturais. Uma sociedade aberta é aquela em que prevalecem as forças de crescimento, na qual o indivíduo é livre na sua capacidade inventiva, na qual os membros estão ligados por uma força espiritual”.
Para ir a fundo nas perguntas que nos fizemos, com o auxílio dessas afirmações de Bergson, são necessários alguns esclarecimentos. Para o filósofo parisiense, natureza e espírito, de fato, não são o equivalente a pensamento laico e pensamento religioso. A primeira (a natureza) é a fonte de uma forma bem específica de religião, que ele define como “estática”, que é uma reação defensiva dos seres humanos contra o poder desagregador da inteligência, que por si mesma tenderia ao individualismo e à mudança.
Os seres humanos constroem constantemente formas de religião estática, com muitas regras e cultos, para se protegerem do medo da morte, quase para congelar a realidade de um modo tranquilizador. Tal religião, além disso, é natural por nunca ser totalmente eliminável.
O segundo (o espírito) é a fonte daquela que, por sua vez, Bergson define como uma religião “dinâmica”, que segue o impulso imparável da vida, que produz mudança e transformação e vai muito além dos nossos limites e da nossa morte. O problema, porém, é que a religião dinâmica precisa, para comunicar as suas exigências de experimentação e de exploração de realidades sempre novas, de um quadro estático, de uma religião estática, que, no entanto, a enfraquece.
Por isso, tomo a liberdade de utilizar essas distinções entre sociedade fechada e sociedade aberta, entre religião estática e dinâmica, para começar a falar da natureza e dos problemas das comunidades religiosas, de como reavivá-las e renová-las e, em alguns casos, repensá-las radicalmente.
Pertencem provavelmente ao âmbito das “comunidades fechadas”, da religião estática, todas as tentativas de cristalizar a vida de uma comunidade religiosa em normas, regras, estatutos o mais claros possível, além de se dotar de autoridade para compaginar os membros do corpo comunitário, dirimir conflitos, estabelecer limites entre interno e externo. Muitas dessas coisas surgem normalmente não no início de uma experiência vivida, mas após mudanças e crises que levam a definir a identidade.
E sublinho ambos os termos: “definir” e “identidade”. De fato, definir significa limitar, enquanto identidade pode significar imutabilidade, igualdade a si mesmo. Tudo aquilo com que “definimos a identidade” torna-se, por um lado, um termo de comparação, um espelho, um instrumento até certo ponto necessário para que subsista uma criação comum e prolongada no tempo.
Mas, por outro lado, pode levar a subordinar a vida dos indivíduos e do próprio corpo comunitário a algo que, pouco a pouco, não só pode não consegue mais promover o crescimento e a criatividade tanto individuais quanto comunitários, mas também corre o risco de contribuir até mesmo para enjaular e sufocar a verdadeira vida do espírito ou, em termos mais simplesmente biológicos, a vida tout court. A vida, de fato, nunca é igual a si mesma, mas evolui constantemente e nunca pode ser capturada de forma “definitiva”.
Por outro lado, pertencem à religião dinâmica as dimensões espirituais do ser humano, como, por exemplo, as virtudes dianoéticas de Aristóteles: a arte, a ciência, a sabedoria prática, o intelecto e a sapiência.
Cada uma dessas “forças” humanas amplia os horizontes, leva a se adaptar, crescer e mudar. Com São Paulo, poderíamos dizer que a religião dinâmica vivifica; a estática mata. No entanto, estão destinadas de algum modo a conviver em qualquer comunidade religiosa, e não pode haver transmissão do espírito sem o invólucro de alguma forma. O que fazer, então?
O eterno dilema entre o componente carismático e o componente institucional de qualquer forma de vida religiosa, no fim das contas, gira em torno dessas dimensões. A experiência religiosa mais profunda, em sua raiz, é sempre espiritual, carismática, em certo sentido individual (embora muitos possam se sentir postos em comunhão por ela e, portanto, possam adverti-la como universal).
Mas o componente estático, por outro lado, é necessário. Sem ele, de fato, é difícil transmitir uma experiência espiritual de uma geração à outra. Acima de tudo, porém, os componentes estáticos como a codificação de regras ou a intervenção da autoridade (ou seja, da força de quem é “outro”) podem, às vezes, se revelar fundamentais para proteger a própria liberdade do indivíduo, a sua possibilidade de viver uma experiência espiritual paradoxalmente livre, não “definida”.
O que se torna crucial, então, não é tanto definir estruturas, normas e funções ideais de autoridade no seio das nossas comunidades, mas fazer com que sempre seja possível abrir espaço ao espírito que deu origem à letra, aceitando que a letra seja constantemente superada porque desempenhou a sua função de fragilíssimo e humaníssimo vetor do espírito. Em outras palavras, voltar às razões espirituais mais profundas contidas e nunca exauridas por qualquer um dos nossos escritos, normas ou tradições religiosas.
Quem entendeu isso muito bem foi o cardeal Michele Pellegrino, que lutou com todos os meios lícitos para que Paulo VI renunciasse à ideia de uma Lex Ecclesiae Fundamentalis, ou seja, de uma carta constitucional da Igreja, em nome do único princípio vital e generativo de qualquer comunidade cristã: o Evangelho.
Com isso, Pellegrino não pretendia simplesmente remeter às Escrituras, mas à sua interpretação no E/espírito com que sempre é possível, para cada geração de cristãos, voltar ao princípio gerador de cada vida humana e de cada comunhão e comunidade cristã.
E quem também entendeu isso foi outro grande homem do século XX, o Patriarca Inácio IV de Antioquia, com cujas palavras concluo esta contribuição: “Sem o Espírito, Deus é um ser distante, Cristo é um personagem do passado, o evangelho é letra morta, a Igreja é uma simples organização, a autoridade é domínio, a missão é propaganda, o culto é evocação, o agir cristão é uma moral de escravos. Mas, com o Espírito e no Espírito, o universo é elevado e suplica o advento do Reino, a presença de Cristo ressuscitado torna-se reconhecível, o evangelho torna-se vida e potência, a Igreja significa comunhão trinitária, a autoridade é um serviço libertador, a missão, um Pentecostes, a liturgia, memorial e antecipação do mistério, o agir humano é divinizado”.
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As comunidades religiosas entre a natureza e o espírito. Artigo de Riccardo Larini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU