22 Outubro 2025
Pelo menos 662 de um total de 987 municípios amazônicos em seis países - Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela - enfrentam a presença de facções criminosas e grupos armados.
A reportagem é publicada por InfoAmazônia, 21-10-2025.
A floresta amazônica, a maior do mundo, tem se tornado um território cada vez mais hostil. Em muitas regiões, especialmente aquelas próximas às fronteiras, o crime organizado tornou-se uma força dominante. Uma nova pesquisa de Amazon Underworld indica que pelo menos 662 de um total de 987 municípios amazônicos em seis países – Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela – enfrentam a presença de facções criminosas e grupos armados. Isso significa uma presença do crime organizado em pelo menos 67% dos municípios da Amazônia. No restante dos municípios, não foi encontrada presença ou informação.
Dos que têm presença de grupos armados, 32% já têm mais de um grupo em seus territórios, e sete grupos armados operam já em mais de um país coberto no estudo.
A chegada e a expansão de facções e grupos armados representa um ponto de inflexão para muitas comunidades locais, que veem seu ambiente natural ser destruído, a violência atingir níveis recordes e seus jovens serem atraídos pelo fascínio econômico de atividades como o garimpo e o tráfico de drogas. Os jovens são recrutados para estruturas armadas que oferecem pagamentos mensais nunca antes vistos em suas comunidades. Aqueles que expressam publicamente suas preocupações sobre o controle criminoso enfrentam ameaças ou assassinatos, especialmente na Colômbia e no Brasil. Populações inteiras são expulsas de seus territórios, enquanto outras permanecem confinadas dentro dos limites de suas comunidades devido a confrontos contínuos ou até à presença de minas terrestres.
Se alguém perguntar quando o crime organizado prevalecerá, infelizmente, em muitas regiões, as populações locais diriam que isso já está acontecendo. Em grandes extensões dos territórios amazônicos, as economias ilícitas são a atividade dominante. Às vezes, essas operações ilegais geram mais receita localmente do que os orçamentos das agências estatais encarregadas de combatê-las.
Facções e grupos armados começaram a governar territórios, determinando toques de recolher e controlando a mobilidade em rios e áreas rurais. Às vezes, eles forçam as populações a abrir novas estradas na selva e aplicam formas rudimentares de justiça com punições violentas para aqueles que desobedecem suas regras. Essas regras se estendem a padrões de comportamento, exigindo que os moradores portem documentos de identificação emitidos por grupos armados e até mesmo limpeza social. Enquanto isso, as cidades amazônicas sofrem com o aumento da violência e com os desafios contínuos da superlotação das prisões e do uso de drogas, ao mesmo tempo em que as populações deslocadas das áreas rurais continuam a chegar.
No cenário do crime na Amazônia as alianças ultrapassam fronteiras. Os grupos armados colombianos se coordenam com facções brasileiras originárias de cidades distantes – como São Paulo e Rio de Janeiro. As forças do Estado às vezes se juntam a essas parcerias – as autoridades políticas e as forças de segurança venezuelanas se unem às guerrilhas colombianas, até mesmo realizando reuniões com comunidades locais envolvidas na extração ilegal de ouro para dividir os lucros. Outras cooperações permanecem relativamente ocultas, como os casos em que a Polícia Militar no Brasil trabalha com grupos criminosos ou aceita pagamentos deles.
A natureza econômica dessas alianças no submundo do crime as torna voláteis, conforme acontece na fronteira da Venezuela com a Colômbia. A cooperação entre o Exército de Libertação Nacional (ELN) e a Frente Acácio Medina da Segunda Marquetalia (uma dissidência das Farc), chegou a um fim abrupto no início de agosto de 2025, quando o ELN tentou assassinar membros da Acácio Medina em uma emboscada.
E por que o mundo deveria se preocupar? A Amazônia é muito mais do que um ecossistema regional — é um pilar fundamental da estabilidade climática global que armazena aproximadamente 34 bilhões de toneladas de carbono somente em seus territórios indígenas e áreas protegidas. Os cientistas alertam que essa vasta floresta tropical está perigosamente próxima de um ponto de inflexão irreversível, no qual poderia se transformar de um filtro de carbono global em uma importante fonte de carbono, tornando as metas climáticas internacionais praticamente impossíveis de serem atingidas e acelerando drasticamente a mudança climática. Segundo os especialistas, o colapso acontecerá se o desmatamento atingir 20-25% da cobertura florestal original. Com aproximadamente 17% já desmatados, esse limite parece estar cada vez mais próximo.
Aqueles comprovadamente mais capazes de conservar a floresta – os povos indígenas – são cada vez mais visados pelo crime organizado, pois representam obstáculos ao avanço do crime. As comunidades indígenas impõem barreiras naturais por meio de grupos de guarda que detectam atividades ilícitas e práticas coletivas de gestão de terras. Elas veem a silvicultura não apenas como um modo de vida ancestral, mas também como uma resistência às atividades ilegais. No entanto, isso às vezes causa disputas internas, como acontece em confrontos entre comunidades indígenas pró e contra o garimpo ao longo do rio Santiago, no Peru. A proteção da vida comunitária, dos mecanismos de defesa e das alternativas viáveis de subsistência é essencial para a proteção e a sobrevivência da Amazônia.
Expansão do crime no Brasil
O controle do crime na Amazônia brasileira passou por uma transformação significativa nos últimos 15 anos. O Amazonas era inicialmente dominado pela Família do Norte, sediada em Manaus, que estabeleceu fortes conexões com guerrilhas colombianas e produtores de coca peruanos por volta de 2010. Mas a região mergulhou em uma onda de violência quando o pacto de não agressão entre o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital (PCC) quebrou-se em 2016. Após a fragmentação da Família do Norte nos anos seguintes, muitos membros se juntaram ao Comando Vermelho para formar o CV-AM (seção do Comando Vermelho no Amazonas), enquanto outros fundaram um grupo dissidente chamado Os Crias, que tem sede na cidade de Tabatinga, na fronteira com a Colômbia, e recebe apoio financeiro e de armas do PCC.
A morte do líder de Os Crias, Brendo, em 2023, marcou o fim de sua rápida expansão e sacramentou o domínio da CV-AM na região da tríplice fronteira. O CV-AM agora opera uma rede sofisticada que abrange o Brasil, a Colômbia e o Peru, mantendo uma presença nas prisões de Tabatinga e Letícia, enquanto gerencia a produção de coca e as rotas de tráfico nesses territórios. O Comando Vermelho entrou com sucesso em áreas de produção de coca e fabricação de cocaína nas regiões peruanas de Loreto, Ucayali e Madre de Dios, controlando assim vários elos críticos da cadeia de suprimento de cocaína.
Simultaneamente, o PCC expandiu suas operações, assumindo o controle da chamada Rota Caipira – um importante corredor de tráfico para a cocaína boliviana e a maconha paraguaia. A Bolívia é um ponto de expansão fundamental para a campanha internacional do PCC porque é um grande produtor de cocaína que não tem acesso ao mar, o que torna a rede de transporte do PCC para o porto de Santos estrategicamente valiosa. A rota transporta a cocaína produzida na Bolívia através do Mato Grosso do Sul para portos como Santos (SP) para a exportação para os mercados europeu, africano e norte-americano. O PCC ganhou o controle após o assassinato, em 2016, de Jorge Rafaat Toumani, conhecido como o “rei da fronteira”, que havia sido o intermediário entre o PCC e os grupos locais.
Além das rotas de tráfico, o PCC diversificou suas operações de garimpo em Roraima, especialmente nas terras indígenas Yanomami, na fronteira com a Venezuela. Lá, a facção é denunciada de recrutar migrantes venezuelanos para gerenciar garimpos e atividades econômicas adjacentes, incluindo segurança e exploração sexual. Essa expansão reflete a internacionalização mais ampla do PCC, com mais de 600 membros ativos na Venezuela, cerca de 150 na Bolívia e operações que se estendem até as Guianas.
Comando Vermelho e PCC têm ampla presença na Amazônia
Ao todo, 473 municípios amazônicos têm presença de ao menos uma das duas grandes facções brasileiras – isso é 71% dos municípios dos seis países onde o Amazon Underworld obteve informações.
As duas facções transformaram os portos brasileiros em centros de trânsito essenciais para o tráfico internacional de drogas. O PCC tornou-se essencial para abastecer o mercado de cocaína da Europa, avaliado em mais de 11 bilhões de euros, enquanto o Brasil serve como ponto de partida para 70% da cocaína apreendida na África e 46% apreendida na Ásia entre 2015-2021, um número que provavelmente aumentou nos últimos anos. Especificamente na Amazônia, o maior carregamento de cocaína já apreendido em um porto brasileiro ocorreu em Vila do Conde, em Barcarena, próximo de Belém. Enquanto isso, Manaus serve como um importante ponto de trânsito onde as drogas chegam pelo Rio Solimões e fluem ao longo do Rio Amazonas para distribuição doméstica ou transporte internacional. Tanto o CV quanto o PCC têm forte presença em Belém e Manaus, facilitando essas operações.
Essas extensas redes de tráfico exploram vulnerabilidades sistêmicas na infraestrutura portuária do Brasil, incluindo estruturas de exportação que estão sob gestão privada, onde a carga pode ser armazenada por meses, criando oportunidades para a corrupção. Uma investigação recente revelou a profunda penetração do PCC no setor privado, incluindo o setor financeiro e uma ampla cadeia de fornecimento de combustível. A organização paulista foi citada pelo Tesouro dos EUA por seu papel no comércio global de drogas, colaborando com organizações criminosas europeias, incluindo a ‘Ndrangheta. Suas operações visam principalmente a Bélgica, a Espanha e a Holanda como pontos de entrada na Europa, usando métodos sofisticados para transportar grandes quantidades de cocaína pelo extenso sistema portuário do Brasil.
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