15 Outubro 2025
A “socialização” da produção de energia é necessária para democratizar a economia e reduzir as desigualdades, estima o pesquisador Lucas Chancel em um novo ensaio sobre a história global da energia.
A entrevista é de Erwan Manac'h, publicada por Reporterre, 14-10-2025. A tradução é do Cepat.
A transição energética remodelará o mundo, e estamos em uma encruzilhada. Será ela “ultracapitalista”, com atores privados, liderados pelos Gafam, capazes de ditar as escolhas sociais em benefício do 1% mais rico? Ou, ao contrário, estruturada em torno de uma “socialização da energia” capaz de reequilibrar as desigualdades de riqueza?
Para Lucas Chancel, professor da Sciences Po Paris e autor de Énergie et inégalités, une histoire politique (Energia e desigualdades. Uma história política), publicado pela editora Seuil, o segundo cenário é tudo menos utópico, dado o nosso passado recente. Deveria até mesmo se estabelecer urgentemente como um “projeto de condução da economia [e] da emancipação”.
Eis a entrevista.
Por que você acredita que as escolhas que faremos nos próximos anos em relação à produção de energia redefinirão as desigualdades de riqueza e poder?
Quem controla a energia controla a sociedade. Durante dois séculos, houve debates acalorados sobre nas mãos de que deveriam estar as minas de carvão, o sistema de distribuição de eletricidade e assim por diante. Num momento em que precisamos transformar completamente nosso sistema energético, existe o risco de que as decisões sejam tomadas de forma antidemocrática.
Na década de 2000, permitimos que os Gafam privatizassem o mundo imaterial. Esses mesmos atores agora estão privatizando o mundo material, investindo em energia para atender às enormes necessidades da inteligência artificial.
A Microsoft, por exemplo, investiu na reativação do reator nuclear de Three Mile Island (Estados Unidos), que estava desativado há cerca de dez anos. Elon Musk também tem um plano para a transição ecológica, articulado em torno da eletrificação do mundo. Esses atores projetam um futuro de baixo carbono que não seria igualitário e não teria um controle democrático sobre o uso de nossos recursos.
Há um momentum para a Europa. Ela não deve se deixar prender entre o poder do capital financeiro e tecnológico estadunidense e o poder do capital chinês. O risco é que nos vejamos reduzidos à condição de vassalos.
Você menciona o exemplo do escândalo dos bondes nos Estados Unidos na década de 1940. Como esse episódio ilustra o poder político dos proprietários da produção de energia?
Essa história mostra que quem detém o capital energético pode influenciar os usos dessa energia. Os bondes se desenvolveram em várias grandes cidades dos EUA durante a primeira metade do século XX. Mas isso não agradou às montadoras e às petrolíferas, que se uniram para comprar as empresas de bondes com o único objetivo de fechá-las. Era ilegal, e os tribunais acabaram com a prática na década de 1950, mas os bondes já haviam desaparecido, substituídos pelos carros.
Em outras palavras, essas empresas conseguiram influenciar as escolhas da sociedade. E, se permitirmos, os proprietários da energia também podem escolher quais tecnologias serão desenvolvidas entre o petróleo, a energia nuclear, esta ou aquela energia renovável, etc.
Há outro exemplo, muito mais positivo: o das redes de distribuição de aquecimento suecas. Até a década de 1970, os suecos aqueciam suas casas com óleo combustível. Era ineficiente, caro e poluente; então passaram a investir na criação de redes de distribuição municipais. Como os municípios não têm interesse em pressionar os usuários-cidadãos a consumir cada vez mais, apoiam a sobriedade. Esse é o benefício de ter um ator público, democrático e local, uma cooperativa ou mesmo uma empresa pública, quando queremos caminhar para uma maior sobriedade.
É por isso que, na sua opinião, a história da energia é um “motivo de esperança”?
Sim, o futuro está aberto e em nossas mãos. As coisas podem ir muito mal, mas também podem ir bem. A história da energia é feita de rupturas, com uma verdadeira diversidade de exemplos e transformações radicais.
Por exemplo, na França, sejamos favoráveis ou contrários à energia nuclear — e eu venho de uma perspectiva que enfatiza os riscos altíssimos associados a essa fonte de energia —, não podemos negar que o desenvolvimento da energia nuclear foi uma decisão política que transformou o sistema energético francês em quinze anos. Se fizemos isso com a energia nuclear, podemos fazê-lo novamente com outras fontes de energia. A Alemanha optou por eliminar gradualmente a energia nuclear, o que também foi uma escolha radical.
A história nos mostra que é possível e necessário fazer escolhas radicais.
Você enfatiza que os principais momentos de redistribuição de riqueza em nossa história andaram de mãos dadas com uma socialização da produção de energia. Como podemos explicar esse nexo causal?
Quem controla a energia controla as rendas associadas ao seu uso; pode decidir os preços cobrados aos usuários e as condições de trabalho neste setor estratégico. É por isso que todas as forças políticas de esquerda têm pressionado pela socialização da energia. Existe, além disso, toda uma corrente da economia tradicional que justifica a necessidade da propriedade pública no setor energético.
Consequentemente, o programa comum da resistência previa a colocação da energia sob controle público; os trabalhistas e sindicalistas ingleses já se colocavam esta questão desde o final do século XIX. Theodore Roosevelt, nas décadas de 1930 e 1940, nos Estados Unidos, denunciou o “traço maligno” dos conglomerados industriais, que ele via que estavam assumindo o poder sobre o setor energético, e o New Deal posteriormente encorajou o surgimento de atores públicos no setor energético e formas municipais ou cooperativas de propriedade; também na Índia, após a independência, o controle da energia foi um componente-chave do projeto de redistribuição da riqueza.
A energia é um elemento tão importante na organização da economia e da sociedade que é impossível deixá-la a cargo de atores privados quando queremos reorganizar o jogo social.
Você concorda com a análise do historiador Jean-Baptiste Fressoz, para quem a transição energética ainda não começou?
Concordo com essa afirmação se olharmos para o nível global. As fontes de energia estão se acumulando e o consumo continua a aumentar. Não há sinais claros de declínio. Além disso, Jean-Baptiste Fressoz demonstra as interdependências entre os fósseis, o que ele chama de simbiose; este é um ponto importante em seu trabalho. Mas, para minha pesquisa, escolhi um foco diferente, concentrando-me principalmente nas histórias nacionais e nas relações de propriedade.
Descobrimos então uma infinidade de fontes, modos de propriedade e usos, e tendências diversas: os ingleses abandonaram quase completamente a produção de carvão e percorreram um longo caminho, se levarmos em conta o carvão usado na fabricação de bens e serviços que o país importa. A Suécia passou por uma grande transformação energética. A China é certamente a maior produtora de carvão, mas também é a maior produtora de energia renovável, e o crescimento da capacidade eólica e solar sempre superou as expectativas.
Também me interesso por quem controla a energia, uma dimensão mutável na história recente, com revoluções, privatizações e momentos de socialização. Tudo isso mostra que o futuro é mais aberto do que aquele sugerido no debate público. A transição é possível, já começou em alguns países, mesmo que não seja visível em nível global, e exigirá transformações radicais para que continue, começando pela redução do consumo de materiais nos países ricos.
A França tem os meios, dada a situação da sua dívida pública, para “socializar” a transição energética?
Na realidade, a situação orçamentária não é fixa. Podemos afrouxar o aperto, por exemplo, com um novo imposto para os bilionários [o chamado imposto “Zucman”]. Para atender às novas necessidades, precisamos alocar novos recursos. O endividamento não é algo ruim em si, se nos permitir financiar um projeto social real. A construção das usinas nucleares da França foi financiada por empréstimos.
O problema hoje é que estamos investindo dinheiro público na transição energética subsidiando o setor privado sem impor condições suficientes. Devemos nos afastar dessa lógica e garantir que o dinheiro público seja acompanhado por investimentos de capital nas empresas. O Estado, portanto, deteria ações em empresas de energia renovável ou envolvidas na transição, por meio de um fundo soberano, o que lhe permitiria obrigar essas empresas a cumprir as regras do jogo.
É realista esperar um consenso em torno de um projeto assim, dada a crise política em que a França se encontra?
Acredito que a esquerda não está conseguindo convencer as pessoas porque lhe faltou visão econômica e ambição nos últimos quarenta anos. Continuar dizendo que só podemos fazer mudanças marginais, como fez o movimento social-liberal, é uma receita para a desilusão e a ascensão da Rassemblement National.
Acredito, ao contrário, que a história é utópica. Ela nos mostra que mudanças radicais ocorreram. Recuperar o controle da energia é algo que já fizemos no passado, e penso que é exatamente isso que precisamos fazer para reencantar a política.
A França reestatizou a EDF em 2022. Este é um bom exemplo de “socialização” da energia que você defende?
Na realidade, a EDF pertence a todos os franceses desde 1946, data da nacionalização. Em 2022, o Estado aumentou sua participação de 85% para 100%, o que não muda fundamentalmente a situação, mas é politicamente importante. A Assembleia Nacional quis comemorar a ocasião, após a tentativa do governo de implementar o Projeto Hércules, que visava fatiar a empresa com vistas a uma possível privatização em lotes. Felizmente, o projeto fracassou.
A EDF, portanto, pertence a todos nós, coletivamente, o que significa que podemos exigir ainda mais desta empresa para nos apoiar no caminho da sobriedade, ou podemos decidir incluir mais representantes de partes interessadas locais, da sociedade civil ou de cientistas em seus órgãos de governança. Essas escolhas são nossas, ao contrário do Reino Unido, que privatizou seu setor.
Uma questão que surgirá muito rapidamente é a das barragens: a Comissão Europeia está pressionando por licitações competitivas, o que também pode levar à sua privatização. No entanto, de uma perspectiva econômica e ambiental, o argumento a favor de um monopólio público é muito forte. Penso ser importante que essas escolhas sejam debatidas publicamente.
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