12 Setembro 2025
"Pequenas igrejas como a Igreja Ortodoxa Americana muitas vezes acreditam que suas escolhas não importam no contexto geral. Elas estão erradas. São as escolhas dos pequenos que revelam a verdadeira face do cristianismo. Porque os pequenos têm apenas uma coisa: sua consciência e sua fé. E quando as vendem, não lhes resta nada para oferecer ao mundo".
O artigo é de Sergei Chapnin, teólogo e ex-editor-chefe adjunto da editora do Patriarcado de Moscou, publicado por Russia.Post e reproduzido por Settimana News, 10-09-2025.
Eis o artigo.
O encontro surpresa de Vladimir Putin com o Arcebispo Alexei de Sitka e Alasca, durante sua recente visita aos Estados Unidos, gerou profundo desconforto na Igreja Ortodoxa Americana. Longe de ser uma simples troca de cortesias, o encontro foi criticado como um golpe de propaganda cuidadosamente orquestrado pelo Kremlin, que corre o risco de comprometer a integridade moral desta igreja e envolvê-la na política da guerra.
A atenção mundial estava voltada para o encontro entre Putin e Trump no Alasca, em 15 de agosto. Esperava-se que o encontro na Base Aérea Elmendorf-Richardson, em Anchorage, resultasse em novos acordos. Mas não houve nenhum avanço real no caminho para a paz na Ucrânia. O resultado foi profundamente desanimador: um vazio. Nesse vazio, o triunfo pessoal de Putin ressoou ainda mais claramente: seu isolamento político havia acabado. Ele agora pode percorrer os tapetes vermelhos de outros países e andar na mesma limusine que o presidente dos EUA.
Mas a breve visita de Putin aos Estados Unidos também assumiu uma dimensão inesperada: uma dimensão religiosa. Além das conversas com Trump, Putin se encontrou com o Arcebispo Alexei de Sitka e Alasca, hierarca da Igreja Ortodoxa na América (OCA, na sigla em inglês).
Cálculo frio e consciência adormecida
Esta reunião não foi nem casual nem formal. Deve ser vista como uma operação de propaganda cuidadosamente orquestrada, portanto, os detalhes importam.
A reunião ocorreu em um ambiente informal, em um cemitério onde estão enterrados pilotos soviéticos da Segunda Guerra Mundial. A julgar pelas imagens de vídeo, além de Putin e do arcebispo, ninguém mais estava presente, exceto uma dúzia de oficiais da escolta presidencial. Tudo havia sido organizado para que nenhum estranho pudesse chegar ao local ou planejar qualquer coisa: nem os manifestantes nem os jornalistas sabiam disso.
Aparentemente, o Arcebispo Alexei nem sequer cogitou desafiar esse formato incomum ou convidar Putin para visitar uma igreja, o que teria sido mais natural e tradicional. Isso sugere que ele foi informado com antecedência sobre seu papel nessa operação de propaganda. Não tenho dúvidas de que lhe disseram: não haverá perguntas sobre a guerra. E ele aceitou de antemão.
De pé sobre a grama verde, Putin e Alexei trocaram presentes. Previsivelmente, eram ícones sagrados. No entanto, a troca pareceu bastante estranha. Putin presenteou o arcebispo, dirigindo-se a ele como "pai" (batyushka, que significa sacerdote) em vez de "mestre" (vladyka, que significa bispo), com os ícones de São Germano do Alasca e da Dormição da Mãe de Deus, e transmitiu os "melhores votos" do Patriarca Kirill (em russo, Putin erroneamente disse Patriarca Alexei, mas o intérprete corrigiu para Kirill).
É possível que Vladyushka tenha sido apenas mais um simples deslize de alguém que não é particularmente religioso ou interessado na Igreja. Mas também pode ter sido um gesto consciente. Vladyka reconhece a posição de autoridade do interlocutor. Do ponto de vista de Putin, porém, o único Vladyka é ele mesmo: não deveria haver outros Vladykas por perto.
O arcebispo Alexei presenteou Putin com um ícone do mesmo santo, São Herman, mas com uma conexão profundamente pessoal: ele disse a Putin que era um ícone muito especial que lhe havia sido dado pelos monges do Monte Athos quando souberam que ele seria consagrado bispo, e que ele havia rezado diante desse ícone por quatro anos.
Este é um momento surpreendente: o arcebispo não presenteou o presidente com um ícone comum de uma coleção de presentes, mas sim com algo claramente próximo ao seu coração. Tanto o afeto pessoal quanto o profundo respeito são evidentes aqui. O arcebispo ficou lisonjeado com o encontro e admira Putin sinceramente.
O fato de terem trocado ícones do mesmo santo revela um claro erro por parte do serviço protocolar, que não conseguiu coordenar as doações. Talvez isso sugira que os preparativos foram um tanto apressados e que detalhes cruciais foram negligenciados.
O arcebispo então proferiu palavras com a intenção de bajular Putin. Ele não falou de Cristo, guerra e sofrimento humano, nem pediu paz. Em vez disso, reforçou a narrativa cara a Putin: o papel messiânico da Rússia em levar a luz da Ortodoxia ao mundo.
"A Rússia nos deu o bem mais precioso de todos, a fé ortodoxa, e seremos eternamente gratos", disse o Arcebispo Alexei. Ele acrescentou que tenta visitar a Rússia todos os anos e que seus padres e seminaristas se sentem "em casa" lá.
Esse sentimento de "lar" permanece intacto na "Oração pela Vitória da Santa Rus", que apoia liturgicamente a agressão russa contra a Ucrânia. Essa oração, composta após o início da guerra, agora é recitada após cada liturgia em muitas igrejas russas. O arcebispo não tem medo de participar.
O arcebispo não considerou necessário dizer ao presidente russo que a Rússia está agora trazendo morte e sofrimento ao povo ucraniano. Receio que isso demonstre que a consciência cristã do arcebispo adormeceu, e profundamente. Um espetáculo vergonhoso, indigno de um bispo ortodoxo em um país livre.
Putin gentilmente lhe garantiu, em resposta, que o arcebispo é sempre um convidado bem-vindo na Rússia. De fato, qualquer pessoa disposta a permanecer em silêncio sobre a guerra é bem-vinda. Afinal, há muitas coisas para discutir além da guerra!
Um homem que ordena o bombardeio de cidades ucranianas, a tortura de prisioneiros de guerra, o sequestro de crianças e a perseguição brutal de seus próprios cidadãos que se opõem à guerra.
Se alguém é fraco e despreparado para dizer a verdade aos poderosos, é melhor evitar tal encontro. Mas o desejo de estar perto do "ditador ortodoxo" e falar com ele cara a cara prevaleceu. O Arcebispo Alexei demonstrou o relativismo moral tão característico dos hierarcas ortodoxos, não apenas na Rússia.
Oração pela paz como cobertura
Agora está claro que o Arcebispo Alexei se preparou cuidadosamente para este encontro, mantendo-o em absoluto segredo. Como ele desenvolveu canais de comunicação confidenciais com o Kremlin? Que novos conhecidos ele fez durante suas inúmeras viagens à Rússia nos últimos anos e como demonstrou sua lealdade a Putin? É óbvio que o Kremlin jamais teria considerado se encontrar com um bispo desleal.
Poucos dias antes da cúpula Trump-Putin, o Arcebispo Alexei anunciou uma semana de orações pela paz. Curiosamente, seu apelo apareceu apenas no site da diocese. A chancelaria da OCA o ignorou e não o republicou. O documento é rotulado como um comunicado à imprensa, embora seja escrito no estilo de uma carta pastoral. Uma certa pressa é evidente: parece ter sido escrito em cima da hora.
A "oração pela paz", expressa em termos muito gerais e sem nomear o agressor no conflito, proporcionou o contexto religioso perfeito para a reabilitação política de Putin. A troca de ícones, a discussão sobre laços espirituais: tudo isso reforçou efetivamente a imagem de Putin como o principal guardião dos valores tradicionais no mundo moderno. Uma combinação perfeita para a propaganda russa.
O encontro com o presidente dos EUA e depois com um bispo ortodoxo nos Estados Unidos foi um gesto simbólico que visava fortalecer a imagem de Putin como um "governante cristão" que o mundo deve respeitar. Para aqueles que desejam se iludir sobre Putin, este foi mais um "teste".
O Metropolita que não veio
O Primaz da OCA, Metropolita Tikhon, optou por não comparecer à apresentação, embora estivesse em São Francisco naquele dia, não muito longe do Alasca.
A ausência do Metropolita Tikhon também deveria ser considerada um gesto político? Teria sido mais natural para o presidente russo se reunir não com um bispo diocesano, mas com o primaz da Igreja local. É improvável que o Metropolita Tikhon tivesse recusado tal encontro se Moscou o tivesse proposto. Mas um caminho diferente foi escolhido.
Não é difícil imaginar o que teria acontecido se Putin tivesse se encontrado com o Metropolita Tikhon. Fotos do primata da OCA ao lado de um criminoso de guerra teriam sido divulgadas em todos os canais de propaganda do Kremlin na Rússia e em outros lugares. O encontro teria sido apresentado como prova de que "todo o mundo ortodoxo" apoia a Rússia. O dano à reputação da ortodoxia americana teria sido catastrófico.
Não é surpresa que o Metropolita Tikhon tenha escolhido o caminho de Pôncio Pilatos: ele lavou as mãos. Não apoiou abertamente o encontro entre o Arcebispo Alexei e Putin, mas também não o condenou. Permaneceu em silêncio antes e depois do encontro por pelo menos uma semana e, em seguida, fez apenas um breve comentário afirmando que desconhecia completamente o ocorrido. Nada mais. Permitiu que o arcebispo desempenhasse esse papel duvidoso, reservando-se o direito de dizer posteriormente: "Não, eu não estava lá; foi tudo iniciativa do bispo local". No entanto, dada a estrutura centralizada da OCA, é seguro presumir que, sem a bênção direta ou, pelo menos, as consultas com o Metropolita Tikhon, o Arcebispo Alexei simplesmente não teria ousado fazer o que fez.
O preço do silêncio
Há três meses, apelei ao Conselho Pan-Americano, considerado a mais alta autoridade dentro da OCA, para expressar solidariedade aos padres e leigos russos perseguidos na Rússia por sua postura antiguerra. O Conselho ignorou nossa carta aberta por razões técnicas (ela foi enviada tarde demais), embora tivesse sido assinada por centenas de membros da OCA e de outras Igrejas locais.
A reunião de Anchorage é mais um tapa retumbante na cara dos cristãos perseguidos. Embora a recusa em considerar a carta aberta ao Conselho possa ser vista como um acidente, a reunião do Alasca aponta claramente para uma tendência preocupante.
O arcebispo Alexei sorri enquanto entrega a Putin um ícone de seu canto de oração, em um momento em que padres russos estão sendo despojados de suas vestes sacerdotais pelas autoridades da Igreja e forçados ao exílio por rezarem pela paz.
Essa cegueira seletiva não é acidental. A OCA recebeu autocefalia do Patriarcado de Moscou em 1970, uma decisão ainda não reconhecida por Constantinopla e algumas outras Igrejas locais. Uma pequena jurisdição com legitimidade contestada é particularmente vulnerável à pressão tanto da "Igreja Mãe, que serve ao regime de Putin, quanto do próprio Kremlin.
É possível que a pobre diocese do Alasca tenha recebido uma recompensa por participar desses jogos políticos.
Divisão interna
Estou longe de sugerir que possa haver um cisma no episcopado da OCA. De uma forma ou de outra, muitos bispos da OCA simpatizam com a Rússia. Mas o mesmo não se pode dizer dos padres e leigos. Muitos ficaram chocados com esta reunião. Será que suas vozes serão ouvidas em alto e bom som? Será que o episcopado da OCA atenderá a essas críticas? O Sínodo reagirá?
Hoje, essa questão permanece em aberto. A OCA há muito carece de movimentos leigos significativos. Não existe um núcleo em torno do qual padres e leigos possam se unir. Mas o fato de tal movimento não existir hoje não significa que não surgirá amanhã.
Autocefalia — independência completa da Igreja Ortodoxa Russa e do Estado russo, mesmo que não seja universalmente reconhecida — é um valor que deve ser constantemente defendido. A conscientização sobre isso está crescendo.
Especialmente agora, quando mais uma vez testemunhamos espetáculos de pessoas dispostas a pagar qualquer preço por uma proximidade ilusória com o poder russo, secular ou eclesiástico.
O que vai acontecer agora?
A reunião no Alasca não é um fim, mas um começo. Putin conseguiu o que queria: uma bênção pública incondicional de um hierarca ortodoxo nos Estados Unidos.
Para a OCA, no entanto, as consequências podem ser devastadoras: um conflito cada vez mais profundo com membros da Igreja que se opõem à guerra, particularmente aqueles que se identificam com a diáspora ucraniana nos Estados Unidos, bem como uma piora nas relações com igrejas cristãs que condenaram clara e inequivocamente a agressão da Rússia contra a Ucrânia.
A destruição pode gerar renovação. Muitos membros da Igreja, não apenas jovens, mas pessoas de todas as idades, ficaram chocados com o encontro no Alasca. Não seria hora de nos unirmos e fazermos uma pergunta direta ao Metropolita Tikhon: por que o bispo está desacreditando nossa Igreja dessa maneira?
Reação oficial
Será que o Arcebispo Alexei se encontrou com Putin com a bênção do Sínodo? Se sim, então o Sínodo é cúmplice dessa desgraça, o que equivale à falência moral. Se não, o que significa que foi uma iniciativa pessoal do arcebispo, então ele deve assumir a responsabilidade canônica por ações que podem manchar toda a Igreja. Será que o Arcebispo Alexei percebeu que muitos acharam a cena de Anchorage profundamente perturbadora?
Essas questões preocupam não apenas o clero e os leigos. Uma semana após a reunião, o Arcebispo Alexei escreveu uma Declaração de Desculpas, publicada no site oficial da OCA. E não apenas publicada: foi acrescentado um esclarecimento do Metropolita Tikhon. Nesse esclarecimento, o Primaz da Igreja declara oficialmente que esta iniciativa "não foi autorizada pelo Santo Sínodo" e foi organizada sem o seu conhecimento.
Embora Alexei peça perdão duas vezes em sua declaração, ele não explica como entende seu próprio fracasso. Nas entrelinhas, pode-se ler que esse arrependimento é insincero. Foi um gesto político e provavelmente escrito não livremente, mas sob pressão do Metropolita Tikhon.
É hora de escolher
A OCA enfrenta uma escolha. Pode continuar hipocritamente a fazer jogos políticos, alegando o oposto — que não há lugar para a política na religião e que não condenará a agressão da Rússia na guerra. Ou a Igreja pode finalmente lembrar-se da sua razão de ser: para dar testemunho da verdade, defender os perseguidos, apoiar os sem-abrigo, ser a voz dos que não têm voz.
O Arcebispo Alexei fez sua escolha, apoiando abertamente o agressor. O Metropolita Tikhon tenta se manter distante. Mas a história não conhece neutralidade diante do mal. Cedo ou tarde, uma escolha precisa ser feita: com Cristo ou com César? Com os perseguidos ou com os perseguidores? Com a verdade ou com o poder?
O tempo voa. A cada dia que passa, a cada novo gesto em direção ao Kremlin, as chances de preservar a dignidade da OCA diminuem.
Pequenas igrejas como a OCA muitas vezes acreditam que suas escolhas não importam no contexto geral. Elas estão erradas. São as escolhas dos pequenos que revelam a verdadeira face do cristianismo. Porque os pequenos têm apenas uma coisa: sua consciência e sua fé. E quando as vendem, não lhes resta nada para oferecer ao mundo.
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