08 Setembro 2025
"O Papa Francisco contraditório? O Papa Francisco profeta pela metade? Papa Francisco inacabado? Sim, essas definições do Papa Francisco conseguem apreender as limitações do pontificado que desfrutamos como uma graça. Haverá muitas outras oportunidades para refletir sobre um papa que foi um cristão no trono de Pedro.
O artigo é de Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, publicado por La Stampa-Tuttolibri, 06-09-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Em pouco menos de cinco meses desde a morte do Papa Francisco, foram elaboradas inúmeras avaliações de seu pontificado por jornalistas, comentaristas, especialistas do Vaticano, homens e mulheres da Igreja e mais ainda. É mais do que normal que isso aconteça após a morte de um papa, especialmente para um papa que, por assim dizer, embaralhou as cartas, tentou romper equilíbrios e hábitos, com o desejo explícito de promover uma virada na Igreja, uma renovação evangélica que acelerasse a reforma da Igreja desejada pelo Concílio Vaticano II.
Negar a mudança ocorrida nos doze anos de pontificado de Francisco seria recusar-se a aderir à nova realidade que se configurou. Hoje, muitos temem que afirmar a mudança e a novidade desse pontificado possa ser interpretado como uma crítica ou mesmo uma contraposição em relação ao papa anterior, mas isso se deve a uma persistente "mitologia" em torno do papado, que se gostaria marcado por absoluta continuidade. O exercício do confronto, muitas vezes superficial, ainda ocorre entre Leão XIV e Francisco. A continuidade, de fato, diz respeito à fé professada, mas os estilos, as maneiras de presidir e ser pastor podem ser muito diferentes.
Por sua mensagem, estilo, sua linguagem, seus gestos e sua fisicalidade disruptiva, Francisco permanecerá único na história da Igreja. Por sua unicidade e excepcionalidade como pessoa, dir-se-á dele o que foi escrito sobre Celestino V na lápide da igreja dos celestinos em Núrsia: "Antes dele, ninguém como ele; depois dele, ninguém como ele". Unvollendet, Inacabado, é o título da edição original em alemão publicada pela prestigiosa editora Herder da obra de Marco Politi, agora disponível, revisada e ampliada, também em italiano: A Revolução Inacabada, A Igreja depois do Papa Francisco.
Marco Politi é um dos mais renomados e conhecidos vaticanistas do mundo. Correspondente do Vaticano por muito tempo para o jornal La Repubblica e, posteriormente, colunista do Il Fatto Quotidiano, Politi é um observador atento da Igreja Católica, de suas dinâmicas internas e externas. Em seus artigos nunca se limitou a fazer simples crônica, como muitos dos vaticanistas atuais, mas sempre analisou, aprofundou e julgou. Também esse ensaio não se desmente. Mais do que uma simples avaliação do ministério de Francisco, é uma análise lúcida, bem documentada e, eu diria mesmo, sinceramente apaixonada da situação da Igreja Católica como Bergoglio a deixou, com suas contradições e possibilidades, riquezas e limites, pontos de força e desgastes.
É um livro que, analisando o passado, interpreta o presente e olha para o futuro: para onde vai a Igreja? "A morte do Papa Francisco", escreve o autor, "deixou sem solução um conflito interno dentro da Igreja Católica, que está atravessando uma crise profunda, marcada pelo declínio de fiéis e vocações, e por tensões entre reformistas e tradicionalistas." Segundo Politi, Francisco teve que enfrentar problemas complexos: resistências, contradições e condições decorrentes da crise na Igreja durante um período caracterizado por uma "mudança de época" — uma expressão típica do papa argentino. O que mudou na Igreja durante o reinado de Francisco? Que questões permanecem em aberto?
Politi examina as dinâmicas de poder no Vaticano e aborda os grandes questionamentos: o que o próximo papa deve realizar e para onde o Vaticano está indo? Uma Igreja internamente dividida anseia pelo futuro, enquanto o equilíbrio político global é altamente instável e os desafios das mudanças climáticas ameaçam a humanidade.
Segundo Politi, Francisco encontrou, especialmente na fase final de seu pontificado, não apenas a resistência de ambientes conservadores, mas também a decepção dos defensores da reforma. "Pouco mudou no direito eclesiástico, e é por isso que falo de um 'pontificado inacabado'", escreve ele.
É inegável que as novidades introduzidas por Bergoglio foram altamente significativas, mas muitas questões relativas à reforma permanecem sem solução. Politi critica, com razão, a mobilização desigual dentro da Igreja. Enquanto os grupos conservadores são muito bem organizados, os católicos reformistas carecem de engajamento público. "Os ultraconservadores se articulam bastante. Os reformistas são menos organizados, menos barulhentos, menos engajados publicamente."
A questão do papel das mulheres na Igreja, em particular, continua a gerar tensões. Embora Francisco tenha nomeado pela primeira vez mulheres para cargos de destaque na Cúria Romana, tornando possível um início adequado da discussão sobre o diaconato feminino, não foi tomada nenhuma decisão sobre este último até agora, observa Politi. Uma lacuna significativa no exercício do ministério petrino de Bergoglio, segundo o autor, é sua evidente ‘desobrigação’ em relação às Igrejas da Europa Central – França, Alemanha, Áustria, Grã-Bretanha e Espanha – em favor das periferias da Igreja universal. "Ter evitado viagens apostólicas à Europa Ocidental continua sendo uma idiossincrasia inexplicável que deixa uma marca em todo o seu pontificado, com o resultado de que os católicos da rica Cingapura puderam ver e saudar o Papa durante sua viagem ao Extremo Oriente em setembro de 2024: mais felizardos do que os fiéis da Europa Ocidental." A Igreja Católica Europeia é muito frágil na sociedade porque as igrejas estão vazias, e uma presença mais forte do papa teria sido necessária. Francisco deixa ao seu sucessor a responsabilidade de responder à profunda crise do cristianismo em países de antiga tradição cristã.
Apesar de todos os desafios abertos, segundo Marco Politi, o pontificado de Francisco continua influente e marca pontos sem retorno. O crescente papel das mulheres e dos leigos, bem como a abertura a uma Igreja mais inclusiva e a sinodalidade agora já presente na vida da Igreja, são desenvolvimentos muito significativos. Isso não muda o fato de que o futuro das reformas desejadas por Bergoglio permanece incerto, especialmente devido às fortes resistências dentro da Igreja.
Politi escreve na conclusão de seu ensaio: "Francisco semeou, ciente de que não será ele quem amealhará a colheita. Uma sensação de incompletude permeia seu pontificado. No entanto, continua importante o 'sentimento' que reuniu ao seu redor até mesmo crentes de várias religiões e não crentes, impressionados — diz um cardeal próximo a ele — por seu cristianismo nu e vital."
Papa Francisco contraditório? O Papa Francisco profeta pela metade? Papa Francisco inacabado? Sim, essas definições do Papa Francisco conseguem apreender as limitações do pontificado que desfrutamos como uma graça. Haverá muitas outras oportunidades para refletir sobre um papa que foi um cristão no trono de Pedro.
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