Lutas políticas na América Latina e Teologia da Libertação. Artigo de Clarisse Fabre

Arte: Latoff/2019 | Cimi

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04 Setembro 2025

"Existem documentários que, por um paciente trabalho de investigação e montagem, conseguem ligar o passado ao presente, imagens de arquivo a eventos atuais. Como um diário de viagem no tempo, L’Evangile de la révolution, de François-Xavier Drouet, revisita as lutas emancipatórias contra as ditaduras na América Latina, a partir da década de 1960", escreve Clarisse Fabre, crítica de cinema, em artigo publicado por Le Monde, 03-09-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

O Evangelho da Revolução

Existem documentários que, por um paciente trabalho de investigação e montagem, conseguem ligar o passado ao presente, imagens de arquivo a eventos atuais. Como um diário de viagem no tempo, L’Evangile de la révolution, de François-Xavier Drouet, revisita as lutas emancipatórias contra as ditaduras na América Latina, a partir da década de 1960. Os povos se revoltavam contra séculos de acumulação das riquezas pelos regimes oligárquicos, herdados da colonização.

A Igreja, evidentemente, se manteve distante desses movimentos sociais, mas um certo número de padres e arcebispos se empenharam ao lado dos camponeses e trabalhadores. Esse movimento, chamado de Teologia da Libertação, baseava-se na ideia de que os pobres não são objetos de caridade, mas agentes de sua própria libertação. Iluminados pela fé dos padres, esses fiéis encontraram na leitura da Bíblia ferramentas para mudar o sistema, gerador de miséria. Foi "uma revolução cultural", analisa no filme a teóloga e jornalista Maria Lopez Vigil (nascida em 1944), ex-religiosa cubana que, como milhares de cristãos, viajou para a Nicarágua para participar da revolução sandinista em 1979.

Rico em ensinamentos

O diretor, nascido em 1979, que narra o filme, não esconde suas origens. Começando a vida como crente, foi se tornando ateu, até descobrir na adolescência, em 1994, o movimento zapatista que defendia a autonomia dos povos indígenas no México e no Chiapas e experimentava a democracia direta — alguns observadores viam isso como o surgimento de um movimento antiglobalização.

Em 2002, acompanhava a eleição presidencial no Brasil que levou ao poder Lula, ex-trabalhador e fundador do Partido dos Trabalhadores. Ele "se apaixonou perdidamente" pelo Brasil, sem jamais imaginar que dezesseis anos depois, em 2018, a eleição de Bolsonaro "revitalizaria os fantasmas da ditadura". Desde então, François-Xavier Drouet nunca mais parou de se documentar sobre aquelas experiências revolucionárias que permaneceram inacabadas ou que foram decepcionantes. Como na Nicarágua, onde a revolução sandinista de 1979 é apenas uma lembrança distante. O ex-revolucionário Daniel Ortega, no poder desde 2006, tornou-se um tirano que não tolera críticas e tranca na prisão os seus antigos companheiros.

O filme é dividido em quatro capítulos, cada um dedicado a um país: El Salvador, Brasil, Nicarágua e México. Esse documentário, rico em ensinamentos, como o documentário anterior de Drouet, Le Temps des forêts (2018), premiado em Locarno, nos permite observar situações sem glorificar o passado. "A Teologia da Libertação tem muito a nos ensinar. Seu modo de pensar de baixo, de defender os modos de pensar horizontais, é um antídoto contra os abusos de poder", explica o cineasta. A magnífica trilha sonora latino-americana lembra que muitos artistas cantaram a revolução (Victor Jara, Daniel Viglietti, Violeta Parra...).

No Brasil, a Igreja inicialmente tinha apoiado o golpe militar de 1964, antes de denunciar abusos de poder e as torturas. Sua influência foi decisiva na queda da ditadura e na criação do Movimento dos Sem Terra (1984), uma organização social e militante que reivindicava terras para os muitos agricultores que eram privados delas.

O Vaticano considerava esses clérigos comprometidos como pseudopadres, marxistas, que haviam enganado o povo fornecendo-lhes armas – da mesma forma, nos Estados Unidos, o presidente Ronald Reagan (1981-1989) denunciava uma infiltração do comunismo na Igreja. A repressão foi feroz, com mais de 200 membros do clero executados desde a década de 1960. Alguns padres foram até censurados ou proibidos de lecionar. Um arquivo mostra o funeral em El Salvador de Mons. Oscar Romero, assassinado durante uma missa pelo exército em 24 de março de 1980. Afrescos pintados durante as revoluções foram destruídos ou vergonhosamente escondidos nas igrejas.

Para combater a influência da teologia da libertação, os Papas João Paulo II e Bento XVI nomearam bispos conservadores em toda parte, o que contribuiu para jogar os fiéis nos braços das Igrejas evangélicas. No Brasil, o arcebispo do Recife, dom Hélder Câmara (1909-1999), resumia assim o mal-entendido: “Quando dou o que comer aos pobres, dizem que sou um santo. Quando pergunto por que os pobres têm fome, dizem que sou um comunista”.

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