22 Agosto 2025
O economista estadunidense James K. Galbraith observa criticamente as mudanças políticas em curso nos Estados Unidos e compartilha suas reflexões sobre o que levou Donald Trump à Casa Branca.
Segundo ele, o empobrecimento intelectual do Partido Democrata e a desconexão das elites intelectuais, especialmente os economistas, incapazes de propor alternativas confiáveis, são parcialmente responsáveis pela ascensão de Trump. Ele também analisa as políticas do presidente, que são uma mistura de política de oferta e nacionalismo econômico.
James K. Galbraith é professor da Escola de Relações Públicas Lyndon B. Johnson, na Universidade do Texas em Austin.
A entrevista é de Christophe Viscogliosi, publicada por Alternatives Économiques, 16-08-2025. A tradução é do Cepat.
No plano político, você atuou durante um longo tempo nos Estados Unidos ao lado do Partido Democrata e demonstrou em 2009, em “The Predator State”, que, ao contrário da crença popular, a direita estadunidense havia renunciado ao livre mercado para construir um Estado a serviço de uma minoria privilegiada. Essa tese ainda lhe parece relevante para analisar a política econômica do governo Trump?
Devo ressaltar que não falo em nome dos economistas ou dos democratas; falo em caráter pessoal. No entanto, acredito que os economistas têm uma parcela significativa de responsabilidade pelo advento do governo Trump: o fracasso de suas ideias e recomendações contribuiu para esse resultado político. A tese que defendi em 2009 permanece válida, mas se aplicou especialmente ao governo George W. Bush, cujas ações refletiam puramente os interesses privados das empresas do complexo industrial-militar americano e de outros setores, especialmente o petrolífero e o farmacêutico.
O governo Trump é mais híbrido: certamente, atende aos interesses das empresas privadas, mas também a interesses pessoais e à visão de um empresário cujas convicções remontam a várias décadas atrás. É difícil prever suas decisões em certas áreas. No entanto, há um mês, publiquei um artigo no The Nation no qual antecipei a evolução de sua política tarifária (1): previ que ele reverteria alguns aumentos de tarifas, e foi exatamente o que aconteceu um mês depois (2). Isso ilustra a importância de manter uma flexibilidade na análise deste governo.
Você também é um grande pensador das desigualdades, e sabemos que elas aumentaram especialmente nos Estados Unidos nos últimos anos. Em que medida esse fenômeno contribuiu para o retorno de Donald Trump em 2024?
O aumento da desigualdade tendeu a beneficiar o Partido Democrata. Em todos os estados onde a desigualdade aumentou acentuadamente – Califórnia, Massachusetts, Nova York, Connecticut – os democratas venceram em 2016 e novamente em 2024. Pelo contrário, os estados mais rurais, onde existem cidades menores e etnicamente mais homogêneas, estão localizados no centro da distribuição de renda e escolheram o candidato republicano. Esse aumento das desigualdades deveria ter aumentado as chances de vitória dos democratas, mas como a eleição presidencial é decidida estado por estado, pelo Colégio Eleitoral, esse não foi o caso.
O Partido Democrata moderno reúne hoje uma coalizão surpreendente, pois é muito diverso, composto, por um lado, por pessoas que vivem em cidades, profissionais com rendas pessoais confortáveis e, por outro, por comunidades minoritárias com recursos limitados. Já o Partido Republicano tende a se concentrar nas periferias, nos subúrbios, nas pequenas cidades e áreas rurais, ou seja, regiões onde a população está mais no meio da tabela da distribuição de renda.
No início deste ano, você e Jing Chen publicaram “Economia entrópica. A base viva do valor e da produção” (Alta Books, 2025). Como a tese que vocês desenvolvem ali, que leva em conta a escassez de recursos, nos ajuda a analisar a política econômica de Donald Trump?
Eu diria, em primeiro lugar, que este é um livro que aborda questões fundamentais da teoria econômica, enfatizando a importância dos recursos, a necessidade de investir para extraí-los e, consequentemente, a importância do planejamento, que é melhor realizado em um clima de confiança no futuro. No entanto, na situação atual, carecemos dessa confiança.
Uma política que aumenta as incertezas – uma política de guerra (na Ucrânia e potencialmente com a China) sob Biden, ou de guerra comercial sob Trump – desencoraja os investimentos. A política do Federal Reserve de aumentar as taxas de juros desde 2022 não contribui em nada para melhorar a situação, pois aumenta o custo do crédito e, portanto, desestimula o investimento, especialmente em projetos de energia, amplamente incentivados pelo governo anterior. Em última análise, a economia estadunidense está em desvantagem significativa em comparação com a economia chinesa, que se baseia em uma política de longo prazo.
Portanto, as políticas de longo prazo são essenciais. Como já apontei, uma política sem planejamento sólido não pode levar a resultados favoráveis. Imaginar que um mercado desregulamentado, sem governo, seja um meio para um bom resultado é uma ilusão total. É para crianças mimadas e economistas.
Donald Trump cercou-se de economistas como Peter Navarro, Stephen Miran e Pierre Yared (3). Como você avalia suas análises e posicionamentos?
Os economistas do governo Trump são, em sua maioria, bastante convencionais. Eles compartilham a ideia da posição excepcional dos Estados Unidos na economia global e querem demonstrar a superioridade e o poder da economia americana, especialmente em comparação com a China e a Europa. No entanto, aprenderam uma lição interessante com Pequim desde o início da política de aumento de tarifas. Os chineses demonstraram que não se intimidam com as ameaças de tal aumento. Se os Estados Unidos quiserem reverter sua política, a China não verá nisso nenhum inconveniente, mas não mudará sua política.
Além disso, os Estados Unidos descobriram que, após 45 anos de políticas neoliberais e de livre comércio, existem laços extremamente fortes entre a economia estadunidense e os produtores chineses. Romper esses laços desequilibraria muitos aspectos da economia norte-americana. Ao longo de um mês, vimos varejistas como Walmart e Target dizendo que isso não era um bom negócio para eles. Então, Donald Trump enviou seu secretário do Tesouro, Scott Bessent, a Genebra para dois dias de conversas com representantes do governo chinês, e o governo estadunidense decidiu suspender temporariamente sua política de aumentos tarifários crescentes.
Você acha que esses economistas seriam pragmáticos o suficiente para mudar de posição sobre a guerra comercial com a China?
Isso me surpreenderia. Não espero que mudem de posição, porque isso exige adaptabilidade intelectual. Eles são formados em Harvard, e eu conheço esse tipo de perfil: eles cultivam um senso de superioridade intelectual e nacional. É extremamente difícil para eles repudiar essa base intelectual.
De forma mais geral, como você analisa a reação da comunidade econômica estadunidense à eleição de Donald Trump? Há movimentos de resistência ou de apoio, ou, ao contrário, um silêncio cauteloso enquanto se aguarda para ver como a situação evolui?
O governo Trump e a academia não estão em perfeito acordo – para dizer o mínimo –, mas esta não é a primeira vez que essas tensões surgem. Em 2016, a reação foi de horror; em 2024, é mais de cansaço. Não há resistência intelectual real: há frustração, certamente, mas nenhum movimento coerente.
Tenho a sensação de que os economistas têm alguma responsabilidade pela reviravolta dos eventos políticos. Eles promulgaram uma política de desindustrialização de longo prazo; não têm nada a oferecer à classe trabalhadora, especialmente àqueles que votaram em Trump em 2016.
Do lado da oposição, no entanto, estamos vendo algumas iniciativas: Joseph Stiglitz publicou “O caminho para a liberdade” (GEN Benvirá) no início de 2025, e Paul Krugman escreveu um artigo intitulado “A estupidez maligna matará a economia mundial?” (4) em abril de 2025. Essa resistência está sofrendo para se estruturar e se tornar coerente, ou você acha que ela será capaz de frear Trump?
Joseph Stiglitz parte do princípio de que as políticas neoliberais e a ideologia globalizante ainda estariam em vigor, como estiveram durante os governos Clinton e Obama, entre 1993 e 2016. Mas essa não é exatamente a política do governo Trump, que combina políticas de oferta com nacionalismo econômico. Quanto a Paul Krugman, ele baseou seu argumento na ideia de que o governo não mudaria, que destruiria a economia global ao continuar com essa política de tarifas extremas. Acredito que o contrário é verdadeiro: podemos ver claramente que Trump não é tão teimoso quanto Paul Krugman afirma.
Acredito que devemos desconfiar dos intelectuais neoliberais, o que certamente é o caso de Paul Krugman, mas também dos líderes do atual Partido Democrata. É por isso que o Partido Democrata não consegue se opor fortemente a este governo. Eu até me pergunto se eles estão interessados na ideia.
Por que os democratas não gostariam de ganhar as eleições?
Primeiro, o Partido Democrata empobreceu intelectualmente durante os mandatos de Bill Clinton e Barack Obama. Seu corpus ideológico é agora muito vago e não foi suficientemente renovado. Na convenção de verão de 2024, tivemos os Clintons e os Obamas no palco, discursando para a nação. O que isso significou? Que nada mudará, que as ideias desses senhores e senhoras ainda são as ideias que governam o Partido Democrata.
Além disso, existe um “partido paralelo” dentro do Partido Democrata, composto por especialistas, aqueles que falam com a imprensa e, sobretudo, aqueles que financiam as campanhas eleitorais. Está funcionando muito bem para eles: acumularam um fundo de guerra de quase US$ 2 bilhões para as eleições de 2024. Isso é suficiente para eles. Estão felizes: não venceram, e isso os poupa de ter que enfrentar as consequências. Farão o mesmo na próxima eleição, acumulando uma quantia comparável. Por que vencer se deverão responder pelos resultados?
Para realmente vencer, o Partido Democrata terá que passar por mudanças profundas e dar acesso ao poder àqueles que ainda estão excluídos. Isso ficou muito claro em questões como a Palestina: na convenção democrata de 2024, eles sequer deram o microfone a um defensor da causa palestina. O que estão esperando? Que as pessoas votem docilmente? Não: se se recusarem a se opor às forças no poder, inevitavelmente perderão – não apenas nesta questão, mas também em muitas outras.
Na sua opinião, há algum economista que tenha ideias para propor um modelo econômico alternativo?
Os economistas deveriam ser deixados de lado. É realmente uma profissão completamente inútil na maioria dos casos, porque há muito tempo se distanciou da política atual. Há alguns, como você disse – Paul Krugman, Joseph Stiglitz, Jason Furman –, que continuam a comentar sobre questões políticas. Mas a maioria dos economistas acadêmicos não está interessada. Veja o caso de Pierre Yared, que veio do National Bureau of Economic Research (NBER) e foi recrutado para o governo Trump: se você for ver o que ele publicou, são modelos extremamente abstratos; ele pensa como se pensava no século XIX, particularmente na política financeira e monetária e na dificuldade dos Estados Unidos em emitir dívida pública como fazia durante o padrão-ouro.
Em questões fundamentais como política monetária, política internacional e multipolaridade, eles não entendem nada. Se considerarmos a economia da China, eles têm ideias vagas; é como se nunca tivessem se dado ao trabalho de ir lá para ver o que está acontecendo. É uma profissão fechada sobre si mesma, e não creio que possamos esperar milagres desse lado. Precisaríamos recorrer a outros perfis, pessoas cujas ideias se baseiem no mundo como ele é, para termos uma política que possa propor algo que valha a pena.
Essa observação levanta a questão do sistema universitário, tanto em termos do ensino de economia, como também na forma como recrutamos economistas, como publicamos pesquisas... O que, em última análise, precisa ser feito para aproximar a economia da realidade?
Os departamentos de economia devem ser substituídos por departamentos de economia política ou relações públicas, com equipes de pessoas com experiência prática, além de formação científica suficiente para compreender verdadeiramente as questões atuais em áreas como energia, recursos e tecnologia. Hoje, os economistas carecem de compreensão suficiente em questões relacionadas à agricultura, transporte, indústria e tecnologia.
Há um século, na época do meu pai (5), os economistas eram um pouco agrônomos, um pouco especialistas em ferrovias, processos industriais e também em finanças. Não eram matemáticos amadores que dependiam apenas da formação acadêmica. Eram pessoas que guiaram a nação durante a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial. Eles sabiam algo sobre o assunto. Mas, nos últimos 50 anos, isso acabou. Os departamentos se fecharam em si mesmos. Eles só recrutam economistas que se conformam com ideias preconcebidas, e isso não funciona. Nunca há saída, então temos que acabar com isso: precisamos realmente direcionar os recursos universitários para outros lugares.
Donald Trump e seu governo atacam diretamente o mundo acadêmico. Vimos tentativas de resistência, principalmente na Harvard, mas elas parecem ser minoria. Poderíamos esperar uma mobilização mais forte das universidades estadunidenses?
A maioria das universidades estadunidenses é muito dócil. Elas estão em aliança com o governo federal há décadas e têm pouco interesse em se opor à administração atual. O que aconteceu em Harvard – a retenção de doações, o cancelamento de contratos – não deixa de ter consequências para os pesquisadores, para a economia local e para certas divisões dentro da própria universidade. Mas Harvard continuará lá muito depois que este governo terminar seu mandato, independentemente do que aconteça com os recursos federais. Acredito que a separação das universidades do governo não seria necessariamente algo ruim. Poderia levar a uma independência de pensamento que não existe atualmente.
Há, é claro, também a questão dos meios de resistência: Harvard tem reservas financeiras consideráveis, enquanto a Columbia está em maiores dificuldades – a universidade rapidamente cedeu às ordens do governo para fazer cortes direcionados, especialmente em seus programas para o Oriente Médio, Sul da Ásia e África. Mas a Columbia poderia ter resistido se quisesse. Esta universidade se comportou de forma deplorável durante os protestos do ano passado contra os massacres em Gaza, chamando a polícia de Nova York para o terreno de uma universidade dita “privada”. Ela se comprometeu moralmente. Sem dúvida, tinha os recursos necessários para enfrentar essa intimidação ilegítima. Se quisesse, poderia ter sobrevivido resistindo, mas não o fez.
Você leciona na Universidade do Texas em Austin. Qual é o sentimento predominante no momento? Há resistência ou, antes, cansaço?
Nós fizemos nossos protestos contra os massacres em Gaza em abril de 2024. Dada a pressão exercida pelo governador do Texas sobre a universidade, a situação foi resolvida com bastante facilidade. Desde então, não vimos muita coisa acontecendo; não houve mais protestos no ano passado. Não sei dizer se é por cansaço ou medo da repressão.
Não posso falar pelos meus colegas, mas, pessoalmente, não senti nenhuma autocensura. No entanto, existem projetos de lei que visam reduzir a autonomia das universidades públicas no Texas. Veremos o alcance deles. A Universidade do Texas em Austin continua bastante conservadora e os conflitos com o estado não são muito profundos. Pessoalmente, depois de 40 anos de experiência, sempre fui tratado com muita gentileza; portanto, não tenho motivos para reclamar.
Que conselho daria aos europeus sobre suas relações com os Estados Unidos nos próximos quatro anos?
As coisas certamente irão de mal a pior. O governo Trump não está particularmente interessado na Europa. Para ele, na melhor das hipóteses, a Europa é um problema. O declínio econômico da Europa é resultado de muitos fatores, incluindo o confronto com a Rússia e as tensões resultantes em termos de recursos. Mas também é uma consequência direta da política estadunidense, especialmente desde a Lei de Redução da Inflação de Joe Biden. As dificuldades das empresas europeias em geral, e das empresas alemãs em particular, são uma vantagem para os Estados Unidos, o que as incentiva a se estabelecerem em seu território.
Algumas pessoas ainda se apegam à ideia de que nós, nos Estados Unidos, temos uma responsabilidade em relação à política europeia. Este não é o caso do governo Trump, de forma alguma. Portanto, a Europa faria melhor se pensasse em seu próprio futuro.
1. James K. Galbraith, “Trump's Tariff Shock and the China Supply Chain”, The Nation, 16-05-2025.
2. No dia 9 de abril de 2025, Trump suspendeu as tarifas por 90 dias, exceto para a China, cujas sobretaxas subiram para 145%. Um acordo com a China foi firmado no dia 12 de maio, reduzindo essas tarifas para 30% para os EUA e 10% para a China, inaugurando uma trégua comercial de 90 dias.
3. Peter Navarro é o principal assessor de Donald Trump para comércio e indústria. Stephen Miran e Pierre Yared são, respectivamente, presidente e vice-presidente do Conselho de Assessores Econômicos.
4. “La stupidité malfaisante va-t-elle tuer l’économie mondiale?”
5. John Kenneth Galbraith (1908-2006) foi um economista americano-canadense. Atuou como assessor econômico de vários presidentes dos EUA: Franklin D. Roosevelt, John Fitzgerald Kennedy e Lyndon B. Johnson.