O saldo político do tarifaço. Artigo de Aldo Fornazieri

Foto: Emily J. Higgins/Casa Branca

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19 Agosto 2025

"Chega a ser impressionante como o bolsonarismo, mesmo com os fatos e a conjuntura contra ele, consegue inverter os termos da disputa política. De golpista, torna-se o paladino da luta pela democracia e pela liberdade contra uma suposta ditadura. De réu sentado nos bancos dos criminosos, procura se tornar o juiz para colocar o tribunal (STF) e seus ministros no banco dos réus. De articulador e fomentador do tarifaço, consegue tornar Lula como o principal culpado pelas violentas medidas de Trump contra o Brasil", escreve Aldo Fornazieri, em artigo publicado por Jornal GGN, 18-08-2025.

Aldo Fornazieri é professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.

Eis o artigo. 

O governo e o presidente Lula, até agora, auferiram poucos dividendos políticos do tarifaço decretado por Trump. O momentum para obter esses ganhos parece ter chegado ao auge, entrando num processo de estamento e declínio. Pode até começar a reverter-se em perdas. É mais uma oportunidade que o governo, Lula e os partidos de esquerda desperdiçam por conta da ausência de uma inteligência estratégica e de um comando político.

Duas pesquisas atestam a dificuldade encontrada pelo governo, partidos e Lula de auferirem ganhos políticos. Na última, o Datafolha mostra que para 35% acham que Lula é culpado pelo tarifaço, 22% dizem que Jair Bolsonaro é o culpado, 17% indicam Eduardo Bolsonaro e 15% apontam para Alexandre de Moraes. A soma de Jair e Eduardo Bolsonaro alcança 39% e a de Lula e Moraes, 50%.

Considere-se que os Bolsonaros tendo feito o que fizeram, com o Eduardo articulando o tarifaço a mando de Jair. Considere-se que a carta de Trump e outras manifestações suas deixam claro que o tarifaço se deve também ao julgamento do ex-presidente. Isto fica ainda mais evidente com a imposição de punições a Alexandre de Moraes. A conclusão é uma coisa só: o governo, as esquerdas e Lula estão falhando na estratégia, no discurso, na retórica, na comunicação.

No início de agosto, o Datafolha divulgou uma pesquisa sobre a avaliação do governo, mostrando, também, que o tarifaço não o favoreceu. O indicador bom ou ótimo subiu apenas um ponto, passando de 28% para 29% em relação à pesquisa de junho. O ruim ou péssimo ficou estacionado nos 40%. E o regular oscilou de 31% para 29%.

Lula, no entanto, obteve vantagem em todos os cenários e sobre todos os outros candidatos na pesquisa de intenção de voto divulgada pelo Datafolha no início de agosto. A mudança foi discreta. Neste ponto, o tarifaço pode ter provocado um efeito negativo sobre os possíveis candidatos bolsonaristas e de direita. De modo geral, eles se posicionaram mal em relação ao tarifaço, passando a impressão de que eram a favor.

Diante de fatos tão negativos para o bolsonarismo e a direita e, aparentemente, tão positivos para o governo e as esquerdas, é preciso se perguntar acerca das razões que impedem ganhos políticos significativos em termos de avaliação da opinião pública. Uma coisa que salta aos olhos é a falta de estratégia e de coerência no discurso dos governistas na abordagem do tarifaço.

O presidente Lula num momento afirma que quer dialogar e em outro diz que não vai se humilhar e que não dialogará com Trump. Já Alckmin e Haddad se mostram pró-diálogo, mas falta uma estratégia retórica diante da recusa do diálogo por parte do governo Trump.

Quem olha o governo a partir da planície não sabe o que ele quer e para onde quer ir. Lula se comporta mais como candidato do que como estadista que tem a responsabilidade de resolver os desafios que o país enfrenta. As empresas afetadas, os trabalhadores que nelas trabalham e a população em geral querem saber das soluções para o problema. Os governadores e os deputados bolsonaristas conseguem explorar essas lacunas na estratégia política e retórica dos governistas culpabilizando-os.

A palavra mais usada na retórica dos governistas é a “soberania”. Mas quantas pessoas do povão e até das classes médias sabem o significado de “soberania”? O termo “soberania” deveria ser o foco principal do discurso governista? O governo e sua comunicação fizeram pesquisas ou avaliaram o impacto do discurso governista? Qual o impacto que esse discurso produz na opinião pública? A impressão que passa é que o governo navega no escuro, joga na espontaneidade, atira a esmo.

Este é um problema que é recorrente no Lula 3: não há comando político, não há inteligência estratégica e a comunicação tropeça nela mesma. Os governistas deveriam deixar de lado o discurso formalístico-abstrato em favor de uma retórica persuasiva que tocasse nos sentimentos e nos afetos das pessoas, articulado com o ethos, os valores comuns do povo brasileiro. Mas, repito: o governo aparece com a face de gente cansada, sem vigor, sem energia para agir, sem disposição para o combate.

Chega a ser impressionante como o bolsonarismo, mesmo com os fatos e a conjuntura contra ele, consegue inverter os termos da disputa política. De golpista, torna-se o paladino da luta pela democracia e pela liberdade contra uma suposta ditadura. De réu sentado nos bancos dos criminosos, procura se tornar o juiz para colocar o tribunal (STF) e seus ministros no banco dos réus. De articulador e fomentador do tarifaço, consegue tornar Lula como o principal culpado pelas violentas medidas de Trump contra o Brasil.

Muita gente joga suas esperanças para o cenário eleitoral de 2026 que vai se desenhando. A divisão da direita, com duas ou três candidaturas seria um trunfo até para uma possível vitória de Lula no primeiro turno. É uma avaliação enganosa. Tudo indica que a direita sairá dividida no primeiro turno. Bolsonaro e sua família vêm perdendo força política. A virulência com que Eduardo e Carlos atacam governadores de direita é um sintoma disso.

Sem poder concorrer, em prisão domiciliar e com um julgamento pela frente, Bolsonaro se enfraquece na condição de condutor inconteste da direita. O radicalismo de Eduardo enfraquece ainda mais o clã. Os governadores, com cautela, ampliam seus espaços e constroem suas próprias estratégias, mas sem romper com o bolsonarismo que é a maior força eleitoral da direita.

Mas a pulverização de candidaturas não significa nenhum indício de que Lula possa vencer no primeiro turno. É preciso olhar para o horizonte político. O Brasil continua polarizado. Com o julgamento do golpismo, com o tarifaço e com a aproximação do ano eleitoral, a polarização se aprofundará. Lula estará sob o ataque de todos no primeiro turno. Um candidato de direita emergirá como oponente de Lula para a disputa do segundo turno e terá o apoio dos outros.

As eleições de 2026 tendem a ser mais polarizadas do que as de 2018 e as de 2022. Ingredientes internos e internacionais existem em abundância para alimentar essa combustão. Os governistas e os partidos de esquerda parecem não perceber essa realidade ou não cogitar essa conjuntura. Em política, negligenciar a realidade efetiva das coisas é o caminho mais curto para a ruína.

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