16 Julho 2021
A nova bíblia da razão política na economia acaba de ser lançada: “Les grands défis économiques” (Os grandes desafios econômicos), sob a direção de Olivier Blanchard e Jean Tirole. Com o apoio de uma comissão na qual se acotovelam as mais prestigiosas assinaturas nacionais e internacionais de “correntes intelectuais e políticas muito diversas”, como assinalam imediatamente os dois relatores. Esse é o objetivo desse tipo de relatório: servir de autoridade imparcial para as principais arbitragens do estado.
A reportagem é de Olivier Passet, diretor de pesquisa da Xerfi, publicada por Alternatives Économiques, 02-07-2021. A tradução é de André Langer.
Do ponto de vista estritamente econômico, o que interessa a essas grandes compilações de propostas já feitas, como o relatório Attali, é que elas constituem uma referência sobre o estado da arte.
Blanchard e Tirole fizeram a escolha deliberada de constituir uma equipe composta exclusivamente por economistas, em vez de uma equipe mais ampla que integre pesquisadores das ciências sociais e atores diretamente envolvidos.
Este purismo é, simultaneamente, a força e a fraqueza deste relatório. Força, porque ganha em clareza de raciocínio, na homogeneidade dos conceitos e em pontos de apoio empíricos. E fraqueza, porque a ausência de confronto com outras disciplinas ou com experiências de campo faz com que o produto, mesmo que tente múltiplas aberturas, às vezes ousadas, permanece inevitavelmente um produto de laboratório onde os atores da economia real, da geografia, das especializações produtivas do território, dos process, das organizações e dos centros de poder – por exemplo, das finanças –, permanecem inexistentes ou evanescentes.
A questão que surge in fine, mesmo se agregarmos os melhores cérebros da disciplina, é saber se a inteligência, no plano econômico, pode produzir inteligência tout court.
Diante de uma pergunta que poderia ficar sem resposta e, portanto, ser sem interesse, proponho que os leitores do relatório Blanchard-Tirole recorram a um livrinho publicado em janeiro passado e assinado por Pierre Veltz, intitulado L’économie désirable, Éd. La République des Idées, 2021 (A economia desejável). Cento e nove páginas de um engenheiro sociológico que, quando fala de inovação, não se interessa pela pesquisa e desenvolvimento como variável instrumental abstrata à qual basta acrescentar bilhões para produzir a inovação como um fato mágico. Em vez disso, ele decifra os processos industriais contemporâneos, sua pseudo-desmaterialização, designa especificamente as inovações impulsionadoras, inscreve sua visão de economia no território, aborda o estado não como uma entidade global e abstrata, mas através de todos os seus níveis de governança, e qualifica as necessidades e as expectativas do consumidor, etc.
Em suma, a economia de Pierre Veltz é encarnada. Sua reflexão parte de uma análise aprofundada da esfera produtiva contemporânea, dos sistemas de construção de valor e das interdependências, um trabalho que ele vem desenvolvendo há muitos anos.
E este confronto de duas abordagens, a priori com armas desiguais, entre o autor único que coloca toda a sua inteligência para compreender a realidade e as 500 páginas produzidas por um areópago de Nobeis ou nobelizáveis que mobilizam o campo de conhecimento exclusivo e autossuficiente da economia, na tentativa de produzir inteligência, é profundamente intrigante e só pode disseminar complexidade sobre a capacidade da economia de enfrentar os desafios da época.
Um exemplo para ilustrar o meu pensamento. Em relação ao desafio climático, o que nos diz o “grande” relatório? Ele reafirma a prioridade da tarifação do carbono (impostos, cotas, permissões e o banco central que estabiliza o preço das permissões), recomenda um cheque para evitar a síndrome dos coletes amarelos, mostra-se relutante em relação a regulamentações cujos efeitos redistributivos controlamos mal, admite um imposto sobre o carbono nas fronteiras, para evitar as distorções da concorrência, mesmo que seja difícil controlar o teor de carbono, pesquisa e desenvolvimento verde, etc. Tudo isso é argumentado, lógico, medido.
Depois, na página 32 do livro de Pierre Veltz, o que lemos? Quando você assiste a um vídeo na Netflix, a relação entre a energia consumida para assistir aquele vídeo e a energia realmente consumida é de 1 a 2.000. O mesmo vale para qualquer solicitação no Alexa da Amazon que aciona uma cadeia algorítmica com alto consumo de energia em escala planetária. No entanto, esse aspecto, aparentemente gratuito ou quase gratuito para o usuário, continua a se expandir.
Em que estágio devo taxar esse uso para limitar suas externalidades? Posso taxar a pegada de carbono de toda infraestrutura digital sem o risco de embolia do comércio? Os princípios enunciados pelo relatório são aplicáveis? Não, devido à falta de interesse da economia real e ao raciocínio em um mundo onde a empresa é uma entidade abstrata atemporal, sem especialização, e cuja função é maximizar o lucro e transferir seus custos a montante sobre o preço de venda.
Em suma, o relatório Blanchard-Tirole já tem seu contra-relatório. Ele não foi concebido como tal... e isso lhe dá ainda mais força.
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Relatório Blanchard-Tirole: esses economistas incapazes de pensar a realidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU