28 Junho 2021
Os políticos em atividade que gastam tempo para tomar distância e refletir não são tantos assim. Principalmente para pensar sobre o futuro da globalização. Podemos, portanto, agradecer a quem tenta fazê-lo, como o ex-deputado europeu verde, ex-ministro de François Hollande e agora parlamentar europeu da direita macronista, Pascal Canfin. Em nota publicada pelo think tank Terra Nova, ele nos anuncia “a nova era progressista da globalização”.
A reportagem é de Christian Chavagneux, publicada por Alternatives Économiques, 24-06-2021. A tradução é de André Langer.
Admito que várias vezes estive de acordo com as análises apresentadas. Mas, ao mesmo tempo, como não se envergonhar com um otimismo careta e com uma completa ocultação do fato de que as decisões da maioria a que pertence o deputado vão contra o que ele descreve? Pascal Canfin nos explica a globalização como descreveria uma moeda mostrando apenas o lado coroa e esquecendo o lado cara. O lado obscuro.
Depois da globalização liberal – que começou no final da década de 1950 nas finanças e na década de 1960 para as multinacionais, bem antes da chegada ao poder de Thatcher e Reagan – a nova era que se anuncia marca um retorno do pêndulo a uma globalização mais enquadrada pelo poder público, avança de imediato o deputado. O ciclo liberal está acabando, ele “terminou ideologicamente com a grande crise financeira de 2008”, e a amplitude das intervenções públicas durante a pandemia confirmou a tendência.
Por ter escrito há quinze anos sobre as últimas horas do liberalismo como ideologia dominante, ou seja, sobre o crescente questionamento dos economistas e das instituições econômicas internacionais sobre as virtudes supostamente inatas do liberalismo econômico, compartilho desse sentimento de um possível retorno do pêndulo. Este é um tema que está de fato em sintonia com os tempos e encontra várias ilustrações concretas no mundo atual, detalha Pascal Canfin.
Por exemplo, em matéria tributária, os 139 países membros do quadro inclusivo estão a poucos passos de finalizar um acordo histórico que possibilita tributar de forma mais eficaz os lucros ocultos obtidos no exterior pelas multinacionais, oportunidade para os Estados “retomarem o controle de sua soberania fiscal”. De fato, se pode ser uma paz na longa batalha pela soberania fiscal que está se formando, saberemos mais na conferência de ministros das finanças do G20, marcada para os 9 e 10 de julho próximo em Veneza.
Outro exemplo: o poder de fogo dos bancos centrais que, sob o pretexto do quantitative easing, de controle da quantidade de moeda, fazem, de fato, e particularmente na Europa, yield easing, controle dos diferenciais de taxas de juros entre os países europeus, o “que extinguiu as possibilidades de especulação nos mercados financeiros sobre a dívida pública”, que lembra as crises pós-subprime quando o Banco Central Europeu ainda não tinha decidido iniciar esta política.
Terceiro exemplo: os Estados agora parecem estar mais ativos em seu desejo de perseguir o objetivo de uma economia de carbono zero. Mesmo que signifique “promover políticas públicas que desglobalizem” e priorizem a produção local, inclusive através de um mecanismo de ajuste de carbono nas fronteiras que “traga a questão do clima para as regras do jogo comercial”.
O deputado também poderia ter se lembrado de que, ao ser eleito Europe Ecologie-Les Verts, contribuiu para uma maior regulação financeira e para a criação da Finance Watch, uma ativa ONG de Bruxelas que luta para colocar as finanças a serviço da economia e da sociedade. Ele poderia ter apontado que, desde a crise dos subprimes, o Banco de Compensações Internacionais (BIS), o banco central dos bancos centrais, tem trabalhado pela retomada do controle público das políticas de assunção de riscos dos grandes bancos com os chamados acordos de Basileia III. Alguns podem julgar que o esforço é mais ou menos suficiente, mas a direção não deixa lugar a dúvidas.
Mas então teria sido necessário explicar que o fim da transcrição das regras de Basileia III na Europa será objeto de debate no início do próximo ano letivo e que os grandes bancos franceses e alemães lutam atualmente para reduzir seu alcance. Este é o lado oculto desta nota de reflexão: ela quer descrever o futuro desejável da globalização, mas omite falar sobre as estratégias de seus primeiros atores: as empresas; como se os Estados fossem os únicos atores políticos do jogo. Mas também esconde os flagrantes fracassos da Europa em muitos dos assuntos discutidos. Enfim, esconde tudo o que faz a maioria política a que pertence Pascal Canfin para não realizar a globalização com que sonha.
Voltemos ao assunto tributário. O deputado congratula-se com o fato de a Europa ter acabado de criar um reporting público país por país, obrigando as grandes empresas a fornecer a todos informações, especialmente, sobre o seu volume de negócios, o número de trabalhadores, os lucros que obtêm e os impostos que pagam nos países onde elas estão estabelecidas. “As grandes empresas terão que jogar com o livro aberto, pelo menos na União Europeia”. Porque, de fato, algumas páginas do livro permanecem coladas.
A informação só estará disponível para estabelecimentos de países europeus e para a lista da União dos paraísos fiscais (apenas anões financeiros): um incentivo à utilização de paraísos fiscais não europeus? Além disso, será possível às empresas atrasar a publicação desses dados por um período de cinco anos: a França, copiando uma nota da Medef, chegou a exigir seis anos durante as negociações! Quando a notícia veio a público em 23 de abril, nosso deputado tuitou: “Sejamos claros: se isso fosse confirmado, seria obviamente inaceitável”. Isso foi confirmado, logo, é inaceitável. Mas a nota não diz uma palavra sobre isso.
Querendo valorizar a demonstração, o deputado conclui que “tudo isso está valendo a pena: só em 2019, o Estado francês recuperou, dessa maneira, 12 bilhões de euros em arrecadação de impostos, que, de outra forma, lhe escapavam”. Devemos nos perguntar como medidas ainda não implementadas podem recolher dinheiro. E, acima de tudo, deve-se ressaltar o quanto esse número de 12 bilhões indica o declínio da eficácia do controle tributário na França, que vê seus meios diminuírem sem cessar. Nada para comemorar.
Sobre a política europeia, se o BCE liberar espaço orçamentário para os países da zona, e deve fazê-lo por mais alguns anos, o que os dirigentes europeus farão com essa margem de manobra? Uma saída tranquila do “custe o que custar” em 2021 e 2022. Antes de um retorno programado à austeridade. Na França, Bercy prevê um crescimento médio no volume de despesas públicas em 2023-2027 de 0,4%, contra uma taxa média histórica de aumento em 1979-2019 de 2,4%. Como? Reduzindo a proteção social, com o desemprego e as pensões no topo da lista. E será o caso em muitos países europeus que preveem uma queda dos déficits fiscais estruturais, sem o efeito de um retorno a uma conjuntura melhor, portanto, sinônimo de profundos cortes orçamentários em toda parte.
O que pensa o nosso eurodeputado sobre os limites da dívida pública? São eles fortes ou não? O que ele pensa da escolha política de Joe Biden de recorrer ao tríptico de mais gastos, mais impostos, mais dívidas? Não seria fazer a escolha da globalização progressista que ele defende? O que ele pensa do fato de alguns países europeus já estarem preparando novas regras de austeridade para a Europa? Não teremos as respostas para essas perguntas visivelmente muito perturbadoras.
Sobre o clima, o eurodeputado saúda a mudança para os carros elétricos como forma de reduzir a dependência dos países produtores de petróleo. Para substituí-la por uma dependência de baterias chinesas que controlam 80% do mercado? Acredita ele que “as baterias do Airbus” nos darão aquela soberania de que fala? Que ele o demonstre então. E quando aponta acertadamente que os bancos centrais já abordaram a questão climática, esquece de dizer que os stress tests climáticos, que hoje continuam sendo seu principal meio de ação, consistem apenas em verificar em que medida as finanças podem aguentar o aquecimento global, e não como elas podem ajudar a evitá-lo.
Que ele nos explique também como a Europa resiste ao intenso e crescente lobby das multinacionais que recusam qualquer progresso no controle das suas práticas sociais e fiscais, que, segundo ele, é um dos pilares da sua globalização progressista. Mas a Europa sabe se impor às multinacionais? Veja o Regulamento REACH (Sigla para Registration, Evaluation, Authorisation and Restriction of Chemicals) que rege suas práticas com produtos químicos. Exceto que um estudo detalhado de seu funcionamento sublinha que a demonstração dos perigos nunca leva a proibições firmes das moléculas em questão.
Uma última palavra sobre a justiça fiscal. O autor diz estar convicto “de que chegará a hora de se discutir a possibilidade de uma arrecadação mínima obrigatória de alguns pontos percentuais sobre os mais ricos, inclusive em países emergentes e em desenvolvimento, para financiar bens públicos globais”. Ele até diz que é a favor de um imposto excepcional e pontual sobre os ganhos de capital no mercado de ações vinculados ao boom de títulos que seria devido à política monetária. As orelhas de Emmanuel Macron devem ter ficado vermelhas, logo ele cujo primeiro ato tributário consistiu reduzir o imposto sobre os ganhos financeiros dos ricos.
Eu compartilho o sonho de uma globalização progressista. Certos desdobramentos atuais traçam o caminho possível para uma globalização que se enquadre melhor politicamente e de menor intensidade. Mas não devemos esperar por isso com apenas um slogan, sem nos preocuparmos com as tantas forças que não querem que isso aconteça, inclusive na Europa, e fechando os olhos para as escolhas contrárias feitas por sua própria maioria.
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Podemos acreditar em uma globalização progressista? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU