05 Março 2021
A doxa fiscal está mudando e a França de Emmanuel Macron está mais uma vez perdendo o trem. É preciso dizer que o debate sobre os necessários aumentos de impostos vem de dois países bastante inesperados: os Estados Unidos e o Reino Unido.
A reportagem é de Christian Chavagneux, publicada por Alternatives Économiques, 04-03-2021. A tradução é de André Langer.
O presidente democrata Joe Biden quer aumentar o imposto sobre a renda e as cotizações sociais dos americanos mais ricos, que ganham mais de US$ 400.000 (332.000 euros) em renda, assim como a tributação dos ganhos de capital para aqueles que ganham mais de 1 milhão de dólares em rendas financeiras.
Pretende também aumentar o imposto sobre os lucros das empresas de 21% para 28%, o que, aliás, o colocaria em 2021 acima da taxa francesa (26,5%, 27,5% para empresas com faturamento superior a 250 milhões de euros). Uma pedra atirada no jardim do Medef!
A escolha política do inquilino da Casa Branca é pautada tanto pela necessidade de lutar contra o enorme aumento das desigualdades no país quanto de ajudar a financiar seu plano de apoio à economia. O objetivo é atuar contra os efeitos da pandemia e financiar seu projeto de aumentar drasticamente os investimentos públicos.
Em suma, o futuro dos Estados Unidos passa por um aumento da tributação dos mais ricos e das empresas.
Apesar de ser membro de um governo conservador, o ministro das Finanças britânico, Rishi Sunak, surfa na mesma onda. Ele, por sua vez, tem um objetivo orçamentário puramente de curto prazo: ele quer colocar dinheiro nos cofres para pagar o custo da crise. No dia 3 de março, durante a apresentação do novo orçamento do país, ele anunciou um aumento da alíquota do imposto sobre as empresas de 19% para 25%.
Desde que Emmanuel Macron chegou ao poder, a França fez a escolha oposta: redução do imposto sobre as fortunas, redução da taxação dos ganhos de capital e redução da taxa de imposto sobre as empresas.
A pandemia e seu custo orçamentário extraordinário não mudaram isso. O sumo sacerdote das finanças públicas Bruno Le Maire repete diariamente o seu mantra “sem aumento de impostos”, nem para os mais ricos, nem para as empresas melhoradas com brechas fiscais e pelas quais fez aprovar inclusive um projeto de lei propondo uma redução dos impostos sobre a produção de 10 bilhões de euros por ano, mais receitas fiscais perdidas em plena crise.
Confrontado com o muro anti-fiscal do governo francês, o debate se deslocou para a possibilidade de tributar o aumento das poupanças acumuladas pelas famílias durante a pandemia. De acordo com o INSEE, sua taxa de poupança passou de 14,9% em 2019 para 21,3% no ano passado, e sua taxa de poupança financeira (poupança excluindo habitação) saltou de 4,6% para 12,1%.
O Conselho de Análise Econômica mostrou que 70% desse aumento de poupança veio dos 20% das famílias mais ricas, enquanto os 20% mais pobres tiveram que sacar suas economias para enfrentar a crise. Dito de maneira clara, a pandemia aumentou as desigualdades. Daí o debate recente: essas economias não deveriam ser tributadas?
Haveria más razões para isso.
A primeira seria acreditar que esse dinheiro fica embaixo dos colchões e não é usado. Mas o dinheiro nunca dorme. Seja em contas correntes, contas de poupança ou transformado em seguro de vida, ele serve como um recurso para bancos e seguradoras, em parte para a compra da dívida pública francesa em outra parte.
Uma segunda má razão seria justamente para colocar medo sobre o nível dessa dívida pública. Ela é financiada a taxas de juro negativas e o custo permanecerá baixo durante algum tempo. Não há necessidade orçamentária para isso, embora ajude a conter o aumento da dívida.
A terceira má razão seria querer taxar todos os 20% mais ricos. Um estudo do Banque de France acaba de confirmar que três quartos desta economia se devem à impossibilidade de consumo e apenas, durante o primeiro confinamento, um quarto por motivo de precaução. Isso significa que quando a vacinação for generalizada e as atividades de lazer forem reabertas, parte dessa economia, que está em posse da classe média alta, voltará fortemente ao consumo. Daí a rejeição dessa tributação pelos economistas keynesianos.
Resta uma última razão: a justiça social. Como aceitar, sem pestanejar, que uma pandemia resultará, sem reação política, em um aumento das desigualdades? A resposta poderia assumir a forma de um imposto excepcional, por exemplo, de 5% sobre o patrimônio dos 5% mais ricos, que são os únicos que detêm um terço do total. O suficiente para movimentar cerca de 240 bilhões de euros; estamos jogando com os grandes do setor orçamentário.
Não faltam opositores ao próprio princípio desta tributação (impacto sobre o consumo, sobre a venda de bens necessários para o pagamento do imposto, instrumentos jurídicos, etc.), mas, tendo tais medidas já sido tomadas, a história permite responder.
E as famílias não deveriam ser as únicas afetadas. As duas guerras mundiais foram seguidas pela criação de impostos sobre os “lucros excessivos” vinculados ao conflito. Os setores que tiveram desempenho superior graças à pandemia (tecnologia, vendas on-line, etc.) deveriam ser levados a conceder contribuições excepcionais para ajudar os outros, evitar falências e salvar empregos. Principalmente quando o enorme aumento dos lucros é resultado predominantemente do dinheiro público, como no caso dos laboratórios farmacêuticos.
A justiça social e a distribuição dos lucros excedentes deveriam orientar a política tributária. Não se trata de “taxar os ricos”, mas dos ganhadores de uma pandemia global, como os de uma guerra mundial. Não se fica rico em cima da doença e da morte de pessoas. Isso não tem nada de espoliador. Pelo contrário, é restaurar um equilíbrio social e democrático justo. Infelizmente, uma preocupação muito distante dos nossos dirigentes.
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Taxar os ganhadores da crise. A justiça social e a distribuição dos lucros excedentes deveriam orientar a política tributária - Instituto Humanitas Unisinos - IHU