07 Agosto 2025
Hoje, parece que a democracia deixou de ser a força motriz do desenvolvimento político que foi durante o último meio século. Há sinais de que isso é evidente.
O artigo é de Manuel Alcántara Sáez, cientista político espanhol, em artigo publicado por El País, 06-08-2025.
A ordem mundial estabelecida ao final da Segunda Guerra Mundial concebia a democracia como a forma ideal de governo, baseada em três ideias fundamentais: eleição popular de autoridades por meio de eleições livres, competitivas, igualitárias e secretas; a separação de poderes; e a expansão dos direitos humanos no âmbito do Estado de Direito. Tudo isso, além disso, ocorreu em um contexto de crescente reconhecimento do pluralismo.
Esse panorama consolidou-se no contexto da "terceira onda" teorizada por Samuel Huntington, que abrange os processos democratizantes ocorridos nas duas décadas que separam os do sul da Europa e os do leste. O fracasso do comunismo, do militarismo desenvolvimentista e de vários modelos de regimes sultanistas era evidente, e quase todos os países latino-americanos se viram imersos nesse movimento. Restaram apenas casos desviantes, como Cuba, mas a maioria aparentemente seguiu o caminho da chamada consolidação democrática.
O sucesso dessa transformação no final do século passado traduziu-se em um novo impulso na ciência política e em uma agenda para a "qualidade da democracia", que consiste em mensurar seu comportamento de acordo com abordagens teóricas pioneiras e desenvolvidas por, entre outros, Guillermo O'Donnell e Leonardo Morlino. Isso levou a avanços significativos na análise da democracia com base na avaliação de seus componentes. A Freedom House, a The Economist Intelligence Unit, a Fundação Bertelsmann, a International IDEA e o Projeto V-DEM foram os agentes mais proeminentes na condução desses estudos.
A reviravolta global provocada pela pandemia exacerbou os sintomas de fadiga que vários países, em diferentes níveis do arcabouço democrático, vinham experimentando. A desconfiança nas instituições, o descaso pela democracia e a crise de representação política, evidentes em partidos fragmentados e voláteis, com uma identidade reduzida e turva, eram evidentes. Isso também foi articulado pela centralidade de líderes inexperientes, empurrados para a arena política por consultores de comunicação especializados. Além disso, na maioria dos países latino-americanos, os fracos resultados no combate à insegurança pública e à corrupção desacreditaram ainda mais a política.
Esse cenário foi completado por uma sociedade transformada pela revolução digital exponencial: o crescente individualismo, a articulação de diferentes identidades nas redes sociais emergentes (que romperam com as formas anteriores de interação social), novos mecanismos de informação e comunicação que alcançavam as pessoas de forma personalizada, imediata e viral, e o domínio da pós-verdade (com a presença de formas de manipulação da realidade). Tratou-se, em suma, da consolidação de uma "sociedade da fadiga", segundo Byung-Chul Han, que explorou o estado da "sociedade líquida", conforme teorizado por Zygmunt Bauman, descrevendo a sociedade de consumo.
Hoje, parece que a democracia deixou de ser a força motriz do desenvolvimento político que foi durante o último meio século. Nada sugere que o inegável consenso estabelecido se mantenha. Os sinais são claros.
Além disso, o mundo é movido por conglomerados tecnológicos em constante crescimento, com escala financeira sem precedentes. Eles agem em conjunto com a alienação dos seres humanos, desenvolvendo novas formas de ação coletiva incompatíveis com a forma como a democracia, agora desarticulada, evoluiu ao longo de décadas, e abrindo caminho para um cenário pós-democrático incomum e incerto, onde a polarização emocional se mostra um instrumento eficaz.
Dentro da ambiguidade do termo, e em meio ao desmantelamento do multilateralismo como caminho para uma ordem mundial minimamente operacional, três fenômenos estão emergindo, aos quais agora se soma a disrupção provocada pela inteligência artificial (IA).
A primeira delas refere-se à capacidade autodestrutiva que sempre foi considerada inerente à democracia. Há atores internos cujo comportamento é desleal, ou mesmo "semileal", como denunciou Juan Linz. Um exemplo é Vladimir Putin, que já foi presidente graças ao voto popular, mas imediatamente começou a corroer o credo democrático, esmagando a oposição e tomando todas as alavancas do poder. O chavismo, Daniel Ortega e Nayib Bukele fizeram o mesmo, com resultados devastadores para seus países.
A segunda diz respeito ao caminho perigoso trilhado por Donald Trump e seus doze seguidores na Europa e na América Latina. Seu comportamento mina os direitos humanos ao bloquear políticas de inclusão, diversidade e igualdade, e ao criar bodes expiatórios para desabafar a ira de uma população seduzida por múltiplas formas de manipulação da realidade. A retórica nacionalista, bem como os ataques à mídia independente, a intelectuais e a grupos de oposição, minam qualquer estrutura de consideração e respeito ao pluralismo.
Em terceiro lugar, há o modelo chinês de inegável sucesso econômico e enorme transformação social, impulsionado pela urbanização e pela elevação dos padrões educacionais e de saúde. Assim, o autoritarismo chinês tornou-se um estímulo à manutenção de formas antidemocráticas em outros países.
Por sua vez, a IA está se mostrando uma ferramenta disruptiva que impacta drasticamente a desinformação e fomenta o conhecimento das preferências das pessoas, tornando a participação política convencional obsoleta. Não será surpresa, portanto, que a forma como os eleitores vão regularmente às urnas seja imediatamente substituída, assim como a forma como elegem seus representantes.
A pós-democracia, em suma, representa um espaço incerto que responde aos desafios da sociedade digital, ao mesmo tempo em que é consequência do cerco histórico sofrido pela democracia representativa e de suas falhas em enfrentar os problemas dos cidadãos e atender às suas demandas.