06 Agosto 2025
Em um festival no qual as personalidades são escritores, poetas e nomes relevantes no mundo das letras, o Festival Gabo, a estrela que mais brilhou foi a de um economista. “É um rockstar”, afirmou a pessoa encarregada da difícil tarefa de garantir que Joseph Stiglitz cumprisse sua agenda na Colômbia. O adjetivo lhe faz justiça: jovens e idosos fazem fila para tirar uma foto com ele ou pedir um autógrafo. Embora já faça 24 anos que ganhou o Prêmio Nobel de Economia por sua teoria da informação assimétrica nos mercados, Stiglitz continua lotando auditórios por onde passa. Bogotá não foi a exceção.
A entrevista é de Laura Lucía Becerra Elejalde, publicada por Cambio, 03-08-2025. A tradução é do Cepat.
Com um ar descontraído, tênis e bengala na mão, Stiglitz não faz rodeios na hora de questionar com argumentos o sistema econômico atual. Aos 81 anos, nascido em uma família judia em Gary, Indiana (Estados Unidos), Stiglitz é um dos economistas mais influentes das últimas décadas.
Como mais um de seus fãs, o presidente Gustavo Petro postou uma foto com ele nas redes sociais. Sorrindo, segurando seu livro mais recente, o presidente o chamou de amigo e admitiu que “algo de suas ideias foi aplicado na economia colombiana”.
Os livros e artigos acadêmicos de Stiglitz são leitura obrigatória nas aulas de economia, ao passo que suas teorias e postulados inspiram os discursos de muitos políticos. Stiglitz defende um estado participativo, ao mesmo tempo em que critica a globalização, o que ele chama de “fundamentalistas do livre mercado” e a desigualdade. Embora tenha sido presidente do Conselho de Assessores Econômicos do presidente Bill Clinton, bem como economista-chefe do Banco Mundial, há anos, Stiglitz questiona a institucionalidade dos organismos internacionais ocidentais.
Stiglitz estudou na Amherst College e obteve seu doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Também se formou na Universidade de Chicago. Lecionou em diversas das principais universidades dos Estados Unidos e, atualmente, é professor da Universidade de Columbia. Em um mundo onde muitos economistas pecam por ser pedantes ao explicar modelos, conceitos e teorias econômicas, este homem, diante de qualquer questão, simples ou complexa, toma ar, respira e explica com paciência.
Durante sua passagem por Bogotá, sentou-se para conversar com Cambio. Falou sobre o impacto das políticas da ultradireita sobre a economia e a qualidade de vida das pessoas, o papel do estado na construção de uma sociedade boa e expressou sua opinião sobre alguns governantes latino-americanos, entre eles, Petro. Questionou o sistema capitalista atual, defendeu a recuperação do conceito de liberdade e, sem pelos na língua, criticou Donald Trump.
O mundo está passando por um cenário geopolítico complexo, com desafios como guerras, mudanças climáticas e problemas sociais não resolvidos, ao que se soma o ressurgimento de governos de ultradireita. Neste contexto, quais são as principais falhas do sistema econômico global atual?
Nos últimos 45 anos, o modelo econômico dominante no Ocidente foi o neoliberalismo e os fundamentalistas do livre mercado, sob a crença de que mercados não regulados promoveriam o crescimento econômico e que os benefícios seriam amplamente compartilhados. Ambas as premissas resultaram errôneas. E parte das minhas pesquisas explicam por que as coisas deram tão errado. Isto contribuiu, como observamos, para a crise da desigualdade e a crise climática. Nos Estados Unidos, também temos uma crise na saúde porque não temos uma oferta adequada de assistência médica; os pobres não podem pagá-la.
O segundo problema fundamental é que o sistema econômico global é mais um reflexo do poder do que dos princípios. Embora se fale de um sistema baseado no mercado, as regras deste sistema refletem o poder dos Estados Unidos e de outros países avançados, e a falta de poder dos países em desenvolvimento. Sendo assim, temos um número relativamente pequeno de pessoas nos países avançados que escrevem as regras do jogo. Uma das coisas que digo no meu último livro é que isto enriquece as empresas, mas não necessariamente os trabalhadores dos países avançados. Reflete os interesses de pessoas poderosas, não os interesses reais dos países.
Em seu último livro, ‘The Road to Freedom’, o senhor fala sobre a importância de recuperar o conceito de liberdade para os liberais e progressistas. Como o senhor percebe a apropriação que a direita fez desta ideia?
A direita se apropriou da ideia de liberdade. Foram astutos o bastante para perceberem que as pessoas realmente se importam com a liberdade. Mas, como eu digo no meu livro, apropriaram-se da ideia porque pensaram que venderia bem. Nos Estados Unidos, as pessoas da extrema-direita estão se autodenominando “Freedom Caucus” (o grupo da liberdade). O que querem dizer? Livres para explorar, livres para se aproveitarem, mas sem garantir que os estadunidenses tenham a liberdade para desenvolverem o seu potencial. Portanto, é liberdade para alguns, mas retirando a liberdade de outros.
Como o senhor acredita que é possível melhorar os sistemas democráticos e econômicos em favor do bem-estar dos cidadãos?
Há uma questão crítica que levantei: as regras do jogo são muito importantes. Os mercados não existem no vazio, e a forma como os estruturamos faz uma grande diferença. Se garantirmos a concorrência, então, os benefícios do progresso e da inovação serão distribuídos. Mas, se não fazemos isto, os monopólios se formam e esses benefícios vão para algumas pessoas no topo.
Nos livros didáticos, ensinamos que existe concorrência, o que reduz os lucros dos mais ricos. No entanto, vemos pessoas extremamente ricas, como Elon Musk e Zuckerberg, e claramente a concorrência não eliminou seus lucros. Têm poder de monopólio. Essa é uma falha fundamental em nosso sistema de mercado.
Qual deve ser o papel do estado na construção de uma sociedade boa?
Uma das coisas fundamentais é garantir a existência de um mercado competitivo. As crianças não escolhem seus pais. Algumas nascem em famílias com poucos recursos. Uma sociedade justa garante que todas as crianças, independentemente de quem sejam seus pais, tenham acesso à educação, saúde e nutrição para que possam desenvolver seu potencial.
Há também bens públicos: investimentos em pesquisa e desenvolvimento, infraestrutura, educação pública e proteção do clima. Precisamos de regulamentações para garantir o funcionamento dos mercados e que as pessoas não se aproveitem das outras. Uma sociedade verdadeiramente funcional precisa de pesos e contrapesos, não apenas dentro do governo, mas também dentro da sociedade.
Quando pensamos em desigualdade, pobreza, saúde e educação, todos estes temas são desafios não resolvidos em muitos países. Quais políticas ou enfoques o senhor considera que são mais eficazes para abordar esses problemas?
Países diferentes precisam de políticas diferentes, dependendo de seu nível de desenvolvimento e história. Uma solução única para todos não funciona. Mas, na maioria das sociedades, fornecer estes serviços a todos os cidadãos exigirá algum apoio público. Em muitas sociedades, as cooperativas, ONGs e igrejas podem desempenhar um papel importante.
Não se pode esperar que as empresas com fins lucrativos ofereçam atendimento de qualidade. A motivação do lucro significa tentar obter todos os benefícios possíveis; cortarão custos e lucrarão. Sendo assim, o governo e a sociedade civil devem intervir, com supervisão. É necessária uma mistura de arranjos institucionais.
Donald Trump foi mais uma vez eleito presidente dos Estados Unidos. Seu governo é conhecido por suas políticas protecionistas e posição anti-imigrante. Como o senhor acredita que este governo afetará a economia global e a ordem internacional?
Em uma palavra: terrivelmente. Tem sido um desastre. Donald Trump é uma pessoa cruel e sem empatia. Uma pessoa normal se sentiria perturbada ao separar crianças migrantes de seus pais. Ele não. Uma pessoa normal deveria se preocupar com os pobres, especialmente com aqueles que não tiveram sorte, que nasceram em um país pobre. Ele herdou uma fortuna e perdeu grande parte dela, e ainda assim continua rico.
Os Estados Unidos deveriam pensar suas políticas comerciais e migratórias com base em como afetam outros países. Cortar a ajuda externa (USAID) foi indignante. Centenas de milhares de pessoas morrerão por causa do que fizeram, e os Estados Unidos poderiam facilmente ter arcado com isso.
A América Latina não é exceção no que diz respeito ao ressurgimento de governos de direita, como na Argentina e El Salvador. Como observa esta tendência na região?
É o que está acontecendo em muitos países. É preciso pensar na origem destes problemas. Parte disto é a imitação. As pessoas imitam os Estados Unidos, infelizmente. Contudo, há dois grandes fatores: a desigualdade e a insegurança. Nosso sistema econômico não tem funcionado para grandes setores da população. Isto gera ressentimento. As pessoas trabalham duro, mas não veem resultados. As pessoas querem uma mudança. Essa mudança pode inclinar para a extrema-direita ou para a extrema-esquerda.
Além disso, em muitos países, a insegurança pessoal está crescendo. As pessoas buscam respostas simples. Um homem forte como Trump parece oferecer respostas, mas não as cumpre. Sua reforma tributária, por exemplo, foi um corte para os bilionários à custa do sistema de saúde para os mais pobres, quando a expectativa de vida nos Estados Unidos está diminuindo.
Por outro lado, na região, temos países que estão se inclinando à esquerda, como a Colômbia. Considera que esta guinada política pode ajudar a equilibrar o panorama ou está contribuindo para uma polarização maior?
Depende. Uma esquerda progressista e democrática, o tipo correto de esquerda, pode ajudar a equilibrar. O presidente Lula, no Brasil, é um exemplo. Em seu primeiro governo, reduziu significativamente a pobreza e a fome, que depois aumentaram durante o governo Bolsonaro, e Lula está fazendo isso novamente.
Se alguém consegue oferecer uma visão diferente e a cumpre, isto é um poderoso contrapeso ao autoritarismo. No entanto, alguns populistas de esquerda não são democráticos, nem verdadeiramente progressistas. Maduro, por exemplo, é um ditador autoritário, não um progressista. Portanto, rótulos como “esquerda” e “direita” não capturam totalmente a realidade. A verdadeira divisão é entre autoritarismo/fascismo e progressismo/social-democracia.
Qual é a sua opinião, por exemplo, a respeito do presidente Petro?
Não estudei suas políticas o suficiente para comentar com certeza. Parece haver descontentamento com a forma como implementou suas políticas. Não basta dizer que há preocupação com a desigualdade. É preciso implementar políticas que realmente a abordem e que promovam o crescimento a longo prazo. A retórica é uma coisa, mas o que verdadeiramente importa é a execução e a transmissão disto para a realidade.
O governo do presidente Petro tem se concentrado em fortalecer os gastos sociais, mas tem sido criticado por aumentar o déficit fiscal e a dívida. Como é possível equilibrar o investimento em programas sociais com a gestão das finanças públicas?
Toda sociedade tem limitações e é preciso trabalhar dentro delas. Se você gasta muito agora, terá de pagar depois. É uma lei fundamental. Não sou contra o endividamento quando é para o investimento produtivo. As empresas se endividam para crescer. Quando se pega emprestado para investimentos com bons retornos, é algo sustentável. No entanto, quando se pega emprestado e não se gasta com sabedoria, as dívidas aumentam sem haver ativos que tragam respaldo.
A maioria dos países em desenvolvimento tem muitos projetos que podem impulsionar o crescimento. Gerenciar bem isto é difícil. A Colômbia, pelo menos no passado, teve um serviço civil forte e boa governança. Isto contribuiu para o crescimento, mesmo em tempos de conflito. A preocupação é se essas fortalezas estão se enfraquecendo hoje. É possível crescer de forma socialmente justa, e endividar-se, mas somente quando isto é bem feito e se gasta em investimentos que aumentam o crescimento e trazem uma rentabilidade acimada da taxa de juros que se paga pela dívida.