03 Abril 2025
"Nos dois anos e meio do governo Petro, a pauta da oposição de direita tem se concentrado mais em obstruir os projetos do governo do que em apresentar uma proposta própria".
O artigo é de Alejandro Mantilla Quijano, publicado por Nueva Sociedad, em março de 2025.
Alejandro Mantilla Quijano é licenciado e mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Javeriana, com estudos de doutorado em Filosofia na mesma universidade. Foi professor adjunto do Departamento de Ciência Política da Universidade Nacional da Colômbia.
O presidente colombiano iniciou o último terço de seu mandato com tensões dentro do gabinete, dificuldades no Parlamento e uma tentativa de remobilizar a população para aprovar suas reformas, inclusive por meio de uma consulta popular. Enquanto isso, todas as forças políticas começam a olhar para as eleições de 2026.
No período entre 4 de fevereiro e 18 de março de 2025, o governo de Gustavo Petro passou por uma crise interna, uma tentativa fracassada de recomposição, uma grave derrota política e o início de um processo de mobilização. São 44 dias turbulentos que evidenciam os contrastes do primeiro governo de esquerda e a estratégia de uma oposição sem lideranças unificadas, mas com capacidade de bloquear as principais iniciativas do governo. Em suma, são 44 dias que marcam o início do terço final do mandato e antecipam os tempos conturbados da campanha eleitoral de 2026.
Embora Petro tenha vencido as eleições com um programa e uma identidade associados à esquerda, seu gabinete ministerial e sua bancada no Congresso são o resultado de uma coalizão instável que inclui diversos dirigentes oriundos da política tradicional. Esse traço é constitutivo do petrismo no poder e tem sua origem na campanha eleitoral de 2022. Após as mobilizações de 2019 e 2021, diante da crescente impopularidade do governo conservador de Iván Duque e da falta de lideranças fortes na direita e no centro, setores vindos do partido do ex-presidente Juan Manuel Santos (um ex-uribista que se deslocou para posições menos radicais) buscaram convergir com o Pacto Histórico de Petro. E, após a vitória, operadores de campanha como Armando Benedetti tornaram-se figuras-chave do novo governo.
A instabilidade dessa aliança deixou de ser um risco latente para se tornar uma situação evidente. O Conselho de Ministros televisionado de 4 de fevereiro, por uma decisão governamental incompreensível, expôs as tensões internas do governo diante de centenas de milhares de espectadores. As queixas da vice-presidente – e ex-ministra da Igualdade – Francia Márquez, da então ministra do Meio Ambiente Susana Muhamad, do diretor da Unidade Nacional de Proteção, Augusto Rodríguez, e do diretor do Departamento de Prosperidade Social, Gustavo Bolívar, foram dirigidas a Benedetti e à polêmica Laura Sarabia, que hoje ocupam os cargos de Ministro do Interior e de Relações Exteriores, respectivamente. Benedetti é uma figura explosiva, e Sarabia, uma jovem funcionária de 31 anos que teve uma ascensão meteórica no governo Petro.
Essa tensão reflete a cisão estrutural do governo. De um lado, há lideranças oriundas dos movimentos sociais, como Francia Márquez, ou que mantêm uma longa proximidade com o presidente, como Muhamad, Rodríguez e Bolívar. No outro lado, está Benedetti, um político camaleônico que já foi aliado de Álvaro Uribe e depois congressista próximo de Juan Manuel Santos. Apesar de seu histórico sinuoso, chegou ao petrismo como chefe de campanha. Laura Sarabia era desconhecida do público até sua entrada repentina no círculo íntimo do presidente. Em dois anos e meio, passou de assessora de um senador (Armando Benedetti) a chefe de gabinete presidencial, depois diretora do Departamento Administrativo da Presidência e, por fim, Ministra das Relações Exteriores.
A tensão entre esses grupos do governo se manifestou em pelo menos três aspectos. O papel de Benedetti foi questionado no Conselho de Ministros devido a graves acusações de violência de gênero contra sua esposa, o que gerou fortes protestos de altas funcionárias do governo, como Márquez e Muhamad, e de movimentos feministas que apoiaram Petro nas eleições. Além disso, Benedetti é acusado de persistir em práticas clientelistas que desvirtuam o discurso de renovação política de Petro. Ele foi apontado, por exemplo, como facilitador de uma tentativa frustrada de financiamento ilegal da campanha presidencial por um chefe do contrabando. Sarabia, por sua vez, foi acusada de beneficiar sua família graças à sua posição estratégica na Casa de Nariño e de favorecer um lobista envolvido em pagamentos ilegais a instituições de saúde. Vários funcionários anteriormente próximos a Petro, especialmente a ex-ministra Muhamad, afirmam que Sarabia dificultou o acesso ao presidente e comprometeu a coordenação dentro do Executivo.
É importante notar que essas tensões internas acompanham o governo desde o início. O primeiro gabinete ministerial teve vida curta devido a divergências programáticas entre esses dois blocos. No entanto, parece que, nas últimas semanas, houve uma mudança qualitativa. No início do governo, Petro demonstrava preferência por funcionários mais alinhados ao seu projeto político e ao programa de governo, algo que se refletia nas recomposições periódicas do gabinete. Agora, apoia incondicionalmente Benedetti, que atua como principal articulador político do governo, e mantém Sarabia como chanceler da República.
A competição interna projeta a imagem de um governo marcado por intrigas palacianas que enfraquecem sua própria governabilidade. Curiosamente, algumas vozes sugerem que essas fissuras são estimuladas pelo próprio Petro. "O presidente gosta de nos ver brigando. Poderia adotar uma posição muito mais ativa e não permitir que nos destruamos uns aos outros sem motivo", afirmou um ministro ao jornal El País. Talvez essa postura reflita um traço da personalidade do presidente: sua valorização da lealdade pessoal como principal critério para delegação de responsabilidades. Isso pode explicar a constante rotatividade em um gabinete que, na metade do mandato, já teve 52 ministros e 126 vice-ministros. Não é coincidência que, no Conselho de Ministros, Petro tenha se distanciado de sua própria equipe ao afirmar que "o presidente é revolucionário, mas o governo não". Essa atitude pode fortalecer sua figura, mas dificulta a construção de um projeto coletivo de longo prazo.
As tensões internas, as dificuldades para obter maiorias no Congresso para aprovar as reformas trabalhista e da saúde e a iminência do debate eleitoral de 2026 motivaram, na primeira semana de fevereiro, o anúncio de uma mudança no gabinete. No entanto, essa reconfiguração não alterou substancialmente a coalizão de governo. Além disso, o presidente optou por incorporar novas figuras, sacrificando funcionários mais experientes em áreas estratégicas como Trabalho, Meio Ambiente, Minas, Fazenda e Defesa.
A mudança no Ministério da Defesa merece destaque. Petro nomeou Pedro Sánchez, um general da Força Aérea que precisou renunciar para assumir o cargo. A última vez que um militar chefiou essa pasta na Colômbia foi em 1991. É paradoxal que um governo progressista tenha rompido uma tradição de 34 anos de direção civil da segurança. Não surpreende que as principais organizações de direitos humanos tenham criticado a nomeação e alertado para uma possível "deriva militarista".
Benedetti marcou uma vitória inicial ao conseguir a aprovação da reforma da saúde na Câmara dos Representantes no início de março. Mas a alegria durou pouco. Dias depois, a maioria da Comissão VII do Senado anunciou que rejeitaria a reforma trabalhista, uma derrota para os novos ministros do Interior e do Trabalho. Para reagir, Petro convocou uma mobilização popular paralela ao debate legislativo e declarou que convocaria uma consulta popular para que o povo decidisse sobre as reformas sociais diante da resistência do Congresso.
A mobilização de 18 de março confirmou a capacidade do governo de mobilizar as ruas, mas também evidenciou suas dificuldades no Congresso, pois não impediu o fracasso da reforma trabalhista. Mais do que um embate entre Executivo e Legislativo, cujo desfecho já era previsível, essa mobilização marcou o início de uma campanha de agitação em favor da consulta popular para as reformas do governo.
A proposta de consulta popular busca neutralizar a oposição, que tem bloqueado as principais iniciativas do governo no Congresso. A ideia é canalizar o descontentamento contra o Legislativo e consolidar a base de apoio do oficialismo. No entanto, a consulta extrapola as reformas que a motivam, pois inaugura um cenário de mobilização que coincide com a reta final do governo, visando ampliar o respaldo popular e pavimentar algum tipo de convergência para as eleições de 2026.
A estratégia complementar do governo envolve a aprovação de alguns pontos da reforma trabalhista por decreto, contornando a resistência legislativa. No entanto, isso levanta um debate jurídico sobre se tais mudanças podem ser implementadas sem o status de lei. Mesmo que essa tática funcione, fica a dúvida sobre por que demorou tanto para ser adotada.
A consulta popular revela a habilidade política de Petro para confrontar adversidades. Contudo, pode se tornar uma armadilha: além da dificuldade de atingir o quórum necessário para aprovação das reformas, o Congresso precisa autorizar a consulta – e Petro não controla o Legislativo. Acima de tudo, a estratégia dá à oposição uma chance para se reorganizar e assumir a iniciativa política.
A mudança no Ministério da Defesa ocorre em meio à intensificação dos confrontos entre diversos grupos armados. Somente na região de Catatumbo, território fronteiriço com a Venezuela, a ofensiva do ELN contra a dissidência das FARC, hoje conhecida como EMBF, provocou a morte de 76 pessoas (63 civis, 6 signatários da paz, 4 menores de idade e 3 líderes sociais), o desaparecimento de cinco signatários da paz (membros de grupos armados que depuseram as armas), o deslocamento forçado de 55.659 pessoas e o confinamento de 23.860.
Além disso, um confronto entre o EMBF e o Bloco Amazonas – outra dissidência das FARC – comandado por alias Iván Mordisco, no departamento de Guaviare, no sudeste do país, deixou pelo menos 20 mortos. Em meados de fevereiro, uma incursão de integrantes do ELN gerou o deslocamento de 70 signatários da paz concentrados na Nova Área de Reincorporação Omaira Díaz, localizada em Yondó, região do Magdalena Medio, hoje disputada entre o ELN, grupos dissidentes das FARC e os paramilitares do Clã do Golfo. No sudoeste do país, o distrito de El Plateado continua sob controle das dissidências das FARC, apesar da retomada prometida pelo Exército Nacional.
Essa onda de violência que marcou os primeiros meses do ano tem dois fatores em comum. A assinatura do Acordo de Paz de 2016 abriu novos flancos de guerra entre atores que buscam ocupar territórios antes controlados pelas FARC ou que tentam expandir sua presença territorial em um momento de reorganização dos atores do conflito. Além disso, diversos grupos armados iniciaram negociações com o governo no âmbito da paz total, estratégia promovida por Petro para dialogar com todos os grupos armados mais representativos.
O agravamento das tensões armadas pode ser interpretado como um sinal de fracasso da política de resolução do conflito. No entanto, o governo afirma que vários processos de paz avançam apesar das dificuldades. A mesa de negociação com o EMBF, comandado por alias Calarcá Córdoba e atuante em Meta, Guaviare e Caquetá, implementou acordos sobre titulação de terras. A mesa com a Coordenadora Nacional Exército Bolivariano, proveniente das dissidências das FARC e liderada por Walter Mendoza, conseguiu superar o impasse gerado pela detenção de um de seus negociadores. Nos diálogos com os paramilitares das Autodefesas Conquistadoras da Sierra Nevada, houve avanços em acordos para proteção das comunidades. Em Buenaventura, a trégua entre as gangues urbanas Los Shottas e Los Espartanos foi mantida, e também avançam as negociações com os Comuneros del Sur, grupo dissidente do ELN.
Resumindo, dois movimentos marcam a política de paz. Por um lado, as mesas de diálogo continuam, algumas com implementação de acordos, mas os confrontos armados se intensificam. Por outro, os diálogos provocaram divisão e dispersão dos grupos armados, dificultando ainda mais a construção de uma política de paz abrangente. A fragmentação dos atores em um contexto de disputas territoriais e conflitos armados pode incentivar a ocupação territorial e a luta pelo controle de recursos, tornando ainda mais difícil alcançar uma política de paz consistente e com resultados concretos.
Nos dois anos e meio do governo Petro, a agenda da oposição de direita tem se concentrado mais em obstruir os projetos do governo do que em apresentar uma proposta própria. Sua forte crença no modelo neoliberal e na continuidade da guerra como ferramenta de regulação política levou esses setores a uma estratégia de persistência no bloqueio. Em outras palavras, seu projeto se resume a celebrar os possíveis fracassos do governo. No entanto, a oposição enfrenta dois problemas principais: a incapacidade de se unificar em um projeto único e a ausência de uma liderança articuladora.
Não por acaso, em vários momentos, a liderança da oposição no Congresso esteve nas mãos de setores de centro que marcaram distância do governo, especialmente na Câmara dos Representantes, com as lideranças de Catherine Juvinao, Jennifer Pedraza e Katherine Miranda.
O cenário de uma consulta popular poderia reconfigurar o espectro político opositor. De um lado, está se formando uma aliança entre partidos tradicionais, incluindo liberais, conservadores, o Partido da U e o Novo Liberalismo, que tentam agregar pequenas legendas alinhadas. O segundo ator nesse espectro é Germán Vargas Lleras, cujo partido, Melhor Vargas Lleras, busca articular setores da oposição, tanto do empresariado quanto do poder político tradicional. O terceiro grupo é o bloco uribista, representado pelo Centro Democrático, principal força da extrema direita colombiana. O Centro Democrático tem várias pré-candidaturas presidenciais apoiadas pelo seu líder máximo, o ex-presidente Álvaro Uribe.
Também há a pré-candidatura de Vicky Dávila, uma jornalista que se apresenta como uma outsider da extrema direita, tentando emular os discursos de Javier Milei, da Argentina, e Nayib Bukele, de El Salvador. No centro político, que não se alinha com Petro, destacam-se o ex-prefeito de Medellín Sergio Fajardo e a ex-prefeita de Bogotá Claudia López, que provavelmente adotarão um discurso contrário à polarização, baseando-se em suas experiências como governantes locais.
A consulta popular sobre as reformas sociais pode dar à oposição uma chance de construir uma gramática comum, habilitar cenários de coordenação para reduzir suas diferenças e medir a capacidade de mobilização de seus pré-candidatos presidenciais, permitindo-lhes entrar antecipadamente na campanha eleitoral. Embora, em tese, seja impopular se opor aos direitos da classe trabalhadora, a experiência da vitória do "Não" no plebiscito pela paz de 2016 oferece lições que a oposição certamente buscará replicar, aproveitando o momentum "libertário" que tem atraído jovens de setores populares em várias partes do continente.
Cada um desses setores enfrenta desafios objetivos. Se a aliança dos partidos tradicionais for bem-sucedida, terá o maior potencial eleitoral, mas carece de um candidato forte para unificar todo o espectro. Apesar de sua influência política, Vargas Lleras não controla todo o eleitorado de seu partido, o que pode levá-lo a um fracasso semelhante ao de 2018. O uribismo, por sua vez, enfrenta problemas judiciais envolvendo seu líder natural, suas pré-candidaturas não se destacam nas pesquisas e há dificuldades para mobilizar eleitores em várias regiões, incluindo Bogotá; além disso, a candidatura de Vicky Dávila enfraquece os demais candidatos do setor.
Dávila pode se beneficiar de sua imagem de outsider, mas sua falta de experiência nos debates públicos, desconhecimento do Estado e discurso extremista podem limitar seu crescimento. Já os candidatos do centro político enfrentam o desafio de se consolidar em um cenário polarizado entre uma frente ampla de centro-esquerda e várias propostas de direita tentando se unir. Embora possam crescer com críticas ao governo, correm o risco de perder parte de seu eleitorado se se alinharem com a direita tradicional.
Ainda assim, as estratégias de Fajardo e López podem seguir caminhos diferentes. Enquanto Fajardo pode buscar uma coalizão ampla, inclusive com setores ligados a Álvaro Uribe, Claudia López teria mais dificuldade em se aliar a uma classe política tradicional que já criticou e denunciou por vínculos com o paramilitarismo.
No último terço do governo, já se pode dizer que várias expectativas de seus apoiadores foram limitadas, não cumpridas ou bloqueadas por atores externos. O governo não conseguiu aprovar reformas sociais significativas nem impulsionar o início de uma transição para outro modelo econômico; não vislumbra um caminho claro para a substituição das economias do narcotráfico nem está perto de concretizar novos acordos de paz.
Esse resultado provisório depende de múltiplos fatores, entre os quais se destacam a fragmentação interna do próprio governo, que dificultou a execução de suas políticas, mas também a virulência da oposição, que bloqueou iniciativas cruciais. Além disso, esses resultados também estão ligados ao bloqueio de políticas estratégicas imposto pelas altas cortes – especialmente a Corte Constitucional –, bem como ao ressurgimento da violência derivada do não cumprimento do acordo de paz, da ação estratégica dos atores armados e das dificuldades nas negociações em curso.
Apesar das dificuldades, o governo não esteve isento de acertos. Embora ainda esteja longe de reverter a histórica desigualdade na posse da terra, a política agrária facilitou o acesso à propriedade para camponeses, indígenas e afro-colombianos, atuou em casos emblemáticos de desapropriação e fortaleceu a organização de comitês de reforma agrária em quase metade dos municípios do país.
Com uma campanha eleitoral que começa de forma antecipada, surge a questão sobre o destino da esquerda. A ausência de pré-candidaturas fortes nesse campo revela um problema de sucessão que precisa ser enfrentado (na Colômbia, não há reeleição presidencial). Além disso, o protagonismo de Benedetti e Sarabia revela que grande parte da liderança governamental nesses anos não dependeu da esquerda nem dos movimentos sociais que lideraram o levante social. Por isso, é provável que a proposta de frente ampla que hoje se promove a partir do governo não seja liderada por um nome da esquerda, mas por um dos aliados vindos do poder tradicional.
Esse cenário obriga a esquerda a se redefinir como um projeto de longo prazo que vá além das limitações e conquistas do governo Petro, que se questione sobre a defesa de valores morais e ideias de redistribuição, reconhecimento, comunidade e transformação, e que saiba aproveitar a experiência de formação de gestores dentro do Estado, mas também valorizar a centralidade dos processos populares à margem do Estado.