As ameaças ao governo de Petro. Artigo de Alejandro Mantilla Quijano

O governo de Petro atravessa o segundo terço de seu mandato em meio a uma conjuntura difícil. Embora a oposição esteja fragmentada, o governo da Aliança Histórica encontrou inimigos nas estruturas de controle do Estado e em uma direita cada vez mais radicalizada.

Foto: Domínio Público

08 Março 2024

"O principal trabalho da oposição consiste, hoje, em obstaculizar as iniciativas do governo de Petro, mas sem apresentar um projeto próprio que vá além dos lugares-comuns do neoliberalismo e da exaltação da segurança repressiva. Enquanto os governos de Uribe e Santos tiveram uma bússola clara e um programa consistente, a direita atual parece limitada ao antipetrismo. No entanto, os exemplos de Milei e Bukele podem chamar a atenção dos setores opositores mais extremistas como inspiração para a campanha presidencial que já se avizinha no horizonte".

O comentário é de Alejandro Mantilla Quijano, doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Javeriana, em artigo publicado por Nueva Sociedad, março de 2024. 

Eis o artigo. 

O governo de Gustavo Petro iniciou o segundo terço de seu mandato em meio a uma conjuntura difícil. Sua confrontação com dois altos funcionários do Estado, o procurador Francisco Barbosa e a procuradora Margarita Cabello, atingiu o auge no início de fevereiro. A suspensão de três meses do ministro das Relações Exteriores, Álvaro Leyva, pela Procuradoria, e a busca irregular da Procuradoria na Federação Colombiana de Trabalhadores da Educação (Fecode), motivaram o presidente a denunciar internacionalmente o risco de uma "ruptura institucional" que ameaçaria a continuidade de seu governo. Além disso, a tensão entre o presidente e a Corte Suprema de Justiça, que tem motivado duras críticas contra Petro.

O ex-guerrilheiro, que assumiu a presidência em agosto de 2022 como o primeiro presidente de esquerda da Colômbia em mais de um século e meio, enfrenta uma tripla ameaça. Em primeiro lugar, o tempo avança e exige que ele mostre realizações de políticas públicas para satisfazer as altas expectativas de mudança geradas no momento de assumir o cargo. Em segundo lugar, a baixa execução orçamentária de 2023 revela problemas na implementação de seu projeto político. E, finalmente, a instabilidade, que o governo denuncia como uma possível "ruptura institucional", torna o ambiente político hostil e ameaça obstruir sua governabilidade.

Gustavo Petro com o presidente Lula durante a COP28, em Dubai. (Foto: Ricardo Stuckert | Flickr - Palácio do Planalto)

O padrão duplo

A denúncia de Petro sobre uma possível ruptura institucional foi motivada por três eventos simultâneos: as investigações da Procuradoria sobre o financiamento da campanha presidencial, as sanções reiteradas da procuradora contra altos funcionários do governo e a demora da Corte Suprema de Justiça no processo de escolha do novo Procurador Geral da Nação. Na opinião do presidente, os três eventos são sintomas de um clima de desestabilização que condiciona seu mandato. Portanto, vale a pena rastrear a origem dessa tensão.

O mandato de Iván Duque (2018-2022) foi marcado por uma paradoxo. Sua impopularidade e seus problemas de liderança refletiram, respectivamente, em um constante descontentamento popular expresso em dois levantes sociais de alcance nacional e em uma notável incapacidade de coesionar sua coalizão de governo e as alianças de classe que o sustentavam. A força da oposição de esquerda teve como correlato a fraqueza e a fragmentação da direita, tendências que abriram caminho para a eleição de um governo alternativo. No entanto, essa fraqueza na relação de forças não se refletiu dentro do Estado, pois o então presidente Duque conseguiu dominar os principais órgãos de controle e investigação judicial com políticos de sua total confiança.

Francisco Barbosa, que foi colega de estudos de Iván Duque e seu conselheiro presidencial para os direitos humanos e assuntos internacionais, foi eleito procurador-geral em 30 de janeiro de 2020. Um ano depois, Margarita Cabello foi eleita chefe da Procuradoria. Advogada conservadora desconhecida pelo público até 2009, quando o então presidente Álvaro Uribe a incluiu na lista para a eleição de Procurador Geral – cargo que não conseguiu obter –, Cabello teve um rápido avanço profissional que a levou a ocupar uma cadeira como juíza da Corte Suprema. Esse sucesso profissional não se deve apenas às suas qualidades como jurista, mas também à sua proximidade com o ex-presidente Álvaro Uribe e com Alejandro Ordóñez, advogado ultraconservador e ex-procurador geral, que em sua juventude organizou queimas de livros de Gabriel García Márquez, Karl Marx e Jean-Jacques Rousseau, e mais figura chave na destituição do atual presidente Gustavo Petro quando era prefeito de Bogotá.

Aqui está o paradoxo. Iván Duque passou para a história como um presidente fraco, com uma liderança instável, mas bem-sucedido em controlar cargos estratégicos que inibiram possíveis contrapesos institucionais durante seu mandato, e que foram instalados para controlar – e confrontar – o governo Petro.

A importância de Barbosa e Cabello não se baseia apenas em seus laços políticos e em sua relevância institucional em um dos países com maior número de advogados por metro quadrado. Também é crucial o vazio estratégico que preencheram. Diante do governo de Petro, o procurador Barbosa e a procuradora Cabello ocuparam o lugar que a oposição no Congresso não teve, parecendo desorientada, sem vozes claras e sem lideranças com alta capacidade de convocação. Isso permite compreender o marcado duplo padrão que caracterizou suas atuações públicas. Cabello foi implacável com funcionários do governo nacional, aproveitando áreas cinzentas da interpretação jurídica, mas evitou tomar medidas diante de graves escândalos protagonizados por seus círculos próximos, como aconteceu com o círculo da família Char, o grupo político mais poderoso do Caribe colombiano. Barbosa, por sua vez, procurou favorecer Álvaro Uribe no processo penal que enfrenta por manipulação de testemunhas, com argumentos que vários juízes rejeitaram por infundados, mas que lhe permitiram ganhar tempo. Essas atuações nos processos judiciais foram complementadas por uma aparição pública excessiva do ex-procurador-geral, que foi um franco opositor à política de paz do governo e procurou se posicionar, com constantes confrontos com o chefe de Estado, como a figura mais relevante da oposição.

As ações da Procuradoria e da Procuradoria-Geral têm sido uma sombra constante para Petro, mas nas últimas semanas dois fatores aprofundaram a tensão. A suspensão do Chanceler pela procuradora, por um caso relacionado à licitação dos novos passaportes, somou-se à busca na sede do sindicato de professores – a organização social com o maior número de filiados do país – por suposto financiamento irregular à campanha presidencial, no contexto das acusações contra Nicolás Petro, o filho do presidente que está detido.

Essa seletividade simultânea dos dois principais contrapesos do governo motivou uma resposta tão polêmica quanto pouco estratégica do presidente: a denúncia de uma ruptura institucional em andamento. O presidente assumiu que se trata de um ataque coordenado que colocava em risco a estabilidade de seu governo e disparou os alarmes.

Uma tempestade perfeita?

Se os primeiros dias de fevereiro foram turbulentos, as coisas estiveram longe de se acalmar. O sucessor do procurador Barbosa deve ser nomeado pela Corte Suprema de Justiça a partir de uma lista tríplice enviada pela presidência. Diante das tensões com o procurador, o governo se apressou em enviar a lista em agosto de 2023, apresentando três juristas – Luz Adriana Camargo, Ángela María Buitrago e Amelia Pérez – com uma ampla e reconhecida trajetória. Esse gesto precoce buscava que, ao final do mandato de Barbosa, a Corte Suprema já tivesse seu substituto, evitando um longo período de interinidade que poderia beneficiar a oposição. No entanto, esse cálculo foi inútil.

Embora a lista tenha sido enviada há mais de seis meses, o tribunal ainda não escolheu o novo procurador. O complicado processo de seleção na Corte Suprema tende a adiar a decisão final e favorece a interinidade na Procuradoria. No entanto, desta vez, a demora tem dois ingredientes inéditos: o afã conspiratório da Procuradoria e as acusações contra a procuradora interina, que acabou de assumir o cargo.

Martha Mancera, nova procuradora interina, não é apenas conhecida por ser a sombra de Barbosa. Nos últimos meses, passou do anonimato à crítica por sérias denúncias que a acusam de favorecer uma estrutura de narcotráfico dentro da entidade que agora preside. Em sua coluna dominical, o advogado Ramiro Bejarano denunciou uma investigação pela Procuradoria, o que levou o veículo Cuestión Pública a confirmar que "do escritório da então vice-procuradora Martha Mancera, hoje procuradora-geral interina, uma unidade paralela teria sido criada que agia sob suas instruções, mas sem notificações judiciais para investigar personalidades ou assuntos incômodos para a Procuradoria de Francisco Barbosa". Vale ressaltar que Ramiro Bejarano é um dos advogados de defesa do senador de esquerda Iván Cepeda, que foi vítima de uma montagem judicial fracassada, fatos que agora levaram a justiça a investigar a responsabilidade penal de Álvaro Uribe nesses acontecimentos.

Torpezas estratégicas

Diante dessa situação, setores afins ao governo partiram para o ataque. Passaram de denunciar o risco de ruptura institucional para convocar uma mobilização que reforçasse a posição de Petro e, ao mesmo tempo, pedisse a eleição imediata da nova procuradora-geral. No entanto, às vezes, um passo à frente implica vários passos para trás, e a convocação foi uma demonstração de torpeza em vários aspectos. Foi convocada para 8 de fevereiro, na mesma data em que a Corte se reuniria para votar; além disso, não ficou claro se a convocação vinha dos setores sociais próximos a Petro ou se era impulsionada pelo próprio governo. A combinação desses dois fatores poderia ser interpretada como uma pressão sobre a Corte e como uma ameaça à independência judicial.

Além disso, não estava claro se os manifestantes deveriam se dirigir à Procuradoria para protestar contra Barbosa e Mancera, ao Supremo Tribunal para exigir a decisão, ou se deveriam se aproximar do Palácio Presidencial para apoiar Petro. Ao meio-dia daquele quinta-feira, quando foi conhecido que a Corte não havia chegado a uma decisão final, um pequeno grupo de manifestantes enfurecidos dirigiu-se à entrada do Palácio da Justiça e tentou entrar à força. Embora a integridade de nenhum magistrado tenha estado em risco, a imagem de uma agressão contra a administração da justiça foi bem explorada por setores da oposição e pela imprensa corporativa, que tem uma linha editorial adversa ao governo. O dia terminou com um comunicado da Corte Suprema rejeitando as agressões contra ela e insistindo na autonomia de suas funções.

Gustavo Petro em Kingstown para a cúpula da CELAC realizada no início de março. (Foto: Flickr | Domínio Público)

Nenhuma ruptura institucional iminente?

"Isso é mais complexo do que imaginamos, e hoje nosso desafio é que Petro não fique por quatro anos, nem acabe com a liberdade, nem com o que construímos." Estas palavras foram proferidas pela senadora de direita radical María Fernanda Cabal, matriarca da família que dirige a associação dos pecuaristas, defensora de militares acusados de violar direitos humanos e confessa admiradora de Javier Milei, Jair Bolsonaro, Nayib Bukele e Donald Trump. A proximidade de Cabal com ex-militares opositores ao governo, como o general Eduardo Zapateiro, somada às pressões da procuradora e do fiscal, são razões que favorecem as teorias sobre planos de desestabilização ou conspirações de longo alcance.

No entanto, nenhum dos eventos denunciados por Petro constitui uma ameaça iminente à estabilidade de seu governo e não há evidências de um golpe com chances de se concretizar. A economia colombiana permanece estável, não há insubordinações significativas nas forças militares, a oposição não possui uma capacidade significativa de mobilização nem conta com uma figura carismática capaz de atrair apoio maciço, não há tensões com o governo dos Estados Unidos e as aproximações entre o governo e os grandes empresários colombianos conseguiram suavizar as arestas.

Além disso, ao contrário de outros países, a Constituição colombiana não inclui a figura do impeachment para o presidente nem normas de revogação do mandato. A única figura jurídica que poderia habilitar um processo de destituição é um processo judicial decorrente de uma acusação penal no Congresso, um procedimento dispendioso que só poderia ser concretizado sob duas condições: se houver sérios indícios da prática de um crime pelo chefe de Estado e se o Executivo não conseguir garantir maiorias no Congresso para impedir sua condenação.

Além das declarações de algumas figuras da oposição que compensam seus problemas de liderança com uma virulência retórica calculada, o governo nacional não enfrenta uma tentativa séria de desestabilização, mas sim uma oposição que busca aproveitar uma conjuntura difícil para o presidente. Além dos casos mencionados, as denúncias de gastos excessivos da primeira-dama, Verónica Alcocer, os rumores sobre mudanças de ministros, o recrudescimento da violência e os assassinatos de líderes sociais, os problemas no trâmite das reformas da seguridade social no Congresso e os baixos indicadores de execução são alguns fatores que têm afetado a imagem do governo.

Nesse contexto, a narrativa do "golpe brando", que aparece nos discursos presidenciais desde o início de seu mandato, pode ser contraproducente, pois coloca o oficialismo em uma postura defensiva, investindo mais energia na defesa contra potenciais rivais do que na execução de seu programa de governo.

Hoje, na Colômbia, convergem quatro processos entrelaçados: 1. os antagonismos e tensões próprios de um sistema político que favorece a utilização estratégica dos órgãos de controle pela oposição; 2. as limitações de um governo que não controla instituições de primeira importância no Estado; 3. um ordenamento jurídico que confere especial força às altas cortes facilitando o "choque de trens" com o governo, e 4. denúncias fundamentadas sobre a articulação entre setores do crime organizado e tomadores de decisão estatais que são adversários do governo e seu programa de mudança.

Nesse contexto, as declarações mencionadas da senadora Cabal e as acusações contra a fiscal Mancera não devem ser levadas de ânimo leve. Tanto a radicalidade de parte da direita, encorajada com a ascensão de Bukele e Milei, quanto os possíveis laços de altos funcionários com grupos mafiosos são fatores de risco para as instituições democráticas. No entanto, lembrando uma velha história infantil, gritar que o lobo está vindo repetidamente pode fazer com que ninguém preste atenção se ele realmente vier.

Tensões e oportunidades

O governo de Petro entra em um segundo terço no qual tem as obrigações de alcançar maiores avanços em suas políticas, de reivindicar a renovação de sua aliança com os movimentos sociais que lhe deram a vitória em 2022 e de assegurar estabilidade diante dos ataques da oposição. Tais exigências o confrontam com um panorama difícil, mas com oportunidades.

Uma dificuldade persistente é o trâmite dos projetos de lei que tramitam no Congresso da República, especialmente as reformas de saúde, trabalhista e previdenciária, e os projetos relacionados ao direito à educação. O primeiro obstáculo reside na própria coalizão de governo. Em 2023, coletividades como o Partido Conservador e a Aliança Social Independente passaram de apoiar o oficialismo a uma posição independente, enquanto setores da política tradicional, como o Partido Liberal e o Partido da União pelo Povo, optaram por continuar na coalizão, mas sem deixar de marcar distância das iniciativas governamentais. Outra situação particular é a que tem como protagonista a Aliança Verde, um partido de centro onde convivem setores afins ao governo com facções em processo de radicalização conservadora. A instabilidade e a progressiva fragmentação da coalizão de governo geram uma relação de forças no interior do Legislativo que tem dificultado a aprovação das reformas e bloqueado a realização de parte de seu programa político.

Uma dificuldade complementar é a de uma oposição atomizada mas ativa. Como já mencionado, a direita colombiana enfrenta uma crise de lideranças de longa duração. Aos processos judiciais do ex-presidente Uribe e à má gestão do ex-presidente Duque, somou-se o péssimo desempenho dos partidos tradicionais nas eleições regionais de 2022. Em vez de Fico Gutierrez, o candidato mais próximo ao uribismo, foi o excêntrico Rodolfo Hernández quem enfrentou Petro no segundo turno eleitoral. Hernández, um empresário e ex-prefeito de Bucaramanga alheio às elites bogotanas, surpreendeu com seus vídeos de TikTok e seu desembaraço em entrevistas e desbancou a direita tradicional.

Os processos judiciais de Uribe, as falhas de Duque e o desaparecimento de Hernández após as eleições deixaram a oposição sem liderança unificada, nem coincidência em uma nova liderança comum. No entanto, nas eleições regionais de final de 2023, os partidos políticos tradicionais foram os vencedores, o que sugere um processo de recomposição da oposição que aproveitou os tropeços do governo. Vale ressaltar que tais vitórias dependeram do reciclagem de líderes tradicionais em vez do posicionamento de figuras emergentes. As vitórias de Carlos Fernando Galán em Bogotá, do ex-candidato presidencial Federico Fico Gutiérrez em Medellín, Alejandro Éder em Cali ou Alejandro Char em Barranquilla refletem os problemas para forjar uma genuína renovação geracional nos setores políticos tradicionais. Talvez o principal problema da oposição seja sua falta de agenda propositiva. Como já mencionado anteriormente, o principal trabalho da oposição consiste, hoje, em obstaculizar as iniciativas do governo de Petro, mas sem apresentar um projeto próprio que vá além dos lugares-comuns do neoliberalismo e da exaltação da segurança repressiva. Enquanto os governos de Uribe e Santos tiveram uma bússola clara e um programa consistente, a direita atual parece limitada ao antipetrismo. No entanto, os exemplos de Milei e Bukele podem chamar a atenção dos setores opositores mais extremistas como inspiração para a campanha presidencial que já se avizinha no horizonte.

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