Por: Márcia Junges | 14 Abril 2025
“As condições para a produção do fascismo em grande escala estão presentes. Não por acaso estamos presenciando o recrudescimento dos signos fascistas no plano macropolítico. Contudo, a atual conjuntura possui peculiaridades que tornam tudo diferente. As subjetividades e as racionalidades do capitalismo neoliberal diferem sobremaneira das que garantiram o desenvolvimento do capitalismo industrial. Logo, é arriscado tentar fazer aproximações entre a ascensão fascista do presente e o fascismo italiano cogitando simplesmente uma atualização ideológica ou estética. O risco de incorrer em anacronismo ou de descurar de elementos cruciais do fenômeno na atualidade é muito grande”. A advertência é do professor Felipe Lazzari da Silveira, docente na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas – UFPel e foi feita na entrevista concedida por WhatsApp ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Em sua análise, “a grande inovação em nosso tempo é o modo como o fascismo vem sendo produzido e intensificado, atrelado à governamentalidade neoliberal, primordialmente por meio das tecnologias algorítmicas online. Maurizio Lazzarato tem razão quando afirma que o novo fascismo é um ‘ciberfascismo’”. E acrescenta: “Enquanto a velha manipulação midiática atuava por meio da seleção de informações, supervalorizando alguns fatos ou versões em detrimento de outros, mascarando a realidade perante todos, a modulação algorítmica opera pelo enquadramento emocional, proporcionado pela possibilidade de engajamento, de participação ativa do usuário (curtidas, avaliações, comentários, compartilhamentos, etc.), atingindo diretamente cada pessoa em suas singularidades”.
Esse Estado “democrático” neoliberal, securitário ao extremo, que opera no lastro do estado de exceção como uma possibilidade sempre prestes a ser convocada, não é um paradoxo. Segundo Felipe, “em que pesem as requintadas teorias políticas e os belos textos constitucionais, na realidade, as democracias modernas sempre se mostraram comprometidas com o capitalismo, em caucionar a riqueza e o poder de determinados estratos sociais, e, por conseguinte, com a fabricação da miséria, como advertiu Deleuze. Diante dessa dinâmica, seja pelo abandono, seja pela violência do controle exercido pelo sistema de justiça criminal, o estado de exceção sobre os pobres sempre foi e segue sendo a regra”. Some-se a isso o fato de que o fascismo opera como “um desejo produzido através da mobilização dos afetos negativos, não há dúvidas de que o ambiente neoliberal lhe serve como uma eficiente incubadora”.
Felipe recupera a inspiração fascista do Código de Processo Penal Brasileiro (CPPB) de 1941, promulgado na ditadura do Estado Novo, bem como a forma como os operadores do Direito no Brasil compreendem e executam suas práticas nesse campo até nossos dias. Não à toa, em função da estrutura e racionalidade que lhe são fundantes, “o processo penal fascista implodiu as garantias da presunção de inocência, da ampla defesa e do contraditório, entre outras”. Ele critica a opção pelo esquecimento do passado ditatorial de nosso país via Lei da Anistia, ao invés de um cultivo da memória e de uma justiça de transição. E localiza a origem da pesada sombra do regime militar brasileiro que ainda paira sob as instituições de segurança pública brasileira: “O aparato policial brasileiro nos moldes como conhecemos foi originado para subjugar com violência os corpos negros e pobres. Esse padrão foi aprimorado e readequado durante os períodos ditatoriais, quando ele ainda foi vinculado a uma ideologia de Estado (Segurança Nacional) e institucionalizado a partir dos departamentos de polícia política que operaram como aparelhos de tortura e de execuções sumárias”.
Felipe Lazzari da Silveira (foto: Arquivo pessoal)
Felipe Lazzari da Silveira é graduado em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, especialista em Direito e Processo Penal pelo Centro Universitário Ritter dos Reis – UNIRITTER, especialista em Direitos Fundamentais e Garantias pela Universidad de Castilla-La Mancha – UCLM. Cursou mestrado em Ciências Criminais na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS com a dissertação A tortura continua! O Regime Militar e a consolidação do legado autoritário nas instituições de segurança pública (Lumen Juris, 2021) e doutorado nesta mesma área, também na PUCRS, com a tese Para uma crítica da razão fascista no processo penal brasileiro (Tirant Lo Blanch, 2021). Cursou pós-doutorado em Filosofia na PUCRS. Junto com Bruno Rigon, organizou o livro Neoliberalismo e sistema de justiça penal (Fundação Fênix, 2023).
IHU – Em que consiste a crítica à razão fascista que constitui o processo penal brasileiro?
Felipe Lazzari da Silveira – É fundamental considerar que o fascismo não se restringe ao formato histórico, ou seja, ao formato dos regimes autoritários e totalitários da primeira metade do século XX. São muitas as interpretações do fascismo. No entanto, entendo que a perspectiva elaborada por Gilles Deleuze (1) e Felix Guatarri (2), a qual vem sendo incrementada por muitos estudiosos contemporâneos e validada pela atual conjuntura político-econômica-social, é a que melhor evidencia os meandros do fascismo.
Em síntese, ela dá conta de que o fascismo não é uma patologia social ou um mero resultado negativo de uma ideologia, da alienação ou das repressões intermediadas pela família nos termos da tríade edipiana de Freud (3), mas um desejo produzido no plano micropolítico/psíquico mediante o agenciamento dos afetos negativos ensejados pelo modo de vida que caracteriza as democracias liberais capitalistas. Essa perspectiva expressa, ainda, que o desejo pelo fascismo, a depender de sua intensidade e escala, poderá impactar o plano macropolítico, isto é, o plano das políticas governamentais, dos regimes políticos e das instituições de Estado. Parece-me adequado, portanto, pensar o fascismo como um traço constitutivo das democracias liberais capitalistas (que engendram as condições para que ele seja produzido), como um desejo que consubstancia uma forma de vida que está sempre presente e pode tomar grandes proporções.
Adentrando o ponto central da pergunta, devo esclarecer, inicialmente, que quando defendo a tese de que o campo processual penal brasileiro é norteado pela racionalidade processual fascista, não negligencio o fascismo micropolítico e sua influência a partir da atuação dos operadores do Direito, sejam eles delegados de polícia, sejam eles promotores de justiça, juízes e advogados. Todavia, alinho minhas considerações a partir do plano macropolítico, em outros termos, de um tipo de política criminal estatal, de uma teoria processual penal, de um modelo processual penal e de uma forma de conceber o processo penal que foram gestados na Itália fascista de Benito Mussolini. Essa processualística fascista inspirou não apenas o modelo de processo prescrito pelo Código de Processo Penal Brasileiro (CPPB) de 1941, mas o modo como os operadores do Direito brasileiros compreendem o processo penal e executam suas práticas nesse campo.
Os líderes do fascismo italiano tinham consciência da importância do Direito para garantir a estabilidade do regime. O regime precisava ser legitimado, ter perante a sociedade italiana a aparência de um Estado de Direito. A perseguição dos inimigos do Duce não poderia ser empreendida de forma desorganizada, sem contar com um aspecto de legalidade. Sendo assim, Vincenzo Manzini (4), o principal penalista italiano daquele período (que foi partidário fervoroso do fascismo e muito próximo de Alfredo Rocco (5), o ministro da Justiça de Mussolini), recorrendo às premissas do tecnicismo-jurídico, orientação da qual era adepto, elaborou sozinho um modelo de processo penal que priorizava a defesa do Estado e da sociedade em detrimento dos direitos individuais. Esse modelo de processo, que restou preconizado no código de processo penal da Itália fascista (o Codice Rocco de 1931), mostrou-se eficiente em facilitar à perseguição criminal dos opositores políticos e dos ditos “delinquentes comuns”, já que inviabilizou a defesa efetiva dos mesmos. Oportuno complementar que os juízes italianos naquele período eram completamente compromissados com os valores e objetivos do regime.
Para criar o modelo processual penal fascista, o que Manzini fez, em resumo, foi mesclar paradigmas do processo penal inquisitório e do positivismo criminológico, camuflando, de certo modo, a ferocidade dos mesmos mediante a manutenção de alguns elementos da tradição jurídica liberal (p. ex. a legalidade processual, o regramento probatório, o direito de defesa e algumas garantias), obviamente que esvaziados de substancialidade, como uma espécie de fachada. Agregando ainda, a partir de sua teoria, discursos legitimantes que afirmavam ser o processo penal fascista um instrumento técnico e politicamente neutro, forjou a aparência de que o direito de defesa e as garantias dos acusados seriam respeitados. Mas, na realidade, em razão de sua estrutura e de sua racionalidade base, o processo penal fascista implodiu as garantias da presunção de inocência, da ampla defesa e do contraditório, entre outras.
Como antecipamos, o processo penal do fascismo italiano e suas orientações teóricas inspiraram o modelo de processo brasileiro previsto no CPPB de 1941, promulgado na Ditadura do Estado Novo, que seguiu vigente após a redemocratização. A racionalidade tecnicista-fascista, maquiada por novas retóricas discursivas, também permaneceu predominando na jurisprudência e no meio acadêmico, afrontando o prisma processual democrático previsto na Constituição da República de 1988. Diante disso, a crítica que faço à razão fascista no processo penal brasileiro é uma contestação não apenas ao modelo de processo autoritário em vigor, mas, também, ao modo autoritário como o processo penal e seus institutos ainda são pensados por aqui, o qual se reflete nas práticas judiciais que corriqueiramente relativizam os direitos e garantias processuais constitucionais dos acusados.
IHU – Qual é a gênese dessa razão fascista e quais os traços que permanecem dessa mentalidade?
Felipe Lazzari da Silveira – Antecipei-me e acabei tratando da gênese da razão processual fascista na resposta da primeira pergunta. O desenvolvimento da razão fascista, dessa racionalidade processual penal que impera no Brasil, seguiu aquele percurso que descrevi. Em relação aos traços que permanecem dessa racionalidade, é importante repetir que a processualística penal fascista não foi inovadora. Sua matriz é uma mescla de paradigmas da Inquisição (rearranjados de acordo com os prismas do Estado de Direito e do capitalismo industrial) e da criminologia positivista, e de alguns elementos da tradição jurídico-penal liberal. A manutenção dos elementos liberais, devo insistir, serviu para escamotear seu autoritarismo radical e sua essência política.
No que se refere à permanência dos traços dessa racionalidade, é conveniente observar que ideias como as de que processo penal tem uma finalidade repressiva; que o processo deve tramitar de forma célere; que o acusado é um inimigo perigoso e danoso para a coletividade; que a defesa deve ser limitada; que a prisão provisória deve ser a regra; que o respeito à formalidade dos atos processuais e o reconhecimento de nulidades visam assegurar a impunidade dos culpados; que os recursos são supérfluos e têm como finalidade protelar a punição; que foram cunhadas na Inquisição e rearranjadas pela processualística processual penal tecnicista-fascista, seguem vivíssimas no Brasil democrático, mesmo que justificadas por discursos diferentes.
Essas ideias são articuladas reiteradamente neste momento em que o autoritarismo processual penal vem se recrudescendo, muito em razão dos intentos neoliberais. Exemplos da permanência desses traços são a Operação Lava Jato, a proposta das “Dez Medidas Contra a Corrupção” apresentada pelo Ministério Público Federal, e o Projeto de Lei Anticrime apresentado pelo ex-juiz e agora senador Sergio Moro. O cotidiano dos processos criminais no Brasil, principalmente quando os réus são pessoas estereotipadas como perigosas, inimigas, normalmente pessoas negras e pobres, também expõe esse legado.
IHU – Sob que aspectos o regime militar brasileiro segue operativo através do legado autoritário nas instituições de segurança pública?
Felipe Lazzari da Silveira – A transição democrática foi controlada pelos militares. Eles queriam evitar responsabilizações pelas atrocidades que cometeram e pelos prejuízos que causaram. Não obstante os vultosos esforços envidados pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos e pela Comissão Nacional da Verdade (e também pelas Comissões Estaduais da Verdade), que revelaram os crimes da ditadura, promoveram reparações às vítimas e fomentaram a implementação de políticas de memória, o passado autoritário não foi tratado de modo substancial pelos governos democráticos e por outros setores da sociedade.
Mesmo quando empreendidas de forma rigorosa, as medidas relacionadas à justiça de transição não são capazes de bloquear totalmente os influxos autoritários do passado. Nenhuma democracia é asséptica ao autoritarismo. Os episódios que marcaram as últimas eleições na Argentina (país que executou de forma ampla as medidas de justiça de transição após o fim da ditadura), assim como a vitória de Javier Milei, atestaram isso. Mesmo assim, tais medidas ostentam potencial para fortalecer as subjetividades e as instituições que garantem a estabilidade do regime democrático. Como no Brasil, muito em decorrência da tradição autoritária, optamos pelo esquecimento do passado ditatorial em detrimento de sua memória, permanecemos convivendo com o entulho daquele período. É sintomático que as homenagens aos ditadores e agentes da ditadura civil-empresarial-militar responsáveis por assassinatos e torturas, assim como as manifestações defendendo a instauração de uma nova ditatura, sejam tão frequentes. A última tentativa de golpe foi mais um reflexo do esquecimento e da mentalidade autoritária que segue fortemente arraigada.
Certamente, o âmbito das instituições de segurança pública brasileiras é o que revela com maior clareza o legado do período ditatorial. O aparato policial brasileiro nos moldes como conhecemos foi originado para subjugar com violência os corpos negros e pobres. Esse padrão foi aprimorado e readequado durante os períodos ditatoriais, quando ele ainda foi vinculado a uma ideologia de Estado (Segurança Nacional) e institucionalizado a partir dos departamentos de polícia política que operaram como aparelhos de tortura e de execuções sumárias.
Após a redemocratização nenhuma medida de justiça de transição foi adotada em relação às instituições de segurança pública. Elas não foram reformadas e os agentes de segurança que perpetraram crimes contra a humanidade seguiram trabalhando normalmente, compartilhando suas experiências e práticas violentas com os novos colegas que ingressaram já no regime democrático. A tortura, por exemplo, continuou a ser ensinada.
Não se deve negligenciar que, em qualquer país ocidental, a polícia é um dispositivo que tem como propósitos primários resguardar e fortalecer a ordem capitalista, basicamente neutralizando pessoas percebidas como perigosas ou inadaptadas. No Brasil, em razão das peculiaridades da sua formação social e do padrão de atuação policial que foi estabelecido, a violência policial se manifesta de forma radicalizada e em larga escala através de práticas semelhantes às verificadas no período ditatorial.
A quantidade de pessoas torturadas e/ou assassinadas pelas forças policiais brasileiras é gigantesca. Outro dado importante, que também remete à ditadura, é o de que o Estado e suas instituições são negligentes e tolerantes com essa violência.
O acirramento da violência policial no contexto atual, momento em que o neoliberalismo se consolidou não apenas como orientação político-econômica, mas como uma racionalidade que norteia todos os âmbitos da vida, não deve ser considerado um fenômeno disparatado. A forma de vida neoliberal produz dissonâncias sociais e diversos tipos de violências. O Estado, nesse contexto, não hesita em controlar esse desequilíbrio com mais violência ainda (o Estado “democrático” neoliberal é extremamente securitário). Ao mesmo tempo, são produzidos medos, inseguranças e ódio contra os indivíduos estereotipados como inimigos, afetos negativos que, em conexão com outros fatores, propiciam a aceitação da violência policial e das demais instituições do sistema de justiça criminal.
Não é coincidência que as instituições de segurança pública estejam sendo cada vez mais militarizadas, tanto no que diz respeito à estética quanto no tocante aos equipamentos que utilizam ou aos métodos de operação. Nesse cenário de maximização do controle e da militarização, a violência policial tende a se intensificar. Estamos presenciando essa dinâmica no Brasil. E é claro, por aqui, por força dos fatores que já mencionei, essa violência massiva repristina práticas similares às utilizadas pelos agentes da ditadura.
IHU – Como analisa a Lei da Anistia de 1979 e a solicitação de que ela seja aplicada para os golpistas envolvidos no 08-01-2023, pensando que crimes inafiançáveis, como terrorismo, não são por ela cobertos?
Felipe Lazzari da Silveira – Mesmo com certa resistência, a ideia de perdoar os civis acusados de terem praticado crimes políticos ou eleitorais durante a ditadura acabou sendo parasitada pelos militares. Antes de seguir, preciso dizer que, na minha visão, classificar as ações praticadas pela resistência como “crimes” é um escárnio. Mesmo quando praticadas com violência, ações de resistência contra as covardias de um regime ditatorial, pela liberdade, não devem ser equiparadas a crimes. O fato é que a concessão do perdão acrítico aos agentes da ditadura civil-militar empresarial que praticaram crimes contra a humanidade inviabilizou sobremaneira o direito à memória.
Se não fossem os esforços da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos e da Comissão Nacional da Verdade, o apagamento da memória do período ditatorial teria sido maior. Em relação a esse apagamento, é interessante destacar que mais de duas décadas depois da redemocratização, em 2010, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 153, o Supremo Tribunal Federal (STF), que é o “guardião da Constituição democrática”, reconheceu a constitucionalidade da anistia concedida aos agentes da ditadura que praticaram crimes contra a humanidade.
No que concerne aos golpistas do 08-01-2023, entendo que a concessão da anistia baseada na Lei de Anistia de 1979 configuraria uma aberração jurídica e política. Devo salientar que a anistia dessas pessoas é indevida mesmo que por outros meios, seja pela via legislativa, seja por decreto presidencial. Os crimes contra o Estado democrático de direito pelos quais elas foram denunciadas e condenadas, pelo prisma constitucional, não podem ser anistiados. Se a anistia for concedida, o STF terá de declarar sua inconstitucionalidade. A concessão de anistia aos golpistas, caso ocorra, será um erro político muito grave. Essa medida servirá apenas para reforçar a “cultura golpista” fortemente arraigada na sociedade brasileira. No jargão popular: a democracia brasileira dará um tiro no próprio pé.
Dito isso, por uma questão de honestidade acadêmica e intelectual, preciso registrar que me oponho à técnica do encarceramento. Assim como ocorre no caso das pessoas acusadas ou condenadas pela prática dos ditos “crimes comuns”, a prisão dos bolsofascistas serve apenas para satisfazer o nosso desejo de vingança, afeto que, neste caso, está longe de ser desarrazoado (impossível esquecer que, além dos ataques aos que pensam diferente e às minorias, o bolsofascismo promoveu a morte de milhares de pessoas durante a pandemia de Covid-19). A cadeia não vai fazer com que os fascistas passem a ter apreço pelos valores democráticos. Os milhões de brasileiros adeptos das ideias fascistas que não estão presos também seguirão pensando da mesma forma. As fábulas da prevenção geral e especial manejadas para justificar o aprisionamento de milhares de jovens negros e dos pobres condenados pela prática de crimes de rua fracassarão também ao serem utilizadas contra o fascismo. É impossível assegurar a integridade da democracia recorrendo à prisão.
A prisão será sempre contraproducente no que tange ao desígnio de disciplinar ou educar pessoas, independentemente da finalidade almejada. Considerando o que a ciência diz sobre a prisão, é mais coerente esperar que o encarceramento dos golpistas do 08-01-2023 resulte na organização de novos grupos de extrema-direita e na formação de novos líderes para a facção. Posso ser criticado por dizer isso, mas, se os nossos objetivos forem a vingança e amedrontar os fascistas, o enfrentamento organizado, direto e contundente das ações praticadas por eles, tanto nas plataformas digitais quanto nas ruas, seria uma medida bem mais eficaz. A história do antifascismo demonstra isso.
Lembro, ademais, embasado nas investigações realizadas pelos abolicionistas penais e por muitos criminólogos críticos, que o encarceramento de pessoas com o perfil médio dos golpistas do 08-01-2023, isto é, brancas, de classe média ou ricas, sobretudo quando justificado na perspectiva da reeducação (ou ressocialização), é uma medida que legitima ainda mais a utilização da prisão, que é um dispositivo privilegiado do capitalismo liberal (ou neoliberal) e tem como finalidade primária administrar ou neutralizar as pessoas percebidas como perigosas e inimigas, rótulos que recaem normalmente sobre pessoas negras e pobres. A prisão produz somente sofrimento, miséria e mais violência.
Quero deixar claro que, embora conteste o encarceramento, não penso que os bolsofascistas do 08-01-2023 devam ser anistiados, perdoados. A responsabilização se faz necessária. As gravíssimas ações por eles praticadas precisam ser reconhecidas como tal. Uma memória social nessa direção precisa ser gerada e cultivada. Os que vivem o presente e as próximas gerações precisam conhecer e ter consciência da gravidade dos ataques e do que eles realmente significaram. No meu entender, os bolsofascistas deveriam responder financeiramente, ressarcindo os prejuízos que causaram e pagando multas pesadas a serem revertidas em favor da coletividade, das pessoas mais necessitadas, bem como prestar serviços comunitários. Diante das regras do sistema de justiça atual, é o que posso cogitar como alternativas à prisão. Para além disso, ainda resta o escracho.
Mas mesmo essas medidas alternativas à prisão, que provocarão incômodos e talvez alguns constrangimentos, dificilmente servirão para modificar a forma de pensar dos bolsofascistas. Muito provavelmente essas pessoas seguirão mantendo simpatia pelo ideário antidemocrático e entendendo que praticaram os ataques para o bem do Brasil, etc. Esse tema é enormemente complexo, impossível de ser analisado com a profundidade necessária nesta oportunidade. Mas não posso deixar de colocar que, em que pese a importância das responsabilizações e do combate à difusão da propaganda fascista, principalmente na internet, o arrefecimento do fascismo depende certamente do enfraquecimento do capitalismo neoliberal e dos sofrimentos que ele impõe, bem como da instituição de novos modos de vida, de convivência, que priorizem essencialmente o bem comum. Parece utópico, não é mesmo?! Tal percepção mostra a dimensão do problema, e da complexidade do fascismo no contexto atual.
IHU – Para além da tradição jurídica inquisitória que permeia o Judiciário brasileiro, que corrobora a tese benjaminiana de que para os oprimidos o estado de exceção é a regra, as democracias liberais operam no paradigma da exceção legalmente constituída e prevista. Como analisa esse paradoxo formativo desse sistema político?
Felipe Lazzari da Silveira – A tese de Walter Benjamin (6) é precisa e pertinente. Os processos de desenvolvimento do capitalismo e do sistema de justiça criminal, invariavelmente atrelados, confirmam isso. Os pobres sempre estiveram submetidos ao estado de exceção. Com o advento do modelo de Estado liberal, a burguesia restou mais protegida do arbítrio estatal. Os pobres, contudo, restaram desamparados. Depois, nas democracias do século XX, os necessitados seguiram sem acesso nenhum ou acessando precariamente os direitos básicos, e sendo duramente reprimidos através do sistema de justiça criminal. Com o avanço do projeto neoliberal, esse quadro se agravou, principalmente nas democracias menos consolidadas.
Fustigada pelos legados da colonização, da escravidão e das ditaduras, a democracia brasileira, evidentemente, não foge à regra. Por aqui, os direitos e as garantias fundamentais não se aplicam igualmente a todos. Os direitos à alimentação, à saúde, à educação, etc., são sonegados em grande medida. Nas periferias das grandes cidades, o Estado se faz presente somente pela polícia.
O estado de exceção no âmbito do controle penal é viabilizado pela tradição inquisitória, que foi fascistizada na década de 1940, que orienta a atuação de policiais, promotores de justiça, juízes e até mesmo de muitos advogados. Como ocorre em outros Estados democráticos, o Brasil conta com instrumentos legais que preconizam expedientes de exceção que são comumente utilizados contra os “inimigos”. A Lei dos Crimes Hediondos, a Lei de Drogas, a Lei Antiterrorismo e o decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) são emblemáticos nesse sentido. Todavia, esse estado de exceção não é assegurado exclusivamente pelas leis ou pelos decretos.
Na democracia brasileira, o controle penal também é vulgarmente empreendido por meio de expedientes que não estão previstos nos regulamentos, que são ilegais. Essas práticas são negligenciadas e toleradas pelas instituições do Estado e por uma grande parcela da população. Exemplos delas são os maus-tratos, a tortura, as execuções sumárias, as invasões de domicílio sem mandado judicial, o encarceramento em celas insalubres e superlotadas.
Por aqui ainda temos o jurisprudencialismo penal, que tem como motor o ativismo judicial e é consubstanciado por decisões judiciais que relativizam as garantias fundamentais e ignoram a violência policial, objetivando assegurar prisões em nome de uma pretensa segurança pública. Esse jurisprudencialismo penal chancela o estado de exceção e ainda nubla a fronteira entre o legal e o ilegal. Nesse panorama, torna-se cada vez mais difícil limitar o poder repressivo estatal. O sistema de justiça criminal brasileiro, que tem como alvos preferenciais os negros e os pobres, pessoas que são recorrentemente rotuladas como “delinquentes” e “perigosas”, confirma a hipótese de que nas democracias liberais o estado de exceção é permanente.
Formalmente até pode parecer paradoxal. Mas não se trata disso. Em que pesem as requintadas teorias políticas e os belos textos constitucionais, na realidade, as democracias modernas sempre se mostraram comprometidas com o capitalismo, em caucionar a riqueza e o poder de determinados estratos sociais, e, por conseguinte, com a fabricação da miséria, como advertiu Deleuze. Diante dessa dinâmica, seja pelo abandono, seja pela violência do controle exercido pelo sistema de justiça criminal, o estado de exceção sobre os pobres sempre foi e segue sendo a regra.
IHU – Olhando para a realidade brasileira, que aproximações e atualizações percebe em relação ao fascismo histórico italiano?
Felipe Lazzari da Silveira – Hoje enfrentamos algumas dificuldades semelhantes às que atormentaram a sociedade italiana no período pré-fascismo. A concentração das riquezas nas mãos de uma minoria rica, o aumento da pobreza, o desemprego, o achatamento da classe média, a descrença nos valores democráticos e a consequente intensificação das inconformidades, dos sofrimentos e ressentimentos de diversas ordens, podem ser considerados características comuns.
As condições para a produção do fascismo em grande escala estão presentes. Não por acaso estamos presenciando o recrudescimento dos signos fascistas no plano macropolítico. Contudo, a atual conjuntura possui peculiaridades que tornam tudo diferente. As subjetividades e as racionalidades do capitalismo neoliberal diferem sobremaneira das que garantiram o desenvolvimento do capitalismo industrial. Logo, é arriscado tentar fazer aproximações entre a ascensão fascista do presente e o fascismo italiano cogitando simplesmente uma atualização ideológica ou estética. O risco de incorrer em anacronismo ou de descurar de elementos cruciais do fenômeno na atualidade é muito grande. Pensando pela perspectiva de Deleuze e Guattari, inegavelmente, o fascismo sempre será fascismo. Porém, o fascismo que hoje retumba no plano macropolítico apresenta singularidades relacionadas à conjuntura neoliberal.
Como explicam Pierre Dardot (7) e Christian Laval (8), a racionalidade neoliberal transbordou do âmbito político-econômico governamental para todas as esferas da vida, passando a lastrear as subjetividades e a ordenar os comportamentos e as relações sociais. O neoliberalismo instituiu a concorrência e o empreendedorismo de si (balizado pela ideia de meritocracia) como normas de conduta e, com isso, produziu um tipo de individualismo demasiado egoísta. Como já mencionei, ao provocar sofrimentos e ensejar a profusão de afetos negativos de diversas ordens, o modo de vida neoliberal tornou o ambiente propício para a produção e a intensificação do fascismo.
A fabricação de inimigos, do ódio ao “outro”, ao diferente, seguramente é um traço medular do fascismo histórico que é compartilhado pelo fascismo contemporâneo. Mas até mesmo em relação a essa permanência existem particularidades. A facilidade com que o ódio é gerado e a velocidade com que ele se dissemina amplamente são bons exemplos. A mentalidade e o comportamento voltados à competição e ao empreendedorismo de si, assim como o pensamento de que todos, dependendo apenas de seus próprios méritos, podem vencer no jogo da sociedade de mercado, viabilizam que o ódio de essência fascista seja direcionado não apenas aos adeptos de orientações político-ideológicas diferentes, mas aos concorrentes do mercado e a qualquer pessoa que seja percebida como um estorvo. Isso facilita que determinadas pessoas sejam percebidas como vidas sem valor, supérfluas, que podem ser ceifadas. É o que ocorre em relação às pessoas estereotipadas como delinquentes, identificadas como perigosas ou inimigas. Sem dúvidas, hoje elas são alvos de um fascismo punitivo pragmático tipicamente neoliberal.
Assim, analisando o contexto contemporâneo, deduzo que, se é a racionalidade neoliberal que predomina, se uma massa de pessoas aderiu ao fascismo apenas em nome dos seus próprios interesses, clamando mormente por mais dinheiro e por mais segurança, o poder financeirizado que hoje literalmente gerencia o Estado e a política governamental nem sequer necessita instigar a instauração de regimes formalmente e esteticamente autoritários como os do passado, como o fascismo italiano, já que consegue oprimir e exercer o controle facilmente sob a fachada democrática.
IHU – Em que medida o aprofundamento do neoliberalismo e seus mecanismos de governamentalidade (mas também de soberania) colaboram para que o fascismo se reinvente e siga operativo?
Felipe Lazzari da Silveira – O neoliberalismo nasceu como uma contrarrevolução, estabelecendo-se como uma doutrina contrária à participação popular na gestão da coisa pública, tendente a subsidiar ditaduras, desde que a liberdade de mercado fosse respeitada, como admitiu um de seus principais artífices, o economista Friedrich Hayek (9), na paradigmática entrevista concedida ao jornal chileno El Mercurio em 1981.
O modo de governo neoliberal foi implementado nessa perspectiva. Por um lado, passou a produzir as subjetividades necessárias à adequação do modo de vida à dinâmica da sociedade de mercado neoliberal, por outro, não hesitou em exercer um forte controle sobre os indivíduos que não se adaptam ou burlam as regras injustas desse novo tipo de sociedade, utilizando para isso, o sistema de justiça criminal. Enquanto a governamentalidade liberal, esmiuçada por Foucault (10), consistiu em uma forma de governo baseada na condução das condutas pela liberdade, que adequou o homem econômico ao modelo capitalista baseado na produção de bens e nas trocas, a governamentalidade neoliberal, que também conduz as condutas pela liberdade, opera fazendo com que os indivíduos introjetem os valores do mercado e os utilizem para balizar os julgamentos que fazem e as práticas que adotam em todos os âmbitos da vida.
É imprescindível repetir que a governamentalidade neoliberal tem como mecanismos privilegiados as tecnologias algorítmicas online. A afirmação de que vivemos em uma “sociedade de plataforma”, feita por José Van Dijck, Thomas Poell e Martijn da Waal, é corretíssima. As plataformas digitais possibilitam a comunicação constante e imediata, a difusão da propaganda, as trocas de mercadorias, o oferecimento de serviços, as transações financeiras, e ainda difundem as ideias e os modelos/estilos de vida compatíveis com a dinâmica da sociedade neoliberal. Ao produzirem e fortalecerem certas subjetividades, as plataformas digitais auxiliam a fixar os mantras neoliberais nas mentes e corações das pessoas.
No entanto, ao mesmo tempo que operam fortalecendo a governamentalidade neoliberal, as tecnologias algorítmicas, que possibilitam não apenas o direcionamento de seu conteúdo ao seu público-alvo, mas, também, a modulação psicológica, têm sido utilizadas para produzir e radicalizar o fascismo de forma acelerada. Enquanto a velha manipulação midiática atuava por meio da seleção de informações, supervalorizando alguns fatos ou versões em detrimento de outros, mascarando a realidade perante todos, a modulação algorítmica opera pelo enquadramento emocional, proporcionado pela possibilidade de engajamento, de participação ativa do usuário (curtidas, avaliações, comentários, compartilhamentos, etc.), atingindo diretamente cada pessoa em suas singularidades.
No que diz respeito ao fascismo, é importante reconhecer que o cenário neoliberal produz sofrimentos radicais e afetos negativos de diversas ordens. Penso ser difícil encontrar hoje uma pessoa que não sinta ansiedade, insegurança e/ou raiva pelo menos uma vez ao dia. Os excluídos sofrem diante das situações degradantes impostas pela miséria, os demais sofrem pelo cansaço, pelo esgotamento, pela pressão de ter uma boa performance no trabalho, pela decepção de não conseguir alcançar os objetivos que nos são exigidos diariamente (muitos deles impossíveis), etc. Todos são submetidos, ainda, ao medo da violência urbana, das guerras, das pandemias, das catástrofes climáticas, sentimento que tende a provocar mais isolamento e apatia. Sendo o fascismo um desejo produzido através da mobilização dos afetos negativos, não há dúvidas de que o ambiente neoliberal lhe serve como uma eficiente incubadora.
O caso brasileiro repercute uma tendência que se apresenta em diversos países ocidentais. Resguardadas as peculiaridades de cada país, a dinâmica do avanço fascista é muito parecida: o capitalismo neoliberal produz graves dissonâncias sociais, sofrimentos, ressentimentos, inimigos e a proliferação do ódio, e, em seguida, surgem políticos e agitadores alinhados à quimera fascista culpando a democracia e algumas pessoas, e propondo soluções fáceis, pragmáticas, normalmente de essência racista, xenófoba, machistas, punitivistas, etc. Isso demonstra a conexão entre a proliferação dos afetos negativos e o fascismo. Desde o início do século XX é assim. A grande inovação em nosso tempo é o modo como o fascismo vem sendo produzido e intensificado, atrelado à governamentalidade neoliberal, primordialmente por meio das tecnologias algorítmicas online. Maurizio Lazzarato tem razão quando afirma que o novo fascismo é um “ciberfascismo”.
IHU – O segundo mandato de Trump é capaz de promover uma onda de recrudescimento do neofascismo dentro e fora dos EUA? Por quê?
Felipe Lazzari da Silveira – Diante das informações divulgadas pelos veículos de comunicação, das análises feitas por estudiosos desse tema e dos fatos narrados por amigos que vivem nos Estados Unidos, acredito que sim. Além de estar fechando instituições e programas relacionados à assistência social e aos direitos civis, Trump está trabalhando para alhanar todo o tipo de resistência. Seus ataques aos movimentos sociais e aos estudantes que estão protestando desde as universidades evidenciam isso.
Compreendo que uma das especificidades mais preocupantes do novo governo de Trump é a presença ostensiva dos senhores tecnofeudais, dos donos das big techs e do dinheiro. Eles já estavam dando as cartas. Agora, querem mais poder e enriquecer ainda mais, independentemente dos custos políticos, sociais e ambientais dessa empreitada. Eles não estão nem aí e sequer ficam constrangidos em demonstrar desprezo pela humanidade. Elon Musk e seus colegas certamente irão buscar a desregulamentação de seus negócios, mais subsídios estatais e, logicamente, influenciarão a política governamental norte-americana em muitas frentes. O fato de eles serem alinhados ideologicamente com presidente facilita tudo. Trump estimulará o fascismo nos EUA e, dependendo do interesse e do suporte que será fornecido pelas bigh techs, conseguirá fazer o mesmo em outros países. Na verdade, eles já vêm fazendo isso e estão contando com a ajuda de líderes e agitadores fascistas de outros países.
Vale lembrar que em muitos países o ambiente já se encontra bastante propício à radicalização política. Assim, caso as big techs resolvam retribuir Trump, auxiliando-o em sua sanha imperialista, prestando suporte e colocando suas tecnologias algorítmicas para funcionar freneticamente, o que vejo como bem provável, os cenários políticos nacionais e internacional serão bastante influenciados na direção da fascistização, por mais que as fachadas democráticas permaneçam intactas.
IHU – Nesse cenário, qual sua avaliação sobre os futuros desdobramentos na extrema-direita brasileira?
Felipe Lazzari da Silveira – Em que pesem as uniformidades impostas pela pulsão totalitária neoliberal, as sociedades ocidentais são diferentes. Cada sociedade ostenta peculiaridades que, em grande medida, são resultantes de seu processo de formação. Sendo assim, as culturas políticas apresentam atributos diversos. As ideologias políticas, normalmente classificadas de acordo com o espectro político tradicional, inúmeras vezes também se apresentam em formas e em demandas distintas.
Parece-me que a extrema-direita brasileira, que vem tentando se “norte-americanizar”, conta com um alicerce ideológico bastante sólido. O regime militar adequou esse alicerce ao contexto do capitalismo industrial. Depois da ditadura ele seguiu sendo atualizado e revigorado. As convicções da extrema-direita tupiniquim, que reivindica um Estado forte e militarizado, se harmonizaram perfeitamente com a racionalidade neoliberal. E isso não é um paradoxo. O neoliberalismo coaduna com o autoritarismo (a ditadura militar chilena comprovou isso). Em vista disso, não se deve estranhar que a corrente tenha hoje, inclusive, alternativas viáveis ao seu grande líder. Caso Jair Bolsonaro permaneça inelegível, seja preso ou fuja do país, pelo que aponta o cenário político-partidário, muitos são os nomes que poderão substituí-lo nas próximas eleições.
Tudo indica que a direita brasileira seguirá bastante forte e exercendo grande protagonismo nos próximos anos. Mesmo que a frente ampla progressista capitaneada pela esquerda vença novamente as eleições, a extrema-direita vai continuar elegendo um grande número de deputados e senadores, participando ativamente e influenciando a política governamental nacional.
Enfim, parece-me que as defesas das políticas de austeridade e de desregulamentação, os intentos de suprimir direitos sociais, assim como a radicalização das pautas relacionadas aos costumes, irão continuar. Convém destacar que a extrema-direita também tem se mostrado muito forte nos âmbitos dos Estados e dos municípios.
É preciso atentar também para o fato de que a extrema-direita seguirá forte para além do campo político partidário-governamental. A tendência é que seu ideário continue a ser reforçado nas plataformas digitais e que, pela compatibilidade com a racionalidade neoliberal, ele siga impactando as diversas esferas da vida, as relações sociais. Não vislumbro a possibilidade de a extrema-direita brasileira retornar tão cedo ao underground, de onde operava no passado recente, no período subsequente à redemocratização, quando suas manifestações e ações partiam principalmente de grupos neofascistas bem identificados, como os nazis skinheads, os supremacistas brancos, entre outros. Nossa luta contra o obscurantismo e as injustiças terá de continuar.
(1) Gilles Deleuze (1925-1995): filósofo francês, cuja obra é considerada uma das principais representantes da filosofia continental e do pós-estruturalismo, de modo que ocupa um lugar importante nos debates contemporâneos sobre sociedade, política e subjetividade, apesar de seu distanciamento das principais tendências filosóficas do século XX. De sua vasta produção intelectual, destacamos as obras escritas em parceria com Felix Guatarri: O Anti-Édipo (1972), Kafka: por uma literatura menor (1975), Mil platôs (1980) e O que é a filosofia? (1991).
(2) Félix Guattari (1930-1992): filósofo, psicanalista, psiquiatra, semiólogo, roteirista e ativista revolucionário francês. Foi um dos fundadores dos campos da esquizoanálise e ecosofia. É conhecido por suas colaborações em obras com Gilles Deleuze, notavelmente em O Anti-Édipo (1972) e Mil platôs (1980), os dois volumes que formam a coleção Capitalismo e Esquizofrenia.
(3) Sigmund Freud (1856-1939): médico neurologista e importante psicanalista austríaco. Reconhecido como o fundador da psicanálise, tornou-se a figura mais influente da história da psicologia. A influência de Freud pode ser observada ainda em diversos outros campos do conhecimento e até mesmo na cultura popular, inclusive no uso cotidiano de palavras que se tornaram recorrentes, mas que surgiram a partir de suas teorias. Expressões como "neurose", "repressões", "projeções" popularizaram-se a partir de seus escritos.
(4) Vincenzo Manzini (1872-1957): advogado e professor universitário de Direito e Processo Penal nas Universidades de Ferrara, Sassari, Siena, Universidade de Nápoles, Turim, Pavia, Pádua (1920-1938), Roma (1938-1939) e novamente Pádua (1939-1943). Entre as suas obras, destacam-se o Tratado de direito penal italiano e o Tratado de direito processual penal italiano, publicados em várias edições pela UTET de Torino. Foi também coeditor dos “Anais de Direito e Processo Penal”.
(5) Alfredo Rocco (1875-1935): político e jurista italiano. Foi professor de Direito Comercial na Universidade de Urbino (1899-1902) e em Macerata (1902-1905), depois professor de Processo Civil em Parma, de Direito Empresarial em Pádua e, mais tarde, de Legislação Econômica na Universidade La Sapienza de Roma, da qual foi reitor de 1932 a 1935. Rocco, como um político com mentalidade econômica, desenvolveu o conceito inicial da teoria econômica e política do corporativismo, que mais tarde se tornou parte da ideologia do Partido Nacional Fascista. Foi ministro da Justiça de Mussolini.
(6) Walter Benjamin (1892-1940): ensaísta, crítico literário, tradutor, filósofo e sociólogo judeu alemão. Associado à Escola de Frankfurt e à Teoria Crítica, foi fortemente inspirado tanto por autores marxistas, como Bertolt Brecht, como pelo místico judaico Gershom Scholem. Entre as suas obras mais conhecidas, contam-se A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica (1936), Teses sobre o conceito de história (1940) e a monumental e inacabada Paris, capital do século XIX.
(7) Pierre Dardot (1952): filósofo e acadêmico francês. Escreveu numerosos trabalhos com o sociólogo Christian Laval sobre o neoliberalismo e o tema do comum: A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal (Boitempo, 2016) e Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI (Boitempo, 2017).
(8) Christian Laval (1953): pesquisador francês da história da filosofia e da sociologia na Universidade Paris Nanterre. Seus trabalhos centram-se em três grandes temas: a história do utilitarismo, a história da sociologia clássica e a evolução dos sistemas de ensino. Com Pierre Dardot, escreveu A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal (Boitempo, 2016) e Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI (Boitempo, 2017).
(9) Friedrich August von Hayek (1899-1992): considerado um dos maiores representantes da Escola Austríaca de pensamento econômico. Foi defensor do liberalismo clássico e procurou sistematizar o pensamento liberal clássico para o século XX, época em que viveu. Realizou contribuições para a filosofia do direito, economia, epistemologia, história das ideias, história econômica, psicologia, entre outras áreas.
(10) Michel Foucault (1926-1984): filósofo, historiador das ideias, teórico social, filólogo, crítico literário e professor da cátedra História dos Sistemas do Pensamento, no célebre Collège de France, de 1970 até 1984 (ano da sua morte). Suas teorias abordam a relação entre poder e conhecimento e como eles são usados como uma forma de controle social por meio de instituições sociais. Embora muitas vezes seja citado como um pós-estruturalista e pós-modernista, Foucault acabou rejeitando esses rótulos, preferindo classificar seu pensamento como uma história crítica da modernidade. Seu pensamento foi muito influente tanto para grupos acadêmicos, quanto para ativistas. Sobre seu pensamento confira as seguintes edições da Revista IHU On-Line: Edição 466, de 01-06-2015: Michel Foucault, o cuidado de si e o governo de si (enkrateia), disponível em https://www.ihuonline.unisinos.br/edicao/466; Edição 335, de 28-06-2010, Corpo e sexualidade. A contribuição de Michel Foucault, disponível em https://www.ihuonline.unisinos.br/edicao/335; Edição 203, de 06-11-2006, Michel Foucault, 80 anos, disponível em https://www.ihuonline.unisinos.br/edicao/203 e Edição 119, de 18-10-2004, Michael Foucault e as urgências da atualidade. 20 anos depois, disponível aqui.