25 Julho 2025
"Não conseguimos salvar Quftu, mas ainda há muitas outras vidas em risco, vidas que poderíamos salvar".
O artigo é de Mattia Ferrari, padre, assistente espiritual da ONG Mediterrânea Saving Humans, publicado por La Stampa, 22-07-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Irmã, perdoa-nos. Essas são as palavras que ouvimos em nossos corações após a morte de Quftu Abu Wahelow, uma amiga nossa, mais uma vítima da violência contra as pessoas migrantes. Quftu era uma refugiada etíope. Ela tinha 19 anos e estava grávida de nove meses.
Ela morreu em Trípoli, no grande buraco da consciência europeia. Quftu havia nascido na aldeia de Aje, na área de Arsi Lixa, no distrito de Shala, na Etiópia. Após a morte de seu pai, a situação da família tornou-se completamente insustentável. Para ajudar a mãe e os outros membros da família, tiveram que tomar a difícil decisão de migrar e se mudaram para Adis Abeba. Lá, no final de 2023, um intermediário sudanês as enganou com falsas promessas de trabalho. Elas foram levadas através da fronteira para o Sudão e depois vendidas para traficantes na Líbia.
Em Kufra, foram mantidas em cativeiro em um armazém, vendidas por 100 mil dinares líbios cada uma, e submetidas a estupros sistemáticos, espancamentos, fome e torturas por mais de um ano. Enquanto ainda estavam detidas em Kufra, no final de outubro de 2024, seu caso foi sinalizado pela primeira vez ao Refugees in Libya, o grande movimento popular dedicado a transmitir o grito dos migrantes e organizar a solidariedade concreta junto com a sociedade civil e em diálogo com as instituições. Desde então, o caso foi monitorado de perto. A Refugees in Libya documentou condição de Quftu, identificando seus carcereiros e envolvendo todas as partes possíveis para pressionar por sua libertação. No início de junho de 2025, Quftu e sua irmã foram finalmente libertadas e levadas para Trípoli. Quftu estava então nas últimas semanas de gravidez, fisicamente destruída e mentalmente devastada.
Uma vez em Trípoli, a Refugees in Libya acompanhou Quftu várias vezes ao escritório do ACNUR, solicitando atendimento médico e registro como requerente de asilo
Nos últimos dias, a gravidez de Quftu estava chegando ao fim e ela estava entrando em trabalho de parto. A Refugees in Libya a acompanhou a vários hospitais, mas todos a recusaram. No fim, o Hospital Shaara Zawiya a internou, mas era tarde demais. Não conseguiram salvá-la, e ela morreu.
Quftu não morreu por causa da guerra ou de uma doença. Ela morreu porque lhe foi negada proteção. Sua morte é consequência da violência estrutural e da globalização da indiferença. A morte de Quftu pesa na consciência de todos nós. Desde 2017, as repressões na Líbia estão sendo realizadas com os financiamentos e o apoio da Itália. O que estamos fazendo para erradicar a máfia líbica, que mantém um sistema criminoso de tráfico de seres humanos e muito mais, e que se inseriu nos aparatos militares que gerenciam as repressões que a Itália e a União Europeia financiam? O que estamos fazendo para erradicar o sistema de campos de concentração, para deter os traficantes? As responsabilidades pelo que está acontecendo na Líbia não são apenas escolhas das instituições. O cinismo das políticas se combina, de fato, com a indiferença da população. Essa indiferença nos torna cúmplices do que está acontecendo. Quftu é mais uma vítima desse sistema.
Não conseguimos salvar Quftu, mas ainda há muitas outras vidas em risco, vidas que poderíamos salvar.
Sua irmã, agora em Trípoli, se encontra em situação semelhante. Ela também está privada de serviços essenciais, apesar da gravidade de sua condição e dos repetidos apelos da Refugees in Libya. Se houvesse uma mudança em nossas consciências, um despertar de nosso senso de humanidade e justiça, poderíamos salvar muitos.
O Papa Francisco acompanhava pessoalmente a situação de Quftu e de sua irmã e apoiava os esforços para acompanhá-las. Exatamente três meses após a morte do Papa Francisco, Quftu se juntou no Céu com aquele padre que sentiam concretamente próximos, mesmo nos momentos mais difíceis.
Quftu, irmã, perdoa-nos. E junto com o Papa Francisco, reza por nós, para que sejamos capazes de amar mais. Para que possamos acolher o convite ao amor que ressoa hoje no Magistério do Papa Leão e da Igreja. Para que possamos sentir em nossos corações que você e as outras pessoas que batem às nossas portas são nossos irmãos e irmãs, e somente junto com vocês podemos nos salvar.