22 Julho 2025
"O ‘israelismo’ representa o lado obscuro do Judaísmo (cada religião, ou melhor, cada realidade, tem o seu)".
O artigo é de Vito Mancuso, ex-professor da Universidade San Raffaele, de Milão, e da Universidade de Pádua, publicada por La Stampa, 13-07-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo aponta, "essa ideologia voraz e geradora de injustiça e violência é a base da ação política que nos nossos dias guia o atual governo israelense em sua guerra de extermínio contra a população de Gaza e os chamados 'colonos' em seus sistemáticos roubos da terra dos palestinos na Cisjordânia".
Há um lado obscuro no judaísmo que nasce de sua raiz política, o ‘israelismo’. O ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben Gvir, não poderia ter sido mais claro ao declarar o objetivo: "A suspensão total das ajudas humanitárias". Ele justifica sua declaração dizendo: "Interromper as ajudas nos levará rapidamente à vitória". A vitória que ele tem em mente é indicada por esta palavra hebraica: herem, "extermínio total", em alemão Endlösung, "solução final", o termo que deu início ao Holocausto. Outros ministros do governo de Netanyahu, incluindo obviamente o primeiro-ministro, compartilham a mesma opinião.
No entanto, alguns argumentam que não se pode e não se deve falar de genocídio. Que nome, então, dar a esse desejo de matar de fome um povo inteiro? Como nomear esse extermínio sistemático? É possível encontrar outro nome além de genocídio para essa ferocidade tão lucidamente perseguida por esses nazi-sionistas de quipá que visam aniquilar toda a população de Gaza e estão conseguindo? Eles se professam religiosos, e não se deve pensar que estejam fingindo: realmente o são. Assim como o são os nazi-islâmicos do Hamas. Todos extremamente religiosos.
Mas o que está em jogo aqui não é o islamismo, mas o judaísmo: que tipo de religião é essa, se produz seres como Ben Gvir e não poucos outros como ele, todos representados pelos partidos religiosos que são a alma e o fundamento do governo de Netanyahu? A religião judaica tem uma dupla essência: espiritual e política. A primeira é propriamente o judaísmo, a segunda é o que eu chamo de ‘israelismo’. Para descrever a dimensão espiritual do judaísmo, recorro a este texto antigo encontrado em um fragmento de cerâmica, que remonta às origens do povo judaico, e que retomo de Amós Oz: "Não façam assim, mas sirvam ao seu Senhor. Vocês julguem o escravo e a viúva. Julguem o órfão e o estrangeiro. Intercedam pela criança, supliquem pelo pobre e pela viúva. A vingança está nas mãos do rei; protejam o humilde e o servo. Apoiem o estrangeiro". O comentário magistral de Oz: "Essa mensagem, escrita em um inequívoco hebraico de três mil anos atrás, contém imperativos morais e de equidade nascidos em uma cultura que exige justiça para os fracos e os perdedores. O cerne da questão reside precisamente no servo, na viúva, no órfão, no estrangeiro, no pobre, no infeliz, no necessitado".
Essa tomada do partido dos fracos em nome da ética é o que Oz denomina de "a chama interior do judaísmo". É a mesma mensagem veiculada pelo judeu Jesus, que intrinsecamente ligava o amor a Deus e o amor ao próximo.
Na Bíblia hebraica, porém, também está presente desde o início e de forma igualmente decisiva a essência política que eu defino de ‘israelismo’. Joseph Klausner, um intelectual refinado e tio-avô de Amós Oz, escreveu sobre o tema: "Um fato simples não deve ser esquecido, mesmo que muitos estudiosos judeus com um senso de 'missão' e quase todos os teólogos cristãos o ignorem: esse fato é que o judaísmo não é apenas uma religião, mas também uma nação, uma nação e uma religião ao mesmo tempo". Aqui, o que prevalece não é a consciência moral, mas a razão política; não é a comunhão com os estrangeiros, mas a supremacia; não é a solidariedade com os mais fracos, mas a força e o poder.
Exatamente por isso, na Bíblia hebraica, ao lado da espiritualidade da solidariedade, há uma ideologia de poder e opressão nacionalista e racista em relação a outros povos que dá origem aos muitos Ben Gvir. Esse ‘israelismo’ é amplamente atestado na Bíblia. Tomemos o livro de Deuteronômio, cuja ideologia está entre as mais sectárias e violentas da literatura bíblica e do mundo antigo em geral.
No início do sétimo capítulo, Moisés se dirige ao povo prestes a entrar na terra prometida, então chamada Canaã, mais tarde Palestina pelos romanos, e naquele momento habitada por outros povos, ordenando o seguinte comportamento para com os povos que ali residem: "os destruirão totalmente, não façam com eles tratado algum, e não tenham piedade deles" (Deuteronômio 7,2).
Por qual motivo? "Pois vocês são um povo santo para o Senhor, o seu Deus. O Senhor, o seu Deus, os escolheu dentre todos os povos da face da terra para ser o seu povo, o seu tesouro pessoal" (Deuteronômio 7,6). De acordo com a ideologia deuteronômica, a eleição divina comporta o amor por Israel e, ao mesmo tempo, o ódio pelos outros povos: "Devorarás todos os povos que o Senhor teu Deus te entrega, e não terás piedade deles" (Deuteronômio 7,16, traduzido da versão italiana).
O ‘israelismo’ representa o lado obscuro do judaísmo (cada religião, ou melhor, cada realidade, tem o seu).
Essa ideologia voraz e geradora de injustiça e violência é a base da ação política que nos nossos dias guia o atual governo israelense em sua guerra de extermínio contra a população de Gaza e os chamados "colonos" em seus sistemáticos roubos da terra dos palestinos na Cisjordânia.
O governo e os colonos se sentem autorizados a perpetrar esse massacre e esses roubos de propriedade alheia com base nas passagens bíblicas que propagandeiam o ‘israelismo’. Mas uma coisa deve ficar clara: assim como existem fake news, também existem "fake scriptures" [escrituras falsas].
Essas páginas violentas e cheias de ódio das Escrituras hebraicas nada têm a ver com a verdadeira essência do judaísmo, expressa pelo fragmento de cerâmica de três mil anos atrás e por muitas outras páginas bíblicas.
A consciência moral dos crentes que consideram a Bíblia seu livro sagrado deve reestruturar completamente a exegese e a hermenêutica dos textos, para que não possam mais nascer pessoas como Ben Gvir, que se consideram autenticamente religiosas porque impedem as ajudas humanitárias e matam de fome um povo inteiro.
Essa, a meu ver, é a tarefa que a consciência moral impõe às igrejas e às comunidades judaicas que pretendem ser verdadeiramente fiéis à chama interior do judaísmo. E que, acima de tudo, cabe àqueles políticos que declaram publicamente sua fé no Deus que se revelou a Abraão, dizendo-lhe que nele serão benditas "todas as famílias da terra" (Gênesis 12,3).